Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania *
Hoje, 13 de maio, 135 anos após a abolição oficial da escravidão no Brasil, o país ainda encontra uma dualidade sobre a data. De um lado há uma frente que rejeita as celebrações por acreditar que a abolição, por ter sido assinada pela princesa Isabel, não representa uma efeméride dos movimentos sociais. Entretanto, de outro lado, historiadores compreendem que a data é, sim, motivo para orgulho nacional no sentido de que a atitude do Império à época se deu justamente pelas organizações sociais da população escravizada.
Em 2006, a Fundação Palmares, por meio do Centro de Estudos Afro-Orientais, revelou na publicação “Uma História do Negro no Brasil” que mais de 90% dos escravos brasileiros já se encontravam em liberdade no dia 13 de maio de 1888 por intermédio das fugas e alforrias. Isso significa afirmar que a oficialização da Lei Áurea mais se assemelhou a uma pressão dos abolicionistas do que um benefício concedido pelo Estado brasileiro.
Mais grave ainda, nas palavras da secretária-executiva do MDHC, Rita Oliveira, foi a usurpação histórica contada ao longo dos anos dos reais guerreiros brasileiros por supostos heróis da liberdade comprometidos com a colonização e o embranquecimento da sociedade brasileira. “Recentemente, ao nomearmos o Prêmio Luiz Gama de Direitos Humanos em homenagem a quem, de fato, contribuiu pela luta antirracista e antiescravocrata no Brasil, fizemos um movimento de reconhecimento, memória e reparação simbólica pelo governo brasileiro”, apontou.
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Números recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que a renda de trabalhadores brancos ainda é, em média, 75% maior que a de pessoas negras. Ainda de acordo com o instituto, 56% da população é composta de negros – ou seja, um país negro e racista ao mesmo tempo.
Memória, verdade e justiça
PublicidadeDiante desse cenário, a luta pela preservação da memória, o reconhecimento cultural de como o Brasil se construiu e o consequente enfrentamento à injustiça histórica encontram reflexos no 13 de maio da contemporaneidade. Para a coordenadora-geral de Memória e Verdade sobre a Escravidão e o Tráfico Transatlântico do MDHC, Fernanda Thomaz, é urgente que o Brasil olhe para si como um país construído a partir de estruturas socioeconômicas e políticas que reproduzem desigualdades sociais.
“O 13 de maio é uma data que simboliza a luta dos escravizados e abolicionistas pelo fim da escravidão, mas esse marco oficial não tratou de reorganizar a sociedade. Por isso, reivindicar o 13 de maio como mais uma data que simboliza a luta negra contra a escravidão e o racismo é disputar essa memória coletiva”, argumenta a gestora.
Para a responsável do setor no MDHC que se compromete a enfrentar os ecos da escravidão, a luta contra o racismo exige da sociedade o reconhecimento das dores do passado diante de um sistema que oprime, exclui e mata corpos pelas próprias condições étnicas. “O Brasil é um país onde o apagamento da história foi mais um instrumento de domínio e de violência pelo mando opressor sobre as pessoas negras”, aponta.
“Estou falando de um país que não só negou o direito à memória da luta dos nossos ancestrais, como também não concedeu direitos básicos e inclusão socioeconômico e cultural ou tampouco reparou pelos danos causados às pessoas negras. É nesse país que, para superar as violências do passado, precisaremos recontar essas histórias e preparar um futuro mais digno tão sonhado pelos nossos ancestrais: o da libertação humanitária”, vislumbra Fernanda Thomaz. Na estrutura do ministério, o setor integra a Assessoria Especial de Defesa da Democracia, Memória e Verdade, liderada por Nilmário Miranda.
“Quando fui convidado pelo ministro Silvio Almeida para estar à frente da Assessoria, me questionei sobre o motivo da “Defesa da Democracia”, uma vez que isso seria evidente em todos os setores do governo. Depois foi que percebi a sacada do ministro: um país, para preservar e lutar por memória e verdade, antes de tudo precisa olhar para o racismo que estrutura a própria sociedade. Foi então que entendi o sentido dessa designação: as desigualdades são muito anteriores ao período da ditadura civil-militar”, reflete Nilmário.
Resistências negras
O coreógrafo, mestre em Artes Cênicas, especialista em Estudos Afro-brasileiros e Africanos e doutorando em dança pela Universidade Federal da Bahia, Evandro Passos, acredita que o sentido da abolição era acabar definitivamente com o trabalho escravo no Brasil.
“O movimento abolicionista que surgiu no século 18 teve a participação de diversos grupos da sociedade brasileira e vários nomes importantes como Luiz Gama, André Rebouças, Castro Alves, dentre outros e outras, que contribuíram para a culminância da Lei Áurea”, contextualiza Passos.
Para ele, é vital que se ressalte a resistência dos povos escravizados desde quando aportaram no país. “As lutas se fizeram presentes, as fugas para os quilombos, o envenenamento de senhores escravagistas, as lutas armadas eram constantes. Então, esse movimento de resistências negras também deu voz para a libertação”, defende o acadêmico.
Na mesma linha de pensamento, a mestranda em História pela Universidade de Juiz de Fora Denise Nascimento aponta que o fim da escravidão foi inevitável pelos meios oficiais justamente pela organização e ação de diversos movimentos negros. “À época, as elites sociais quiseram transformar a abolição em uma dádiva. Hoje, ainda existem grupos que insistem em retirar da população negra o seu lugar primordial na construção de uma sociedade livre, sem racismo e verdadeiramente democrática”, frisa Nascimento.
Ela também defende, por outro lado, que o 13 de maio também deve ser lido como uma denúncia contra o racismo. “Essa data nos leva a reafirmar aos governos sobre a necessidade de políticas de reparação para a população negra”, defende a historiadora em depoimento ao MDHC.
* Texto publicado originalmente pelo site do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDH).
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