José Rodrigues Filho *
Entre os países que compõem o bloco BRICS (Brasil, Rússia, India, China e Africa do Sul), o Brasil é considerado como tendo feito os maiores investimentos em tecnologia da informação, ficando atrás apenas da China. Mesmo assim, as últimas notícias de espionagem demonstram a fragilidade do nosso país em termos de dependência, insegurança e invasão de privacidade. A China, por exemplo, tem sua internet própria, dificultando os ataques no ciberespaço praticados pelos Estados Unidos.
Apesar destes elevados investimentos, não se sabe quais as tecnologias de informação que o governo tem dado prioridade, além das tecnologias de controle, a exemplo dos sistemas de informações financeiras, Receita Federal, voto eletrônico, recadastramento biométrico e outras da educação e previdência social. Boa parte destas tecnologias não só servem para o governo nos controlar e espionar, como para facilitar a espionagem externa, sobretudo dos países de onde elas são adquiridas. O escândalo da espionagem americana e canadense no Brasil e no mundo deixou claro a capacidade tecnológica destes países, não só de controlarem as tecnologias do nosso país como de invadirem a privacidade individual, das empresas e dos negócios.
Leia também
Não somos contrários investir em tecnologias de informação, mas o país precisa priorizar os tipos de tecnologias de informação que possam acelerar o desenvolvimento e ampliar a nossa cidadania. Infelizmente, o nosso país tem feito grandes investimentos em tecnologias de informação que contribuem, em muito, para deteriorar a nossa cidadania, a exemplo de voto eletrônico e recadastramento biométrico. Além de serem inseguras, contribuem para invadir a privacidade das pessoas. Só através de um processo de avaliação destas tecnologias, o que não é feito no país, é possível determinar quais as que merecem grandes investimentos.
As últimas notícias de espionagem evidenciaram a nossa insegurança e de nossas organizações, que vem acontecendo desde há muito tempo. Muitos, em vão, vinham alertando o lado perverso das tecnologias de informação. Mas só com a denúncia de Edward Snowden, enquanto funcionário da Agência Nacional de Inteligência (NSA) dos Estados Unidos, o mundo começa a se preocupar com o tema. Os países dotados de maior competência tecnológica tem se protegido mais. No caso do Brasil ficou evidenciado que a nossa segurança é limitada, conforme demonstrado pelo próprio governo. O governo tem que tomar as providencias para mostrar a sociedade brasileira o que foi espionado na Petrobras e no Ministério das Minas e Energia, deixando de fazer comentários apenas em cima das denúncias de Edward Snowden, noticiadas pela mídia. Snowden deu uma grande contribuição ao mundo, ao denunciar a espionagem americana. Deu a sua vida por isto. Mas, doravante, cada país deve se prevenir e mostrar claramente onde surgem as tentativas de espionagem. Edward Snowden não vai mais voltar para a agência de inteligência americana para dizer como cada país está sendo espionado.
Há poucos dias uma empresa de comunicações da Bélgica denunciou as tentativas externas feitas para espioná-la. Segundo à revista alemã Der Spiegel, o ataque cibernético à empresa Belgacom foi feito pela agência de inteligência inglesa, denominada de GCHQ. Uma auditoria externa constatou o fato. Como a empresa deveria ter uma boa proteção, os alvos foram seus funcionários. A tentativa, portanto, foi a de penetrar nas tecnologias usadas pelos funcionários da empresa. Neste caso, o fato foi comprovado e, ao contrário do que está acontecendo no Brasil, não dependeu simplesmente de notícias da mídia.
PublicidadeNo caso da Petrobras e do Ministério das Minas e Energia, quais as comprovações das tentativas de ataques cibernéticos, além do que a mídia tem comentado sobre o caso Snowden? No tocante ao ataque ao Ministério das Minas e Energia, as autoridades canadenses ficaram surpresas, uma vez que o Brasil parece indicar a ausência de capacidade de contraespionagem. Ou seja, ausência de capacidade de proteger informações valiosas contra a espionagem internacional. Assim sendo, o governo deve demonstrar ao mundo que tem capacidade de se proteger contra a espionagem internacional.
Ademais, a sociedade não poderá continuar sendo enganada quando o governo afirma que nossas tecnologias são altamente seguras, a exemplo da tecnologia de voto eletrônico, mundialmente reconhecida como altamente insegura. Já está demonstrado que a capacidade tecnológica dos Estados Unidos permite acessar informações da tecnologia de voto eletrônico sem nenhuma dificuldade. Comenta-se que a proteção tecnológica de nossas organizações por empresas americanas sempre deixa “as portas de fundos” para que a inteligência americana possa entrar.
Por fim, a definição de prioridades é fundamental quando se trata de investimentos em tecnologias de informação, que deve levar em consideração a segurança, desenvolvimento e cidadania e não os modismos, mitos e o chamado determinismo tecnológico, que aumentam a nossa dependência, insegurança e invasão de privacidade. O acervo tecnológico do Brasil ainda é mínimo, quando comparado com outros países.
Enquanto a China possui mais de 66 supercomputadores, a Suécia sete e os Estados Unidos 252, no Brasil temos apenas três supercomputadores. Com esta disparidade de estrutura tecnológica estamos diante de um grande dilema enquanto país em desenvolvimento: será que poderemos nos manter independentes e suportar os ataques dos Five Eyes? O que nos alegra é a constatação de que programas como Fome Zero e Bolsa Família foram reconhecidos como tendo impulsionado o nosso desenvolvimento nos últimos anos, talvez mais do que o nosso acervo em tecnologia da informação.
A decisão da presidente Dilma em determinar que a tecnologia de e-mail (Expresso) seja utilizada por órgãos da administração federal merece elogios. O que nos alegra é que não conhecemos ainda a nossa capacidade em termos de tecnologia da informação. Não há dúvidas de que as denúncias de Edward Snowden vão contribuir para uma mudança no setor de tecnologia de informação. É chegado o momento de se mapear este setor no Brasil e privilegiar as empresas brasileiras interessadas em desenvolver ferramentas tecnológicas para ampliar o nosso desenvolvimento e nossa cidadania.
* José Rodrigues Filho é professor da Universidade Federal da Paraíba. Foi pesquisador nas Universidades de Harvard e Johns Hopkins (EUA)
Deixe um comentário