O presidente Lula voltou de Washington sem trazer consigo o anúncio de qualquer acordo concreto de cooperação com os Estados Unidos. Nesse sentido, tudo ficou somente no plano das intenções. Não houve, por exemplo, o anúncio de um aporte de recursos do governo do presidente Joe Biden para o Fundo Amazônia e para as ações de preservação ambiental no Brasil. Mas Lula insiste: essa não era a intenção. Não havia uma perspectiva concreta de qualquer anúncio nesse sentido. A intenção da viagem era recolocar o Brasil em um plano mais próximo de protagonismo do debate internacional. E, nesse sentido, o balanço feito pelo governo brasileiro após a visita aos Estados Unidos é positivo.
Após tomar posse como presidente, o périplo internacional de Lula percorreu a Argentina e os Estados Unidos. E na segunda quinzena de março, desembarcará na China. Ou seja, os três primeiros destinos internacionais de Lula são justamente os três principais parceiros internacionais do Brasil.
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A China é o principal parceiro comercial do Brasil. É o destino de 31,28% das exportações brasileiras (US$ 87,7 bilhões em 2022). Os Estados Unidos vêm em segundo, como destino de 11,09% das exportações brasileiras (US$ 31,1 bilhões). E a Argentina em terceiro, destino de 4,24% dos produtos brasileiros exportados (US$ 11,9 bilhões). E, apesar desses números, os três países foram praticamente ignorados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro na sua estratégia diplomática. Para Lula, “não faz sentido” o Brasil não ter relações diplomáticas com seus principais parceiros comerciais, concorde ou não com suas políticas.
Não era assim que Bolsonaro enxergava. Sua agenda internacional nada tinha de pragmática, como sempre foi a tradição diplomática brasileira. Era ideológica a ponto de o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo ter chegado a dizer que era preferível o Brasil “ser um pária no mundo”.
O presidente da Argentina, Alberto Fernández, era o adversário de esquerda que precisava ser combatido no continente sul-americano.
Com os Estados Unidos, Bolsonaro estreitou relações durante o governo Donald Trump, e apostava muito nessa parceria numa eventual reeleição de Trump, que acabou não acontecendo. Com o plano frustrado, praticamente não houve mais relação com os Estados Unidos após a vitória de Joe Biden.
E a China foi desde sempre considerada o grande inimigo comunista. Por pouco, insinuações feitas por pessoas próximas ao governo, como o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) sobre a covid-19 não geraram incidentes diplomáticos. Eduardo Bolsonaro culpou a China pela pandemia, chamando o coronavírus de “vírus chinês” e, como reação, o embaixador da China divulgou uma nota repreendendo-o. “A parte chinesa repudia veementemente as palavras do deputado, e exige que as retire imediatamente e peça uma desculpa ao povo chinês”. Escreveu o embaixador.
Ernesto Araújo alinhava-se a uma ideia exótica de que os principais países do mundo e a Organização das Nações Unidas (ONU) promovem o que chamava de “globalismo”. Essa linha de pensamento enxerga uma “conspiração comunista”, embora hoje não haja economia no modelo socialista em praticamente parte nenhuma do mundo. Rússia e China devem ser considerados hoje mais modelos de economias capitalistas com forte presença do Estado, mas não mais fazem distribuição de renda no modelo socialista. A ideia do “globalismo” diz mais respeito à promoção de pautas identitárias, que seriam contrárias aos conceitos morais mais tradicionais.
De volta ao debate
Para o governo Lula, o que importa mesmo após a viagem aos Estados Unidos é o retorno ao debate internacional. Lula levou a Biden a sua ideia de criação de um grupo de países que ajude a promover a paz entre a Rússia e a China. Ele já tinha discutido essa ideia com o chanceler alemão, Olaf Scholz, e com o presidente da França, Emannuel Macron. Quer agora levar a ideia também ao presidente da China, Xi Jinping, Lula vai à China na segunda quinzena de março.
Em seus governos anteriores, Lula teve papel preponderante no debate de questões internacionais. O Brasil participou da mediação de paz entre Israel e a Palestina. Discutiu o conflito dos Estados Unidos com o Iraque. Criou o grupo Amigos da Venezuela para mediar a crise no país vizinho. E quer agora de alguma forma ter papel na solução do conflito entre a Rússia e a Ucrânia.
Embora não tenha ainda tido acenos concretos dos países com que conversou, Lula tem proposto a criação de um grupo de países não diretamente ligados ao conflito para mediar uma solução de paz entre a Rússia e a Venezuela. Na viagem aos Estados Unidos, ele mencionou trazer para a discussão países como a China, a Índia e a África do Sul, que compõem com o Brasil o Brics.
Não será uma tarefa fácil. A Rússia é um dos países que fazem parte do bloco. E China, Índia e África do Sul indicam pender mais para o lado da Rússia no conflito. No esforço que faz, Lula tenta manter uma relação de neutralidade. Condena a invasão da Ucrânia pela Rússia, mas pondera que houve erros também por parte da Ucrânia e de outros países, na discussão da entrada do país governado por Volodymyr Zelenski na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
Pode até ser que Lula nada consiga de concreto no seu intento de promoção da paz mundial. Ele, porém, avalia que trouxe o Brasil de volta ao debate das nações. O país não é mais um pária.
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