Em meio à disputa pelo segundo turno das eleições, Jair Bolsonaro (PL) se viu envolvido em uma grave crise de imagem. Depois de ter associado um abrigo de adolescentes venezuelanas no DF à prostituição, recorreu às suas redes para, em vídeo, repudiar o uso eleitoral de sua fala anterior e dizer que as meninas citadas por ele em entrevistas não eram prostitutas, ao contrário do que havia dito. Duas pessoas estiveram com ele no vídeo: sua esposa, Michelle Bolsonaro, e María Teresa Belandria, a quem se refere como “embaixadora da Venezuela”. A convidada, porém, não é reconhecida em seu país como representante no Brasil.
Desde 2016, em protesto ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, o governo venezuelano retirou seu embaixador do Brasil, ao mesmo tempo que declarou o embaixador brasileiro Ruy Nogueira como persona non grata, status em que deixa de ser reconhecido como representante de um país. A situação se agravou até 2019, na gestão de Jair Bolsonaro, quando o Ministério das Relações Exteriores do Brasil fechou sua embaixada em Caracas e tirou o status diplomático dos funcionários da embaixada venezuelana em Brasília, que funciona sem um embaixador oficial.
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Em meio ao vácuo de uma representação venezuelana no Brasil, a advogada María Teresa Belandria, indicada pelo autodeclarado presidente Juan Guaidó, passou a ser a encarregada reconhecida por Bolsonaro, reclamando para si a função de embaixadora da Venezuela no Brasil. Ela também é considerada a responsável por intermediar o encontro de Michelle Bolsonaro e a senadora eleita Damares Alves (Republicanos-DF) com as meninas na última segunda-feira.
Representante de Guaidó
Iniciado em 2016, o atrito diplomático entre Brasil e Venezuela se deu em meio à crise de reconhecimento das chefias de Estado entre os dois países. Sofrendo queda de popularidade ainda no seu primeiro mandato, o presidente venezuelano Nicolás Maduro não reconheceu a posse de Michel Temer como presidente do Brasil, resultando na troca de acusações que perdura até hoje entre os representantes dos dois países.
No ano de 2018, ocorreram eleições tanto no Brasil quanto na Venezuela. Em Caracas, Maduro conseguiu se reeleger, mas sem conseguir formar maioria no parlamento. O processo eleitoral foi questionado tanto pela Organização das Nações Unidas quanto pela oposição, que acusou o presidente de utilizar a máquina pública para comprometer o andamento das eleições. Em janeiro de 2019, poucos dias após a posse de Jair Bolsonaro no Brasil, a presidência da Venezuela foi reclamada por Juan Guaidó, presidente do legislativo venezuelano.
Apesar de não exercer poder de fato, Guaidó foi reconhecido por dezenas de países ao redor do mundo como presidente do país. Adotando um discurso eleitoral contrário à gestão de Maduro e constantemente utilizando a crise política e econômica venezuelana como bode expiatório, Bolsonaro se juntou ainda cedo a esses países, reconhecendo o governo da Venezuela como um Estado de exceção.
PublicidadePara representar seu governo paralelo, Guaidó enviou ao Brasil a advogada e ex-assessora parlamentar María Teresa Belandria. Sem nunca ter exercido carreira diplomática e sem vínculo com o Ministério das Relações Exteriores de seu país, Belandria foi recebida pelo próprio presidente no Palácio do Planalto, onde foi reconhecida como embaixadora da Venezuela.
Briga pela embaixada
Sem o reconhecimento de seu país como embaixadora, María Belandria também atua sem uma embaixada. De dentro de um escritório montado em um quarto de hotel em Brasília, a representante do governo de jure estabeleceu uma rede de apoio junto a figuras próximas a Jair Bolsonaro, como o vice-presidente Hamilton Mourão, o ex-ministro das relações exteriores Ernesto Araújo e o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP).
Além de procurar cristalizar o reconhecimento de seu cargo entre figuras do alto escalão do governo, Belandria trouxe demais venezuelanos apoiadores de Juan Guaidó no Brasil para perto. Criou um site paralelo da embaixada venezuelana, registrado em domínio .org no lugar do domínio oficial de seu país, o .gob.ve. Na página, oferece serviços a refugiados, dando ares de oficialidade à sua função.
No final de 2019, María Belandria coordenou um novo esforço para se legitimar como embaixadora. Acompanhada de um grupo de defensores de Guaidó, invadiu o prédio da embaixada venezuelana no Brasil, que ainda presta serviços a venezuelanos mesmo não havendo reconhecimento local. A invasão, apoiada por Eduardo Bolsonaro, foi repelida pela Polícia Militar do Distrito Federal, que expulsou os invasores com gás de pimenta e trancou os portões até a chegada do encarregado do responsável pela embaixada, Freddy Meregote.
Militância e apoio a Bolsonaro
Sem sucesso em sua empreitada para tomar a embaixada, María Belandria passou a atuar de forma discreta, concentrando esforços em promover o reconhecimento de Guaidó e denunciar a crise humanitária na Venezuela sob o governo de Maduro. Assuntos relacionados ao fluxo de refugiados saídos de seu país e às dificuldades econômicas enfrentadas pela população passaram desde então a receber protagonismo em suas redes sociais.
Apesar de evitar comentários sobre a política nacional, Belandria nunca deixou de manifestar, mesmo que de forma tímida, seu apoio a Bolsonaro. Além de elogios em suas redes, a autoproclamada embaixadora compartilha publicações tanto do presidente quanto de seus principais ministros, bem como ataques do chefe de Estado a opositores.
Chegado o período eleitoral, a advogada não negou ajuda ao seu anfitrião. Depois de sua fala em um podcast em que declarou ter “pintado um clima” com duas adolescentes venezuelanas em frente a um abrigo de refugiadas, e de ter se referido às meninas como prostitutas, Jair Bolsonaro procurou ajuda de Belandria. A “embaixadora” atendeu ao chamado, e seu título reivindicado foi reforçado pelo presidente.
Formada em Direito pela Universidade Santa María de Caracas, Belandria nunca ocupou um cargo público. Pós-graduada na área do Direito Internacional Econômico e Integração, a advogada estudou no Centro de Estudos Hemisféricos de Defesa William J. Perry, nos Estados Unidos. A instituição faz parte da Universidade de Defesa Nacional, do Departamento de Defesa dos EUA.
Belandria trabalhou para a Fedecámaras, a maior entidade patronal da Venezuela, e foi uma das fundadoras do partido de direita Vente Venezuela. A legenda tem como principal liderança a ex-deputada Maria Corina Machado, de quem a embaixadora foi assessora até 2019. A ex-deputada é cotada como pré-candidata à Presidência para as eleições de 2024.
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