Há uma agenda desafiadora a ser enfrentada nesses últimos três quartos de Século XXI, englobando crescimento econômico, combate às desigualdades, sustentabilidade ambiental, solução para conflitos regionais como os da Ucrânia e do Oriente Médio, redesenho da globalização com a geração de soluções compartilhadas envolvendo problemas complexos como as grandes correntes de imigração e a integração econômica menos excludente e concentradora.
Enquanto governos autoritários avançam em soluções, já que conseguem unilateralmente adotar medidas sem nenhum debate democrático, freios, contrapesos e controles sociais, a democracia patina em produzir resultados para a população, entre outros motivos, pela dificuldade de governabilidade, num ambiente caracterizado pela fragmentação social e a consequente pulverização partidária e parlamentar, o que impossibilita ações mais assertivas, ousadas e profundas, proporcionais à complexidade da agenda que nos desafia.
Isto produz frustação coletiva, desesperança, perda de apoio, ressentimentos, criando o caldo de cultura para que extremismos autoritários granjeiem apoio popular. Não basta saber o que e como fazer, é preciso ter maioria na sociedade e nas instituições políticas para produzir as transformações necessárias.
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No Brasil, o último presidente que usufruiu de maioria parlamentar e do chamado “presidencialismo de coalizão” foi FHC até 2002. Eram apenas três partidos essenciais no bloco de apoio ao governo que garantiam a maioria necessária para a concretização do programa de Governo: PSDB, PMDB e PFL. A partir das eleições de 2002, o sistema político e eleitoral brasileiro produziu enorme e crescente pulverização da representação parlamentar. Tentativas de confrontação, cooptação ou compartilhamento excessivo de poder por parte da presidência da República geraram crises e distorções, e resultaram, ao final da linha, num “parlamentarismo torto”, com um parlamento empoderado, mas sem as corresponsabilidades típicas de um regime parlamentar. Michel Temer, com sua experiência parlamentar, fez essa leitura e tentou implantar na prática um regime compartilhado de poder, mas o tempo foi curto e turbulento. Fato é que há muito o Palácio do Planalto não possuí uma base parlamentar sólida e fiel. As decisões envolvendo a estratégia governamental têm que ser negociadas projeto por projeto, inibindo a agilidade e eficácia dos governos. Curiosamente, a agenda de Estado, com efeitos de longo prazo (reformas trabalhista, da previdência e tributária), tem logrado êxito. Se nosso presidencialismo fosse mais fluído e eficaz poderíamos tranquilamente crescer de forma sustentada 4% ao ano com inflação controlada, câmbio estável, juros baixos e finanças públicas em ordem.
Mas, se problemas semelhantes em outros países servem de consolo, não precisamos ativar nosso “complexo de vira-lata” e mergulhar em profunda crise de autoestima, já que há inúmeros governos parlamentaristas ou presidencialistas em dificuldades por falta de apoio parlamentar. Parece ser um traço que vem crescendo na democracia contemporânea.
Para tentar evidenciar essa percepção, pretendo no artigo final desta série abordar as crises de governabilidade que estão sendo experimentadas na Alemanha, França, Espanha, Portugal, Japão, Argentina e Chile.
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