A deterioração do presidencialismo de coalizão no Brasil, a partir da fragmentação da representação partidária no Congresso Nacional, tem sido obstáculo central para a implantação mais ousada e consistente dos programas de governo dos sucessivos presidentes da República eleitos. Não há maioria parlamentar sólida e fiel para a aprovação das iniciativas do governo. A eleição majoritária tem uma lógica, e a proporcional, outra, radicalmente diferente. Em 40 anos de redemocratização tivemos dois impeachments. O partido do presidente Lula tem apenas 13,2% das cadeiras na Câmara dos Deputados e 11,1% no Senado Federal. A prova de fogo, em 2025, serão as votações da PEC do ajuste fiscal e os Projetos de Lei aumentando a CSLL e o IR sobre Juros de Capital Próprio cujas receitas adicionais constam do orçamento.
As pesquisas do cientista político Jairo Nicolau revelam que o Brasil é um caso extremo de fragmentação parlamentar e diluição do poder do partido do presidente eleito. Mas as dificuldades de governabilidade não são monopólio brasileiro. Parece que a democracia contemporânea tende à pulverização da representação política da sociedade em sistemas que, até há pouco, eram, na prática, bipartidários. Senão vejamos.
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Na Alemanha, o primeiro-ministro Olaf Scholz, do Partido Social Democrata, demitiu o ministro das Finanças, Christian Lindner, do Partido Liberal Democrata, que, em resposta, abandonou a Coalizão Semáforo (Vermelho da socialdemocracia, amarelo dos liberais e verde do Partido Verde). Com isso, o chanceler ficou minoritário e fragilizado, as eleições serão antecipadas e o mais importante país da UE ficou imobilizado. As pesquisas indicam a CDU de Merkel, de centro-direita, com 30% das preferências populares e a extrema-direita neonazista, em
segundo, com 16%. O SPD ameaça substituir o mal avaliado Scholz como seu candidato pelo ministro da Defesa, em busca de melhor resultado eleitoral.
Na França, a astúcia de Emmanuel Macron o fez antecipar as eleições parlamentares, diante de sucessivas derrotas
em eleições locais e regionais. Seu partido, o Renascimento, foi derrotado. Como nas eleições francesas há dois turnos para eleger parlamentares nos distritos, fez uma aliança com a esquerda para derrotar a extrema-direita de Le Pen. Mas, nomeou depois um primeiro-ministro conservador, Michel Barnier, que inicia o governo minoritário e fragilizado. A Nova Frente Popular, de esquerda, apresentou uma Moção de Desconfiança. A Reunião Nacional, de
extrema-direita, se absteve, evitando a queda do primeiro-ministro.
Em Portugal, o primeiro-ministro do PSD, de centro-direita, Luis Montenegro, tem apenas 80 votos na Assembleia
Nacional. É minoritário. Para aprovar o orçamento de 2025 teve que contar com a abstenção dos 78 deputados socialistas, oposição de esquerda, sob intensas críticas da extrema-direita (CHEGA) e da extrema-esquerda (Bloco de Esquerda e Partido Comunista). Isto evidenciou seus limites.
Na Espanha, nas últimas eleições, nem o PSOE, de esquerda, nem o PP, de centro direita, fizeram maioria absoluta. Para se viabilizar, o primeiro-ministro socialista, Pedro Sánchez, teve que fazer concessões às minorias catalã e basca, o que provocou enorme desgaste e fez dos minúsculos fiéis da balança atores centrais.
No Japão, depois de décadas, o Partido Liberal Democrata e o primeiro-ministro Shigeru Ishiba perderam a maioria. Para governar terão que ampliar a aliança. Mas uma parte quer cortar despesas e a outra quer aumentar impostos e gastos. A dívida do Japão chega a 250% do seu PIB.
No presidencialismo não tem sido diferente. Milei, na Argentina tem apenas 38 deputados e faz um ajuste econômico selvagem. No Chile, Boric viu dois plebiscitos derrotarem novos textos constitucionais e navega limitadamente em minoria.
Como não bastasse, Trump vem aí com sua agenda antiglobalização, protecionista, autoritária, hostil à China e à UE,
pró-Putin e pró-Netanyahu. Apertem os cintos, o piloto sumiu. Ou melhor, parem o mundo que eu quero descer.