A social-democracia nasce da cisão no interior do movimento socialista internacional, no início do século 20, notadamente na Alemanha. Como vimos antes, nesta série de artigos, o debate nos séculos 17 e 18, quando ocorreram as revoluções Gloriosa, Americana, Industrial e Francesa, marcando o nascimento do capitalismo industrial e da democracia moderna, foi dominado pelo confronto entre liberais individualistas, conservadores, contratualistas e republicanos, na Europa e nos EUA. No século 19, surgem as reações dos trabalhadores às péssimas condições de vida e trabalho, encontrando eco inicialmente no movimento cartista inglês, na tradição jacobina na França, e depois, nos chamados “socialismo utópico” e “socialismo científico”, fundado por Marx, Engels e a Primeira Internacional, cujo documento fundador foi o “Manifesto Comunista”, de 1884.
A social-democracia nasce no interior da Segunda Internacional Socialista, fundada em 1890. Alguns fatos marcantes foram determinantes para o racha no movimento socialista. A conquista do direito do voto universal e secreto e de leis de limitação da jornada de trabalho e de melhoria das condições de vida dos trabalhadores, em alguns países avançados. A eclosão da Primeira Grande Guerra Mundial e a Revolução Russa, em 1917. A expectativa dos fundadores do marxismo é que a revolução aconteceria nas nações de capitalismo mais avançado e maduro, onde as condições objetivas e subjetivas seriam configuradas, possibilitando a ruptura com o capitalismo. No entanto, a revolução aconteceu em países atrasados de capitalismo incipiente ou inexpressivo, como a URSS, e mais tarde, a China, em 1949.
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É preciso ter cuidado com as palavras em sua evolução histórica. Os partidos de esquerda eram chamados de social-democratas, incluindo os marxistas, denominação que incomodava Engels e Lenin, que preferiam o termo comunismo, mas era fato. Liberais hoje nos EUA não são os seguidores de Hayek e Friedman, mas os progressistas hospedados no Partido Democrata e no meio acadêmico.
Dito isto, uma série de líderes da Segunda Internacional, seguindo elementos já presentes no “socialismo utópico”, começaram a perceber a inviabilidade da revolução nos países avançados e as mutações no capitalismo e os avanços na democracia parlamentar.
O marco mais relevante foi a publicação por Eduard Bernstein, parlamentar alemão e líder do SPD, de seus “Os Pré-requisitos do Socialismo e as Tarefas da Social Democracia” e “Socialismo Evolucionário”, em 1899. Adotava uma visão revisionista, crítica em relação ao marxismo, reformista e de valorização da luta democrática e parlamentar. Recebeu duras críticas de Bebel, Rosa Luxemburgo, Kautsky, Plekhanov e Lenin. A visão começou a ganhar inúmeros adeptos nos partidos socialdemocratas europeus. Mais tarde, Kautsky e Plekhanov também iriam arder na fogueira do marxismo-leninismo caracterizados como revisionistas, reformistas e traidores.
A Primeira Grande Guerra foi o marco divisor. Os líderes russos se colocavam contra a guerra, porque a classe operária não teria fronteiras e não deveriam os operários se matar uns aos outros. Romperam com os social-democratas e fundaram a Terceira Internacional, sob comando do Partido Bolchevique da URSS.
PublicidadeA partir daí, diante da impossibilidade de revolução nos países avançados e das possibilidades abertas pela democracia parlamentar, os socialdemocratas se concentraram em criar partidos de massa, com força eleitoral, acumular experiência de governo, lutar pela evolução da legislação protetiva e promotora de direitos dos trabalhadores, defender as reformas e a intervenção do Estado para avançar e humanizar o capitalismo, sem rompimento com a economia de mercado.
A crise mundial de 1929, dinamitou os cânones do pensamento neoclássico liberal, dando uma prova viva de que a economia de mercado não tendia ao equilíbrio geral, mas a crises cíclicas permanentes. Surge o pensamento do maior economista do século 20, o inglês John Maynard Keynes, que ofereceu a fundamentação teórica para a intervenção estatal na economia, em determinadas circunstâncias, para garantir o pleno emprego e o crescimento. Isto foi apropriado pelos governos e partidos sociais-democratas. A guerra fria, a partir de um mundo bipolar marcado pelo confronto entre EUA e URSS, era o pano de fundo. O New Deal americano e o Plano Marshall foram expressões disto. Mais tarde, em linha semelhante, na América Latina, surgiu o pensamento cepalino, que valorizava os conceitos de Estado e Nação, para superar o atraso e promover a industrialização na periferia do capitalismo.
Após a Segunda Grande Guerra, a social-democracia se tornou hegemônica, legitimando o papel do Estado na sociedade e na economia, dando origem ao “Welfare State”. Surgiriam lideranças marcantes na Europa e nos EUA, nas décadas posteriores, como Willy Brandt na Alemanha; Olaf Palme, na Suécia; Felipe González, na Espanha; François Mitterand, na França; Mário Soares, em Portugal; Jospin, na França; Tony Blair, no Reino Unido; Helmut Schmidt, na Alemanha; Bill Clinton e Obama, nos EUA; Fernado Henrique Cardoso, no Brasil. Cada um com seu momento e suas circunstâncias, mas unidos na convicção social-democrata de que o mercado é o melhor organizador dos fatores econômicos, mas produz crises e desigualdades, e que o Estado deve atuar para atenuar as falhas do mercado e intervir através das políticas públicas para promover a maior equidade social possível.
O Estado de Bem Estar Social (Welfare State) se agigantou e a expansão de gastou encontrou seus limites. Houve uma crise no final da década de 1970 e ocorreu a chamada reação neoliberal, nos anos de 1980, liderada por Margaret Thatcher e Ronald Reagan, que marcou uma ofensiva de estratégias liberais na economia e conservadora nos costumes.
Isso e o avanço da globalização mudaram o cenário. Os novos líderes da social-democracia enfrentaram o desafio de reinventar os conceitos e as estratégias diante do novo mundo, aprendendo inclusive com as experiências neoliberais. Sucederam-se a formação da União Europeia, em 1992, impondo austeridade monetária e fiscal, o que colocava limites claros para o financiamento do Welfare State. Depois a criação da Zona do Euro. A dissolução da URSS e a queda do Muro de Berlim colocando fim ao império soviético e à experiência do socialismo real. A revolução da era da robótica e da internet. Restou um mundo multipolar onde as EUA, China – e seu capitalismo de Estado, União Europeia, disputam a liderança e a Rússia tenta recuperar terreno e com transformações tecnológicas em ritmo inédito.
Hoje é impensável em países tão desiguais e com um atraso relativo, como o Brasil, adotar o conservadorismo, porque mudanças radicais são necessárias. Também o liberalismo radical pouco se adequa, já que o mercado não dá conta de erguer autonomamente as respostas necessárias. A perspectiva revolucionária do comunismo foi arquivada pela história. Portanto, é fundamental o diálogo da socialdemocracia e do social-liberalismo para construir um horizonte que combine, nas condições históricas concretas do século 21, desenvolvimento sustentável, reformas sociais, equilíbrio macroeconômico, crescimento e democracia – o valor universal e permanente indispensável – realizando progressivamente os sonhos de liberdade, equidade social, sustentabilidade ambiental e justiça.
Para quem quiser iniciar-se na história da socialdemocracia e seu conteúdo recomendo a leitura dos textos “Socialismo Evolucionário” de Eduard Bernstein, “O que é uma Revolução Social” de Karl Kautsky, “O Fim do Laissez-faire” de J. M. Keynes, “A proposta Social-Democrata” organizado por Hélio Jaguaribe, “A Terceira Via” de Anthony Giddens e “A Soma e o Resto” de Fernado Henrique Cardoso.
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