O desfecho do século 20 foi carregado de eventos significativos que transformaram as estruturas econômicas, políticas e sociais e deixaram rica herança para os tempos atuais. Veloz revolução científica e tecnológica, queda do Muro de Berlim e dissolução da URSS com o fim da Guerra Fria, globalização acelerada das relações financeiras e comerciais, transição da economia industrial para a sociedade de serviços, tomada de consciência sobre os problemas ambientais (RIO 92), criação da União Europeia, automação e desemprego tecnológico, sociedade em rede e vida digital crescente, a China sob a liderança pragmática de Deng Xiaoping transitando para o Socialismo de Mercado.
O legado foi um mundo em permanente ebulição e mais dinâmico. Os desafios são enormes: combater as mudanças climáticas, atenuar as desigualdades gritantes de renda e riqueza entre os povos, integrar ainda mais as cadeias produtivas globais em um jogo de ganhos múltiplos, consolidar a paz, lidar com os grandes movimentos migratórios, promover a tolerância racial e religiosa, patrocinar a equidade de gênero e o combate às discriminações, fortalecer a democracia dentro das novas circunstâncias.
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O avanço civilizatório não é o caminho para o equilíbrio geral. O desenvolvimento humano é a história de sucessivos e permanentes desequilíbrios com interregnos de estabilidade quando as contradições processadas geram uma síntese provisória. Vieram a crise global de 2008/9 e a pandemia de 2020. Surgiu com força o populismo iliberal que mobiliza ressentimentos e frustações com a globalização e ódios xenófobos contra imigrantes árabes, africanos e latino-americanos. A sociedade apresenta-se fragmentada e plural e os partidos políticos tradicionais perdem capacidade de vocalização de seus interesses.
Em tese, não há caminho possível fora da democracia. O diagnóstico sobre os desafios do século 21 está na mesa. É preciso uma estratégia de longo prazo a partir de um conjunto de ideias consistentes sobre o futuro. Mas não basta isso. É preciso gerar consensos coletivos e formar maioria na sociedade e nas estruturas decisórias. E, é aí, onde a democracia dos nossos tempos está em xeque.
Excluindo as experiências autoritárias na Rússia, China, Coréia do Norte, Cuba, Nicarágua, Venezuela, as ditaduras africanas e árabes, onde não há liberdade política, de imprensa, partidária, eleições e internet livres, respeito às oposições, restam as experiências parlamentaristas na Europa, Canadá, Japão, Coréia do Sul, Índia, Austrália, e os presidencialismos nos EUA, Brasil, Argentina, Chile, como espaços de exercício do regime democrático. Mas a democracia está gerando respostas eficientes às angústias e expectativas da população? Os governos têm boas condições de governabilidade para implantar seu plano de ação?
Creio que não. Há inúmeros primeiros-ministros em graves dificuldades pela inexistência de maioria parlamentar sólida e estável. Alguns encontram-se claramente minoritários, o que imobiliza a ação governamental diante de tão desafiadora agenda. Há presidencialismos, como o brasileiro, o chileno e o argentino, que padecem do mesmo mal. Não há consenso e coesão suficiente para avançar com a ousadia e a radicalidade exigidas pela realidade. E agora, o tsunami Trump que abala as bases de tudo.
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