As eleições americanas estão marcadas para o dia 5 de novembro, em votação presencial, mas muitos eleitores já votaram de forma antecipada, conforme prevê legislação eleitoral americana, em suas variações estaduais. Segundo a última pesquisa do NY Times/Siena College*, os resultados são imprevisíveis: Kamala Harris e Donald Trump têm, ambos, 48% de intenção de voto, empate técnico no voto popular, nacionalmente. O empate se repete nos estados-chave, fundamentais para a obtenção da maioria de delegados no colégio eleitoral americano, de forma que, pelo menos com base nas pesquisas, é tecnicamente impossível prever quem será o vencedor.
Nesse cenário tão imprevisível, é interessante fazermos uma análise do cenário político, bem como dos principais temas que movem os eleitores para um ou outro candidato. Trump destaca-se no tema “economia”, “imigração” e “controle do crime”; Kamala, por sua vez, tem seus pontos fortes na defesa da democracia, dos direitos reprodutivos/aborto e sistema de saúde. Qual destes temas deverá mover de forma mais significativa o eleitorado americano neste ano? Segundo o Instituto Pew Research**, é, como sempre, a economia – oito em cada dez eleitores registados (81%) afirmam que a economia e o controle inflacionário são o tema mais importante nas eleições presidenciais de 2024.
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Vamos aos números: a inflação acumulada durante o governo do ex-presidente Trump foi de 7,8% e atingiu um pico de 9,1% no início do governo Joe Biden, durante a pandemia de Covid-19. Esse foi o maior valor que a inflação já atingiu nos últimos 40 anos. Contudo, tal inflação foi caindo gradativamente e, hoje, está em 2,4%. Recentemente o Banco Central americano (FED) reduziu a taxa de juros em 0,5 ponto percentual para a faixa entre 4,75% a 5,0% ao ano. É importante ressaltar que, mesmo com a inflação alta, os americanos nunca pararam de consumir, o país nunca entrou em recessão.
No entanto, as desigualdades e a pobreza nos EUA só tem aumentado. Os 1% mais ricos da América raramente obtiveram tanto como hoje em dia. Os dados mais recentes (2023, FED) mostram que 1% do topo detém, hoje, 31,4% da riqueza americana, mais do que todos os 90% da base. Entre 1975 e 2018, os adultos americanos com rendimento médio viram os seus salários subirem menos de um terço da taxa do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto aqueles com rendimentos no percentil 99 viram os seus ganhos aumentarem quase duas vezes mais rapidamente que o PIB. Esse é o grande paradoxo que a América enfrenta hoje. Com a desigualdade tão alta, o crescimento torna-se mais lento, e tal realidade afeta diretamente a grande classe média americana. Mas, principalmente os “blue collars”, homens brancos sem diploma universitário.
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Em 1980, homens brancos sem diploma universitário, majoritariamente do meio-oeste americano e com empregos ligados à manufatura/construção civil e afins, tinham um salário 7% maior que a média do trabalhador americano. Nos últimos 40 anos, mesmo com ajustes inflacionários, os rendimentos desse grupo caíram abaixo da média salarial americana e foram largamente ultrapassados pelos rendimentos das mulheres com diploma universitário, principalmente brancas e asiáticas, mas também pelas latinas e afrodescendentes.
As dificuldades crescentes deste grupo em gerar renda e se adaptar ao novo mercado de trabalho tem um forte impacto sobre seu status social. São eles que encontram mais conforto na retórica populista/saudosista de Trump: a culpa é dos democratas “comunistas”, “extremistas”, ou dos imigrantes que roubam os empregos dos americanos. Na cultura meritocrática americana, na qual o sucesso é fortemente ancorado na ideia de esforço individual, o “self made men” ficou encurralado. Apontar o dedo e culpar o outro, principalmente os imigrantes, parece uma boa saída para suas angústias.
Em seu primeiro governo, Trump mostrou-se o primeiro presidente populista dos EUA, a exemplo de tantos que já vimos na América latina. Nesta segunda campanha e eventual segundo mandato, Trump dobrou a aposta no nacional-patriotismo cristão branco, racista, misógino e xenófobo. Desafiando as instituições democráticas americanas, o resultado das urnas, o Departamento de Justiça, a mídia, seus críticos e opositores. A campanha republicana teve um tom de hipermasculinidade, trazido principalmente por seu vice, JD Vance (das mulheres solteiras com gatos), mas, principalmente por Elon Musk, intitulando-se “dark MAGA” (algo mais extremista que o slogan da campanha de Trump – Fazer a América Grandiosa Novamente). O bilionário Musk também é, aliás, o principal “garoto-propaganda” de Trump e o doador individual numero 1 de sua campanha.
Os democratas, por sua vez, têm acertado muito desde a troca de Biden por Kamala. Perceberam a força da retórica da extrema direita americana e, então, migraram para o centro (uma estratégia chamada de “big tent”) com o objetivo de se conectar com um eleitor mais “centrista”. Harris foi extremamente bem-sucedida no desafio de apresentar-se ao eleitor americano como uma opção melhor que Biden, mesmo fazendo parte de seu governo, como vice. Diminuiu significativamente a diferença com relação a Trump no tema “economia”, endereçou propostas para a grande classe média americana, principalmente na área da habitação.
Fomento ao empreendedorismo e incentivo aos pequenos negócios estiveram sempre presentes em seus discursos. Foi cirúrgica em identificar segmentos do eleitorado com resistência a ela: um dos exemplos é a presença de Barack Obama, usado como porta voz de Kamala para quebrar a resistência a seu nome entre homens negros; teve uma excelente performance no debate contra Trump e resgatou o entusiasmo dos eleitores democratas, com comícios lotadíssimos como não se via há tempos, e que superaram em número a época de Obama.
A guerra dos sexos 2.0 foi a principal característica desta campanha presidencial. Harris tem maioria entre o eleitorado feminino, 54% vs 42% de Trump. O ex-presidente, por sua vez, lidera entre os homens, 55% vs 41% de Harris. Esta diferença entre os gêneros se reflete de forma transversal na maioria dos segmentos do eleitorado, entre os mais jovens, afro-americanos e latinos, e nunca foi tão significativo como nesta eleição. Sem utilizar-se de um discurso mais identitário, como fez abertamente Hillary Clinton, Harris se cercou de participações femininas de peso – que acabaram, de qualquer forma, dando um tom de “girl power” à sua campanha. Entre elas; Oprah Winfrey, Beyoncé, Taylor Swift, Maria Shriver (membra da família Kennedy) e até mesmo a republicana Liz Cheney.
Estatisticamente não podemos tirar conclusão sobre quem vencerá esta eleição apenas de acordo com as pesquisas. No entanto, gostaria de observar alguns aspectos. O primeiro se refere a características das pesquisas de opinião nos EUA e a própria dinâmica do processo eleitoral. Primeiro, os entrevistados são selecionados e suas opiniões ponderadas de acordo com sua probabilidade declarada de ir votar, já que o voto nos EUA não é obrigatório, de forma que esta “disposição” pode variar muito no dia 5 de novembro.
Outro aspecto importante, mas difícil de ser quantificado, é o momento em que a declaração de voto em Trump pode ter um viés de “sabotagem” por parte dos respondentes, devido a todo o discurso antissistema, eleição fraudulenta, roubada, mídia corrupta, institutos de pesquisas comprados presentes fortemente em sua campanha. Em terceiro e último lugar, Trump de fato teve seu desempenho subestimado nas pesquisas nas duas últimas eleições presidenciais; em 2016 contra Hillary, e em 2020 contra Biden. Nesta última, a diferença entre os dois candidatos foi bem menor do que a prevista, principalmente em alguns estados-pêndulo.
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Estatisticamente, não podemos tirar conclusão sobre quem vencerá esta eleição apenas com base nas pesquisas. Os candidatos estão numericamente empatados. No entanto, com base nos motivos aqui expostos, acredito que Trump tem, neste momento, uma vantagem sobre Kamala Harris.
*NY Times/Siena College, amostra nacional, realizada entre 20 e 23 de outubro, com 2.516 eleitores registrados que dizem pretender votar. A margem de erro é de 2,2 pontos percentuais, para mais ou para menos.
** Pew Reaerch Center, pesquisa nacional com eleitores registrados realizada entre 26 de agosto e 2 de setembro.
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