Para além das redes sociais, as fake news encontraram um novo reduto no Brasil: plataformas de streaming. No Spotify, elas estão hospedadas nos episódios de podcast, sem supervisão até o momento. Após uma série de boicotes, a plataforma afirma que adotará medidas para combater a desinformação sobre a covid-19.
O Congresso em Foco encontrou possíveis casos problemáticos em uma breve pesquisa na plataforma – o que indica a facilidade da transmissão de conteúdo nas plataformas digitais. No canal Senso Incomum, o programa Guten Morgen, de Flávio Morgerstern, reproduz um episódio intitulado de “A vachina não é uma vacina”. Em 2h30 de conteúdo, Morgerstern compara a vacina contra covid-19 a um veneno.
Em novembro de 2020, o podcast da jornalista Leda Nagle entrevistou a médica Nise Yamaguchi. A médica, que foi alvo de investigação da CPI da Covid, defendeu o uso do tratamento precoce do “kit covid“. Porém, o mesmo já foi classificado como ineficaz contra o coronavírus.
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Uma outra fala enganosa presente na plataforma é do jornalista Alexandre Garcia. Durante um programa, Garcia associou o tromboembolismo pulmonar, do cantor Maurílio, à vacinação. A afirmação, porém, é falsa, e não há nenhuma evidência científica que ligue o tromboembolismo ao fato do cantor estar vacinado contra a covid-19.
Em outro episódio, um canal de nome Anarcofidentes mente ao dizer que os imunizantes possuem o chip da “besta”. “Muita gente falava que isso era teoria da conspiração, coisa de maluco, mas agora nós estamos vendo acontecer”, referindo-se à vacinação.
O Spotify também abriga as lives semanais do presidente Jair Bolsonaro. No podcast “Canal Bolsonaro“, é possível ter em áudio as transmissões do chefe do Executivo. Em uma das lives, o mesmo afirma que vacinas não são recomendadas para quem já teve covid-19. Algumas destas transmissões foram retiradas do ar pelo YouTube, vinculada à Google, justamente pela transmissão de informações enganosas.
PublicidadeSegundo Bolsonaro, no caso das pessoas que já tiveram o vírus, “não é recomendado” que façam uso da vacina, sem citar de onde veio a suposta contraindicação. No entanto, a fala vai contra as recomendações dos órgãos internacionais de saúde.
Boicote à plataforma
A decisão do Spotify de combater as fake news foi anunciada neste domingo (30), após um movimento de boicote à plataforma. Esta insurgência começou após o músico canadense Neil Young pedir para que a plataforma removesse suas músicas do catálogo, sob a justificativa de que a empresa financiava o podcast do comediante norte-americano Joe Rogan, que espalhava informações falsas sobre vacinas contra a covid-19 em seus episódios. O protesto foi também seguido pela cantora de folk Joni Mitchell.
Em carta, Young solicitou ao seu empresário e sua gravadora, Warner Music Group, que o Spotify não carregasse mais suas músicas. “Quero que vocês avisem o Spotify imediatamente HOJE que quero todas as minhas músicas fora da plataforma deles… Eles podem ter Rogan ou Young. Não os dois”, escreveu. O cantor já havia tirado suas canções da plataforma anteriormente, por disputas de direitos autorais.
Na última quarta-feira (26), o streaming retirou todas as músicas de Young do ar a pedido do músico e de sua gravadora, a Warner. O podcast de Rogan, The Joe Rogan Experience, segue no ar.
Em nota, o presidente e fundador da plataforma, o sueco Daniel Ek, informou que nos próximos dias serão incluídos links com dados cientificamente comprovados a respeito da doença em todos os podcasts que tratarem do tema.
“Estamos trabalhando para adicionar um alerta de conteúdo para qualquer episódio de podcast que inclua discussão sobre a covid-19. Este alerta direcionará os ouvintes para o nosso hub dedicado à covid-19, um recurso que dá acesso fácil a fatos orientados por dados, informação atualizada e compartilhada por cientistas, médicos, acadêmicos e autoridades de saúde pública ao redor do mundo”, explicou.
Em resposta ao artista Neil Young, a plataforma disse que possui “grande responsabilidade” em ponderar a segurança dos ouvintes com a liberdade dos criadores. O streaming também afirmou ter excluído mais de 20 mil episódios de canais relacionados à pandemia.
Joe Rogan e o Spotify
O podcast do humorista norte-americano faz parte de um acordo firmado entre Rogan, de 54 anos, e a plataforma. O acordo previa a disponibilização de todo o acervo do comediante, datado de 2009, até os dias atuais – além do já polêmico programa de podcast exclusivo. Informações da mídia norte-americana indicam que o valor do contrato, firmado em maio de 2020, é superior a US$ 100 milhões (R$ 530 milhões em valores atuais).
O conteúdo, no entanto, não foi criticado apenas pelos músicos: comunidades científicas e médicas globais engrossaram o coro. Em nota, médicos, enfermeiros e cientistas assinam um documento que acusam Joe Rogan de espalhar teorias da conspiração “infundadas” e ter uma fala preocupante em relação à pandemia. A nota da saúde cita, em específico, um episódio do canal que ainda permanece na plataforma.
“Ao permitir a propagação de afirmações falsas e socialmente prejudiciais, o Spotify está permitindo que sua mídia hospedada prejudique a confiança do público na pesquisa científica e semeie dúvidas na credibilidade da orientação baseada em dados oferecida por profissionais médicos”, dizem os médicos.
A empresa foi procurada pelo Congresso em Foco, mas não retornou até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestações.
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