Por Gabriel Lepletier* e Murilo Medeiros**
Nos últimos anos, o termo “populismo” tem permeado os discursos políticos, redes sociais e academia de maneira abrangente, mas nem sempre de forma clara e precisa. O populismo, outrora associado a tipos específicos de formação social e regime político, hoje é frequentemente reduzido a um “estilo populista”, caracterizado mais por comportamentos superficiais do que por análises profundas de seus contextos históricos e sociais. Tal redução é perigosa e pode respaldar um modus operandi temerário para o funcionamento das instituições democráticas. Esta simplificação é preocupante, pois obscurece o verdadeiro impacto e significado do populismo.
Ao desconsiderar suas raízes econômicas, culturais e políticas, corre-se o risco de perder de vista como e por que o populismo surge e se mantém em diferentes sociedades. É como se reduzíssemos um complexo quadro histórico e ideológico a uma série de traços superficiais: mobilização de massas heterogêneas, desconfiança institucional, liderança carismática e retórica antielitista.
Com este método, é possível fazer um paralelo com o conceito de “banalidade do mal” trazido por Hanna Arendt, uma vez que as consequências irresponsáveis e iliberais do populismo abarcam elementos como cerceamentos de direitos, opressão de minorias, censura à imprensa e enfrentamento a cidadãos livres. Outrora, o populismo foi base para regimes totalitários que devastaram a humanidade. Para ilustrar o conceito de “banalidade do mal”, podemos considerar exemplos históricos na obra Eichmann in Jerusalém: A Report on the Banality of Evil. Arendt usou o julgamento de Adolf Eichmann como um estudo de caso principal, argumentando que indivíduos podem participar de atrocidades sem uma intenção maliciosa clara, mas simplesmente seguindo ordens burocráticas ou se conformando às normas sociais dominantes.
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Não obstante, essa simplificação também trouxe algum consenso. Identificamos traços comuns nos populismos contemporâneos: o apelo direto às massas marginalizadas, a crítica às instituições representativas, a liderança carismática que se posiciona como voz do povo contra as elites, e uma ideologia muitas vezes vaga e inconsistente, baseada mais em emoções do que em princípios sólidos.
Para os defensores da democracia liberal-representativa, o populismo representa uma “doença infantil”, uma distorção dos procedimentos democráticos que promove uma soberania popular mal entendida. Ao exacerbar a vontade imediata do povo sobre os processos institucionais, o populismo arrisca enfraquecer as estruturas que garantem a estabilidade democrática a longo prazo. A crítica populista ao establishment pode ser válida em muitos aspectos, mas sua abordagem simplista, caricata e sem conteúdo frequentemente ignora as complexidades da governança democrática.
Ignorando tais complexidades, cria-se terreno fértil para que disputas eleitorais se tornem ainda mais intensas. Líderes populistas aceitam os resultados como legítimos quando saem vitoriosos, caso contrário, armam barricadas para fomentar a desconfiança do sistema eleitoral. Uma vez no governo, tendem a enfraquecer as instituições estabelecidas, substituindo-as por seguidores leais, e consolidam seu poder oferecendo benefícios aos seus apoiadores, ignorando as regras legais existentes. Este artigo não tem a intenção de desacreditar alianças políticas, republicanas e programáticas. Atualmente, dependemos de uma governabilidade baseada no presidencialismo de coalizão, o presidente da República conta com recursos de poder, como a execução do orçamento, e busca a formação de coalizões para garantir a governabilidade.
Voltando aos métodos do populismo, sistematicamente se opõem a instituições que promovem ideias independentes, como a imprensa e as universidades, acreditando que apenas eles sabem o que o povo quer e o que deve ser feito. Embora nem todos os movimentos populistas exibam todas essas características o tempo todo, em última análise, ao minar as instituições estabelecidas, substituí-las pelo poder pessoal do líder e rejeitar a legitimidade da oposição, o populismo se assemelha ao fascismo; ao ignorar o estado de direito, se aproxima de cleptocratas, dispostos a apoiar quem estiver no poder em troca de favores pessoais.
No campo econômico, o mal do populismo é que se lastreia em soluções simplistas e milagrosas, desrespeito à responsabilidade fiscal, gastança sem limites e gigantismo da máquina pública, desembocando em recessão, desemprego, crise social e maquiagens estruturais para superar a pobreza.
Enfrentar o populismo reside na compreensão e no desenvolvimento de soluções mais eficazes para os problemas legítimos que seus líderes afirmam representar: a insegurança, a falta de oportunidades, a discriminação, a ineficácia dos serviços públicos e a corrupção política. Em segundo lugar, é essencial não marginalizar nem subestimar os populistas e seus seguidores, evitando replicar o que eles próprios fazem com seus opositores. Por fim, é fundamental reconhecer que o processo político-eleitoral não se limita a um mero embate de argumentos e programas políticos, mas constitui também um jogo de imagens e identificações que cada vez mais se desenrola nas redes sociais. Nesse contexto, a autenticidade e a capacidade persuasiva dos líderes assumem um papel decisivo.
Embora desafiador, não se trata de uma tarefa impossível. Resistir ao populismo é, atualmente, um ato de grandeza. Não se diminui a força do populismo atacando os populistas – mas sim gerando um contexto desfavorável ao seu crescimento. É no caminho da moderação, do equilíbrio e da responsabilidade que tende a estar a trilha que um país precisa seguir para recuperar-se dessa mazela que contamina a política e dilacera as instituições democráticas.
A França, recentemente, por meio de ampla aliança pragmática, não se deixou seduzir pelo populismo e optou por uma alternativa em prol da pacificação social. São lições valiosas para os EUA a caminho das eleições e para países como o Brasil, ainda capturado pela polarização populista.
As pessoas almejam um governo que funcione. Que lhes ajude a resolver seus muitos e crescentes problemas cotidianos. As bravatas de palanque e o espetáculo caricato não lhes interessam, como fica claro a cada exortação lançada no vazio pelos radicais de lado a lado. Na temperança e na razão está a sabedoria e, quiçá, a solução.
* Gabriel Lepletier é cientista político e analista na ThinkBrasil Diplomacia Corporativa
** Murilo Medeiros é cientista político e assessor legislativo no Senado Federal
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