Na sexta-feira (24), a guerra entre a Rússia e Ucrânia completou um ano desde sua etapa mais violenta, marcada pelo confronto direto entre os dois países. A escalada do conflito trouxe duras consequências à economia mundial, abalada pelos bloqueios comerciais mútuos e pelo comprometimento das exportações dos dois países, fornecedores mundiais de fertilizantes e energia. Em seu primeiro mês de governo, o presidente Lula apresentou a alguns outros líderes uma proposta de solução.
Em seu encontro com o primeiro-ministro alemão Olaf Scholz, no final de janeiro, Lula se recusou a oferecer munições à Ucrânia, afirmando que isso tornaria o Brasil parte do conflito. Em seu lugar, propôs uma negociação multilateral: sua proposta é criar um bloco de países neutros e interessados em pacificar a região, e utilizar esse bloco para intermediar o desenho de um acordo de paz no Leste Europeu.
Especialistas consultados pelo Congresso em Foco convergem quanto aos efeitos dessa estratégia. Na avaliação de todos eles, as chances dessa mediação funcionar são mínimas. Ainda assim, defendem que o presidente siga adiante com sua proposta, pois independentemente do resultado da negociação, a posição do Brasil no cenário internacional acabará fortalecida, abrindo espaço para futuras oportunidades.
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Sem aplicabilidade
Luciano Muñoz, professor de Relações Internacionais do UniCeub, explica que a atual situação do conflito não é propícia a uma mediação. “No momento, é uma proposta sem aplicabilidade imediata. A tendência em curto prazo é que a guerra escale”, afirmou. Ele aponta para as decisões recentes dos dois lados da guerra: de um lado a Rússia se prepara para uma nova ofensiva contra o leste da Ucrânia. Do outro, aliados da Ucrânia fornecem equipamento para uma futura contraofensiva.
Ainda que não venha a obter efeito prático, a postura de Lula de se apresentar como um pacificador equidistante retoma e fortalece a tradição de neutralidade da política externa brasileira, que tinha sido abandonada durante a era Jair Bolsonaro. Ricardo Caichiolo, professor de Relações Internacionais do Ibmec, acrescenta uma outra vantagem da proposta brasileira: deixar clara a intenção de ajudar na solução do conflito, e manter aberta a janela para que futuramente o Brasil seja procurado para uma nova negociação, em momento mais propício.
“O simples fato de ter sido tomado um passo na direção de indicar o Brasil como um país mediador do confronto, bem como de um eventual líder no âmbito deste mesmo bloco buscando a pacificação da região, é em termos de imagem, muito favorável. Essa sinalização reforça a busca por uma mudança da percepção internacional quanto à atuação de nossa política externa”, defendeu o professor.
Fortalecimento da imagem
Anderson Prado, pesquisador da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e pós-doutor em história, ressalta outra vantagem do Brasil em se apresentar como mediador do conflito: o fortalecimento da imagem democrática do país. “Quando o Brasil encabeça um conjunto de países para manifestar o interesse em mediar pela paz, ele demonstra que está ao lado das linhas democráticas, ao lado da boa diplomacia”, explicou.
Prado dedicou a maior parte de sua carreira enquanto pesquisador ao estudo da história da Ucrânia, bem como das relações Brasil-Ucrânia. Ao contrário dos demais, ele avalia que haveria, sim, a possibilidade de abertura de negociações e um cessar fogo dentro de um ano, na medida em que a capacidade dos dois lados de se manter no conflito se esgotar. Por outro lado, não acredita que um acordo definitivo possa surgir tão cedo.
“Por mais que possam chegar a um acordo de paz, aquela região vai permanecer como uma zona de conflito, sobretudo no leste da Ucrânia, onde há uma grande população russificada”, avalia. A região, além de sofrer com divergências culturais dos dois lados, já se tornou alvo de disputas políticas internas, com interventores definidos pelo presidente russo Vladimir Putin governando sobre as cidades ocupadas.
Independentemente do prazo, Prado e Muñoz concordam que a probabilidade maior não é de uma paz multilateral mediada, mas de um acordo direto envolvendo a Rússia, Ucrânia e Estados Unidos, nação que representa a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). “O Brasil poderia cooperar a partir de uma das propostas apresentadas pelas grandes potências”, avalia o professor do UniCeub.
Até o momento, duas propostas já foram apresentadas como ponto de partida para que os dois lados comecem a dialogar. O primeiro foi proposto pela Ucrânia, e prevê a retirada total de tropas russas de dentro do território ucraniano. O segundo já é um plano de 12 pontos apresentado pela China, que propõe a redução gradual dos combates, acompanhada da interrupção das sanções da Otan contra a Rússia. A Ucrânia recusou, afirmando que o plano apresentado não prevê a desocupação de seu território.
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