Internet for trust, ou, por uma internet confiável, foi um clamor internacional. Diversos países se deram as mãos em torno do diálogo da ONU, a Organização das Nações Unidas, para clamar por um conceito um pouco raro na língua portuguesa: accountability. O que pode ser diretamente traduzido por: responsabilidade.
Democraticamente, falamos do clamor dos países que as plataformas passem a ser responsáveis pelo conteúdo que reproduzem na internet, que hoje ataca a democracia e impede o livre fluxo da informação.
O que é unanimidade é que a janela da transformação digital tem um poder de estabelecer uma agenda democrática e inclusiva, o que não está acontecendo.
A tendência hoje é que o modelo de negócios das plataformas e redes de sociais impostas por algoritmos sob uma lógica que ameaça a liberdade do discurso coloca em risco as democracias e restringe as liberdades individuais e sociais.
Eu conversei com a Bia Barbosa, integrante do DiraCom – Direito à Comunicação e Democracia, e representante do Terceiro Setor no Comitê Gestor da Internet (CGI), que participou do encontro da Unesco em Paris, na semana passada.
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“Foi uma conferência bastante relevante porque deixou claro o quanto o tempo da regulação das plataformas é uma agenda que interessa ao mundo todo, tínhamos uma diversidade enorme de países, de setores e de perspectivas, todos muito comprometidos em encontrar caminhos democráticos para enfrentar os desafios que estão colocados do ponto de vista da regulação das plataformas”.
A gente pode dizer que a conferência serviu para os governos darem uma lição nas plataformas digitais sobre como se devem comportar?
A conferência foi além da tentativa de demostrar o óbvio. Ou seja, o desinteresse das plataformas em combater o conteúdo danoso, a desinformação e o discurso de ódio está consolidado. A pergunta agora é: o que o mundo todo, ou, pelo menos as democracias que estão incomodadas com esse tipo de exploração dos nossos dados pessoais para gerar engajamento a partir de conteúdos que chamam mais atenção na rede, farão daqui para frente? E prometem discutir diretrizes para evitar que situação em que as plataformas são usadas para atacar a democracia, como aconteceu no Brasil no 8 de janeiro, quando os palácios dos três poderes em Brasília foram atacados e depredados.
Bia Barbosa explica como este episódio despertou um olhar especial para o Brasil na Conferência da Unesco:
“O caso brasileiro foi olhado a partir de duas perspectivas na conferência da Unesco. Foi possível mostrar como uma democracia grande como a nossa também pode sofrer processos de desestabilização em função do ambiente não suficientemente regulado das plataformas digitais, que permite que grupos políticos com interesse antidemocráticos operem para desestabilizar uma democracia como a nossa. Por outro lado, a forte presença deixa muito claro que a gente sai da conferencia para fazer o dever se casa como a gente vai querer regular esse setor tão poderoso que vem desafiando a democracia.
Quando a gente fala em regulação, a gente fala em legislação, pelo menos nos países democráticos e elas são criadas no Parlamento, o quanto o congresso está preparado para esta discussão que pode desagradar as gigantes da internet?
Nós assistimos a uma tentativa de regulação da internet por medida provisória em setembro de 2021, o que não deu certo. A base da construção desse diálogo, eu corroboro com o pensamento de Bia Barbosa, é o Parlamento. Aqui se estabelece um fórum de muitas vozes, como aconteceu na semana passada na Unesco, em que a construção de uma saída para o desafio da liberdade de expressão com responsabilidade é coletiva, inclui as empresas e governos, mas não apenas esses atores.
Para fortalecer a democracia, só há uma maneira: atuando de maneira democrática, como explica Bia Barbosa:
“Qualquer regulação das plataformas digitais que venha a ser adotada no País só vai ser democrática se ela passar por um processo de discussão no Congresso Nacional, portanto, se ela for fruto de um projeto de lei que seja escrutinado, discutido, aprimorado no Parlamento brasileiro, ouvindo todos os setores interessados”.
Vale lembrar que acaba de ser criada a comissão de Comunicação, que partiu de um desmembramento das áreas de comunicação e ciência e tecnologia, para que tais assuntos sejam tratados de maneira diferenciada. No último encontro da Teletime, realizado em 15 sobre Políticas de Comunicação, o Secretaria de Políticas Digitais do governo Lula, João Brant, afirmou que essa agenda pode levar em consideração como ponto de partido o PL 2630/2023, a chamada lei da transparência, que já passou pelo Senado e está na Câmara dos Deputados, e que trata de uma política de amplo espectro para regulação das plataformas digitais, desde o combate ao anonimato até a punição às plataformas e todos aqueles que financiam a propagação da desinformação.
Convidar a sociedade civil para o debate, como ocorreu em Paris na Conferência da Unesco na última semana, pode ser um grande passo para discutirmos o que fazer diante da ditadura das políticas de algoritmos e do impacto da inteligência artificial (como o ChatGPT, sobre o qual conversamos no programa do dia 23, na semana passada), sistema que hoje governa a todos nós. Considerando o fato de que 3 em 4 brasileiros dispõem de um celular ligado na internet, esse debate diz respeito a todos nós.
Esse debate não chegou cedo nem tarde.
Este debate é aqui e agora.
O comentário no Papo de Futuro vai ao ar originalmente pela Rádio Câmara, às terças-feiras, às 8h, em 96,9 FM Brasília.
Acompanhe o último programa:
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