Imersa em mais uma polêmica, a rede social Tik Tok chama a atenção do mundo com uma nova mania entre os seus usuários: são os vídeos curtos que monetizam a imitação de personagens de vídeo games, numa transmissão em que o menos importa é o conteúdo.
Entre a liberdade de expressão e o questionamento de conteúdo que viraliza e que é prejudicial a crianças e adolescentes, a gente discute como proteger os vulneráveis contra a exploração comercial da internet.
Em outras palavras, vale qualquer tipo de conteúdo na internet? Um tipo de conteúdo, as Lives NPC, virou moda e levantou questionamentos sobre o excesso de consumismo online.
Quem assiste ao conteúdo, pode pagar para comprar “presentes” para o influenciador, que são usados nas reações. Primeiro, é preciso comprar o que o TikTok chama de “Moedas”, que só podem ser utilizadas dentro da plataforma. É com essas moedas que os espectadores enviam os “presentes”.
Segundo matéria do jornal O Globo, ao acessar o ambiente de compra de moedas, é possível escolher por pacotes. O mais barato, com 12, sai por R$ 0,90. O mais caro, com 39.645 moedas, custa R$ 2,9 mil. O “dinheiro virtual” é adicionado ao saldo do usuário.
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Nos games, a sigla NPC remete ao termo “Personagem Não Jogável”. Geralmente, esse elemento está ali apenas como figurante de uma história ou para interações muito limitadas. Essa onda, que começou em meados de julho no TikTok, tem se espalhado e preocupa especialistas, com vídeos chegando a ter mais de 100 milhões de visualizações.
Autora do livro “De blogueira a influenciadora”, a jornalista e pesquisadora Issaaf Karhawi alerta para o risco da onipresença das redes sociais, em que não há mais uma separação entre o on-line e o off-line.
O que isso quer dizer? Isso representa que somos movidos pela sociedade da atenção, em que uma exposição exagerada da privacidade e da vida privada induz à produção de conteúdos sem limites, muitos sem qualquer mensagem, em que o foco é, única e exclusivamente, fazer algo bizarro ou diferente. Esse comportamento é motivado, segundo a pesquisadora Issaaf Karhawi, pela cultura de “valorização do número de seguidores, visualização e engajamento que os influenciadores digitais conseguem obter”, diz a autora em reportagem da Escola de Comunicação e Artes da USP.
Quando o humano vira um personagem robotizado, repetindo as mesmas frases, e isso vira uma febre na internet, há várias mensagens incluídas aí. Quais são elas?
- O conteúdo performático reforça a posição de “auto-exploração”, que eleva os níveis de medo, pressão e angústia.
- A autoexploração é um sintoma do hiperconsumo, e uma sociedade que sacrifica o sono, o descanso e a saúde e o lazer para viver no hiperconsumo.
- O inconsciente que alimenta o ideal contemporâneo do desempenho, da perfeição, do empreendedorismo e do sucesso pregado pelo discurso neoliberal das big techs.
- E, sobretudo, o que Byung-Chul Han, o filósofo sul-coreano autor do best-seller “A Sociedade do Cansaço” chamou de atravessamentos emocionais, a exemplo do adoecimento neural provocado pelo exagero da positividade.
Eu conversei com a Amanda Batista, administradora e consteladora familiar.
O trabalho da Amanda é, em terapia, ajudar as pessoas a compreender e ressignificar muito da sua história, dos seus traumas e das suas dores, especialmente na relação com os pais.
O que a técnica da constelação familiar ou qualquer outra terapia de auto-conhecimento tem a ver com a internet é a capacidade de se conectar com a vida, não a vida do faz de conta e do bizarro, mas a vida em sua profundidade e verdade humana.
“As redes sociais têm proporcionado uma grande distração, de tudo para nós, de quem nós somos, do que nós passamos, dos nossos traumas, das novas vidas. Nós perdemos muito tempo na frente das telas nos distraindo, buscando conteúdos engraçados e eróticos. E a constelação familiar vem desse convite para que você possa se conectar com quem você é, a sua essência, a sua ancestralidade, buscar o aumento conhecimento, não apenas ser mais um na sociedade, não apenas ser mais um escravo diante das telas. Faça diferente e conheça as suas origens.”
Chama a atenção a discussão sobre conteúdos bizarros e a erotização desses vídeos, que é algo muitas vezes presente, ainda que de forma implícita? O que as plataformas podem fazer? E o que a família pode fazer para acompanhar essa superexposição de pessoas tão jovens e, às vezes, tão inocentes quanto ao impacto real de criar “personagens” ou colocar a sua vida, minuto a minuto, na internet.
Não há nada de mal na distração, na diversão, no entretenimento. Mas a vida não pode ser só isso, 100% isso.
As ferramentas para uma vida saudável vão muito além de uma vida 100% virtual, como: estabelecer horários de descanso, não exceder horas de trabalho, praticar atividade física, delimitar o tempo de lazer fora da internet e, também, buscar o autoconhecimento, conforme orienta Amanda Batista.
“Quando nós estamos em busca do autoconhecimento, do reconhecimento da nossa verdadeira essência, nós conseguimos reestabelecer conteúdos, conversas e diálogos mais atraentes, mais profundos, que levam para a evolução do ser humano, ao invés de ficar assistindo videozinho ou essa polarização da internet e das redes sociais. Então a constelação vem muito do amadurecimento das pessoas e das relações.”
As plataformas digitais podem e devem controlar este conteúdo que surfa exclusivamente na lógica da internet do que viraliza e do que não viraliza. E isso faz parte de um dever de cuidado, porque são crianças que estão em jogo, é uma sociedade, um país e uma Nação que está impactada por uma internet que não tem freios, valores, princípios éticos nem medidas que protejam as crianças e adolescentes de se humilharem ou se exporem ao ridículo em troca de dinheiro.
Esse é o papel do Estado como governo e da regulação das mídias digitais, e cada dia as plataformas nos mostram que, sozinhas, não vai rolar uma mudança do lixo ao luxo. Ou seja, a internet precisa de mais luxo, como conteúdo com diversidade, direito à informação, respeito à privacidade e valorização da vida e da dignidade humana.
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