Atenção, crianças, silêncio. Guardem os celulares que a aula está começando. Hoje vamos falar de “fake news”. “Verdade?” Não, fake quer dizer mentira, e não verdade. Verdade é true. “Eu quis dizer é que a aula vai ser sobre mentira, não é verdade?” Sim, mentira, na verdade. “Afinal, nós vamos falar de verdade ou de mentira?” Sei lá, agora vocês me confundiram todo, já não sei mais distinguir uma coisa da outra.
Mas, vamos em frente.
Em 1985, um diretor da Paramount encontrou uma preciosidade: um pedaço do documentário inacabado “It’s All true” (É tudo verdade) de Orson Welles, justamente a parte referente ao Brasil. É simbólico. Wells tinha paixão por tudo que se relacionasse a magia. E sobre tudo que se referisse ao fio tênue que separa a verdade da mentira. É autor de um outro filme denominado justamente de “Verdades e Mentiras”, que trata de trucagens e fraudes no mercado de artes, e sobre a impossibilidade de distinguir um quadro legítimo de outro falso. Na época desse filme, Wells afirmou que “toda história, contada em frente a uma lareira ou num filme, é quase sempre uma mentira”.
Você aí atrás, vou repetir: guarde esse celular. Você está lendo o quê aí? “Diz aqui que o filho do Lula é dono de um frigorífico da JBS”. Pois olha que bom exemplo pra gente começar a aula de hoje: o Lulinha não é dono desse frigorífico coisa nenhuma. Nunca foi. Este é um típico fake, mentira cabeluda. “Mas, na época do impeachment, eu recebi um post de que a Dilma tentou suicídio”. Outra mentira. Igualzinha à de que o delator Alberto Youssef tinha sido encontrado morto na véspera da eleição de 2014. E que a Xuxa está apoiando o Bolsonaro… Gente, o que não falta é fake.
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Fofofakes
“Mas então, onde está a verdade?” Menino, você tocou no ponto: a verdade virou raridade, porque a mentira anda se espalhando mais depressa do que fogo em mato seco e a verdade é que nem diamante miúdo escondido em bacia de vidro moído. A mentira corre mais depressa do que água de morro abaixo e fogo de morro acima. Já a verdade é mais lenta do que a lesma, o caramujo e a tartaruga.
PublicidadeSem contar que a mentira é muuuuuito mais interessante: Sérgio Moro é filiado ao PSDB. Os tucanos querem acabar com o Bolsa-Família. O cofre de Lula é maior do que a piscina do sítio de Atibaia.
E a verdade, tadinha, é só o desmentido disso tudo aí. Quem se interessa em ler desmentido, se nos acostumamos a gostar, curtir e desde sempre espalhamos maledicências, sob o nome de mexericos ou fofocas?
O primeiro passo para tentar assegurar alguma verdade aos eleitores no pleito deste ano, quando as fábricas de fake news já estão funcionando a todo vapor, foi dado pelo ministro Luiz Fux, ao assumir a presidência do TSE, criando uma comissão pra cuidar disso. Mas o próprio Fux sabe, embora não admita, que, neste momento, nem ele nem ninguém sabe como, objetivamente, enfrentar o problema. No máximo, conseguiu-se perceber o fenômeno. Constatou-se que é preciso fiscalizar e punir. E que é preciso atualizar a legislação para criminalizar as condutas tanto de quem transmite quanto de quem produz notícias falsas.
O cofre de Lula e o suicídio de Dilma
“Ah, mas desmentir é fácil. Agora mesmo, pelo senhor, ficamos sabendo que o Sérgio Moro não é filiado ao PSDB. Que o cofre do Lula não é do tamanho da piscina do sítio. Que a Dilma não quis se matar e que a Xuxa não está apoiando o Bolsonaro”.
Não é simples assim, crianças. Só parece. As fake news tornaram-se tão sofisticadas – da produção à disseminação – que é cada vez mais difícil o seu combate. Ora, se na internet brasileira circulam diariamente entre 3 mil a 5 mil notícias políticas, quem vai checar a veracidade disso tudo? Como atribuir culpa a alguém? Como identificar quem começou? Como punir quem simplesmente passou pra frente e se tornou cúmplice – de boa fé, diga-se – da disseminação de mentiras políticas?
“Caramba, o inferno é grande!” Não apenas grande, mas cheio de mil diabos, acrescento. Cristina Tardáguila, diretora da agência Lupa, especializada em distinguir o que é verdadeiro do que é falso no noticiário, lembrou outro dia que o Brasil gastou nos últimos meses a bagatela de R$ 60 milhões em publicidade pra popularizar os termos da reforma da Previdência, que nem votada foi. Mas até aqui não gastou nem um centavo para ajudar o eleitor – eu, tu, ele, nós, vós, eles – a distinguir a informação falsa da correta.
Desta vez é pra valer: acabaram com o 13°
“Sim, mas e agora? Será que dá pra se fazer alguma coisa para ajudar as pessoas a distinguirem a mentira da verdade”? Olha, eu não sei se os resultados serão tão bons quanto se espera. Mas uma boa campanha de publicidade em pílulas, aos poucos, ensinando o eleitor a desconfiar, a verificar a fonte da notícia, a conferir direitinho se é informação nova ou requentada… Já seria um bom começo, né? Há anos circula por aí a notícia de que o governo, na surdina, conseguiu aprovar um projeto que acaba com o 13º. A notícia já atravessou os governos Lula, Dilma e Temer. E o 13º aí, firme. E o povo acreditando que ele acabou de ser revogado…
“A saída então vai ser educar as pessoas?” Sim, o caminho é por aí. Se você nunca compartilhou uma notícia falsa e depois se arrependeu, levante o dedo. Eu, já. E me arrependi muito, até aprender a só repassar notícias sobre as quais tenha a mais absoluta certeza. Precisamos nos tornar cidadãos digitais.
Ulysses Guimarães dizia que a cidadania começa pelo alfabeto. Pois está na hora de nos acostumarmos com a ideia de que a cidadania pode até começar pelo alfabeto mas ela passa, necessariamente, pela responsabilidade digital.
“Tudo bem. Mas é possível saber se o PT enviou mesmo 2 bilhões de reais a Cuba? Que a própolis previne a dengue e o câncer? Que um pirulito com energético intoxicou milhares de crianças? Que o óleo de coco não tem colesterol?”
Vá ao Google, garoto. Ligue pra Anvisa. Se informe em fontes confiáveis. Cheque TODAS as informações. Agora, se você começou a desconfiar do que recebe no zap ou no e-mail, começou bem. A cidadania digital começa pela dúvida. Agora já podem ligar os celulares de novo. Mas, cuidado, heim? Esse troço é perigoso pra caramba!
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