Em momentos de crise a mente humana torna-se mais valiosa. A realidade social pode se apresentar a ela como objeto de questionamento, de aprendizado, de possibilidades. O mundo das pessoas surge de suas ações e decisões, e por isso podemos agir. Contudo, primeiro devemos conhecer, para depois julgar e atuar. Assim, convido o leitor a conhecer algumas questões que têm me acompanhado e permanecerão por algum tempo conosco. Passo a compartilhá-las aqui sob a lógica de que, no conhecimento, dividir é aumentar e que, na construção do mundo, dividir é humanizar, ser parte.
A primeira diz respeito ao “make America great again”. Donald Trump apresentou-se ao eleitorado americano, e conseguiu seu mandato, com o objetivo de resgatar a grandeza dos EUA. Logo que venceu a eleição o dólar valorizou-se. Minhas questões referentes a essa promessa focam a capacidade e o plano de Trump. Ao isolar os EUA dos problemas da Europa, da Ásia e da Oceania, dizendo aos norte-americanos que eles precisam e têm direito de cuidar de casa antes de mais nada, o presidente se equivoca por não compreender a relação entre as políticas externas e internas que fazem dos EUA serem o que são. Abandonar aliados, aqueles que se veem como Ocidente, ao fim e ao cabo deve isolar a economia norte-americana para seu próprio prejuízo, inclusive com perdas para o dólar. A cotação da moeda no curto prazo é uma coisa, sua aceitação, força e legitimidade, que implica seu valor no longo prazo, é outra. E agora parece que ambas dinâmicas entrarão em confronto. De fato, para mim, os governos Trump entrarão para a história como o marco da derrocada da sociedade americana (por essa e outras razões). Coisa para o futuro.
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Qual a importância do voto econômico? Na Ciência Política a ideia de que os eleitores respondem fortemente às condições econômicas quando votam, punindo ou recompensando os governantes de plantão, domina a cena. Muitos analisam a eleição de Trump como a preponderância do voto econômico mais uma vez. Para eles, o bilionário foi capaz de compreender e dar uma resposta para o mal-estar econômico que toma conta do povo norte-americano. Eu tenho sérias dúvidas sobre isso. Parece-me que questões morais valem muito mais numa eleição hoje do que há duas décadas. Mais do que isso, a própria percepção da realidade, o simples ato de olhar seu salário e ir até o supermercado, tornou-se menos clara. No Brasil, por exemplo, vários indicadores econômicos mostram melhorias para a população, como crescimento e aumento do emprego e massa salarial, mas para os eleitores de Bolsonaro o país afunda, enquanto os que votaram em Lula avaliam positivamente a situação. Claramente há um filtro que impede a prevalência do voto econômico. Em 2026 isso será uma questão séria.
O bolsonarismo seguirá qual rumo? Sua principal liderança, o ex-presidente Jair Bolsonaro (creio que irá preso), tem a inelegibilidade como líquida e certa em 2026. Como a classe política lidará com isso? Hoje ainda é tempo de permanecer na sombra do líder, não desagradar aos seguidores, fortalecer-se contra a esquerda. Contudo, no segundo semestre, talvez já com Bolsonaro preso e sua inelegibilidade devidamente digerida pelo seu grupo, movimentos acontecerão. Não consigo saber quem Bolsonaro bancará como seu candidato, pois os filhos, que parecem alternativa natural, não mostram força. Quanto a Michelle, sempre surge a informação de que Bolsonaro tem ciúmes político dessa candidatura. O governador Tarcísio de Freitas se encolhe temporariamente, devidamente instruído pelo gênio de Gilberto Kassab. Outsiders pululam, como Pablo Marçal e Gusttavo Lima. O fato é que há um butim político para quem for contra a esquerda e o PT. A disputa não promete elegância e respeito até que se consolide um, ou uma, candidata do grupo.
Os mais ingênuos podem achar que “somos livres nas redes sociais”. O cientista político Marcos Nobre disse apropriadamente – não me lembro se baseado em outrem – que vivemos um estado de natureza nas redes sociais. Thomas Hobbes escreveu que o homem, antes de estabelecer uma sociedade ordenada, com regras e punição, vivia totalmente livre, assim como os libertários da internet se imaginam. Lá se pode tudo. Contudo, para Hobbes, essa liberdade é também de matar o outro para tomar-lhe o que se quiser, ou mesmo destruí-lo simplesmente porque se pode.
As redes sociais criaram uma nova dimensão da vida humana. Antes não existia, depois passou a existir um mundo em que se colocam e se tiram elementos de vida: ideias, valores, informações, sentimentos, etc. Sob a inescapável lógica capitalista da produção de lucro, vale tudo para conseguir atenção e monetizar a vida online. Como uma derivação inescapável, ódio, raiva, preconceitos de todo tipo geram dinheiro e também produzem poder político. A questão para nossa sociedade é simples: deve-se regular esse estado de natureza ou não? Para os predadores, tudo corre bem. As presas parecem muitas vezes inconscientes de sua situação.
Pensar que não há uma crise climática, o avanço para o colapso das condições de vida na Terra, beira a insanidade, não obstante abundem os insanos e os que os exploram e aproveitam-se deles. O que conseguiremos fazer, como sociedade global, e quando, para cuidar do planeta, que é nossa casa? Há inúmeros problemas assim como uma multitude de soluções e propostas. Eu vejo a sociedade como um tecido rendado, trabalhado, esticado sobre a mesa. Alguns caminhos e veios tingem-se hoje de ação e luzes, outros ainda não. Alguns renitentes na negação. Eu não consigo ter certeza de onde chegaremos. Meu conforto, contudo, vem do lugar em que escolho estar, do lado da solução ou do problema. Esta é a luta dessa geração, está posta e o resultado será imenso.
Se o leitor submeteu-se estoicamente a essa listagem de especulações, eu lhe agradeço imensamente. Falei em conforto acima. Para quem deseja um mundo melhor, o primeiro passo é pensar nele. Agradeço a quem age desta forma e me sinto irmanado. Bom 2025 a todos!
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