por Daniela Silva*, JP Amaral** e Letícia Carvalho***
A Cúpula da Amazônia, realizada em Belém entre os dias 8 e 9 de agosto, foi um teste para a capacidade de liderança dos oito países que integram a região amazônica frente às diversas crises que afetam a maior floresta tropical do mundo. Em sua vizinhança comum, Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela compartilham desafios que não respeitam fronteiras, como desmatamento, garimpo ilegal, tráfico de animais e plantas silvestres, poluição dos rios, carência de infraestrutura e segurança para as comunidades locais e desrespeito aos direitos dos povos originários.
Acredita-se que na Floresta Amazônica, que agrega a maior biodiversidade do planeta, estão respostas para perguntas que ainda nem formulamos. Não à toa, os debates sobre esse bioma interessam aos mais diversos atores do planeta, especialmente aos países e empresas do chamado Norte global. Sim, falar da Amazônia é uma questão urgente e recuperar a liderança dos países da Pan-Amazônia, em especial do Brasil, é prioritário para trazer o território na mesa de negociação global sobre mudança climática.
A missão do encontro é ambiciosa: demonstrar compromisso com a proteção dessa região e de seus habitantes, de forma efetiva e capaz de engajar, de modo colaborativo, outros atores. Para garantir essa efetividade, a cúpula abriu espaços para ouvir demandas da sociedade civil, que conseguiu criar condições para realizar 405 atividades nos Diálogos Amazônicos, evento realizado dias antes, buscando influenciar positivamente as decisões.
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Em meio a um mar de demandas reprimidas, algumas atividades abordam a prioridade das infâncias na formulação de políticas públicas e garantia de direitos. Um tema que deveria ser prioritário em todos os eventos, pois Bolívia, Brasil, Colômbia, Peru, Guiana, Venezuela e Equador têm dispositivos constitucionais que preveem a garantia da proteção prioritária ou especial de crianças e adolescentes.
Essa é a maior contribuição que os países do Sul global, tradicionalmente marginalizados nas decisões internacionais, podem acrescentar a uma crise que afeta todos nós. Olhar para as múltiplas infâncias, reconhecendo e respeitando as territorialidades de cada criança e adolescente, é uma forma de os países colocarem no centro das negociações o que é prioridade absoluta: o presente e o futuro das crianças, que têm direito a um meio ambiente equilibrado e vivo.
PublicidadeO cenário vivido por essa população é devastador. Crianças na Amazônia, sobretudo indígenas, têm maior risco de morrer antes de um ano de idade e de não completar o ensino fundamental. São as mais impactadas pela falta de saneamento básico, pela poluição do ar em função das queimadas, pela contaminação das águas e alimentos por mercúrio no contexto do garimpo ilegal e pela crise climática — na forma de chuvas e secas intensas, transbordamento de rios, aparecimento de doenças e perda de biodiversidade com impacto direto na segurança alimentar, sobretudo de comunidades que dependem diretamente da natureza para sobreviver.
No Brasil, o artigo 227 da Constituição Federal é categórico ao afirmar que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, todos os seus direitos. Isso inclui a necessidade de considerar o melhor interesse desses indivíduos em todas as políticas públicas socioambientais e climáticas. O artigo 225 corrobora esse direitos, ao determinar que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
Observar, reconhecer e respeitar os territórios amazônicos, ou seja, rios, florestas e cidades, é garantir que sejam preservados e poupados de projetos destrutivos que visam unicamente ao desenvolvimento e atuam de forma predatória, tendo como consequência, proposital, a negligência aos modos de vida das crianças e adolescentes. Nossas crianças indígenas, quilombolas, ribeirinhas e urbanas precisam imediatamente do compromisso real dos Estados que participam da Cúpula para que, assim, possam viver em seus ambientes de forma saudável.
Comprometer-se com as infâncias na Amazônia é executar políticas públicas de fortalecimento e proteção ao território. Mas, proteger e cuidar do principal bioma do planeta, mais do que dever desses países do Sul Global, é um dever para além da proteção das infâncias amazônicas; é uma obrigação para proteger todas as infâncias do Brasil, do continente e do mundo, tamanha a contribuição da floresta para a vida na Terra.
Diante do cenário de violações pelo qual passam nossas infâncias em território amazônico, organizações da sociedade civil encaminharam carta para que todos os países membros da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) assumam o compromisso de, explicitamente, mencionar crianças e adolescentes e seus direitos específicos, assim como considerar o seu melhor interesse, em todas as estratégias, planos, documentos e comunicações relevantes, dentre outras sugestões.
Ainda, reforçaram que esta cooperação deve envolver ações e estratégias que reconheçam os saberes tradicionais das comunidades locais, dos povos indígenas, ribeirinhos, quilombolas, enquanto fundamentais na preservação da floresta amazônica com soluções socioeconômicas baseadas na natureza, em conjunto com a promoção de tecnologias para o mapeamento, conhecimento e proteção da sociobiodiversidade para proteção da floresta e das pessoas, com prioridade absoluta na proteção dos direitos de crianças, adolescentes e suas famílias.
Estudos mostram que o ponto de não-retorno da Amazônia já está acontecendo. Isso significa que áreas do bioma amazônico já estão em um processo de savanização irreversível. A partir desta Cúpula, mais do que teorizar, é preciso comprometimento com ações de início imediato. Não podemos falhar como humanidade com as gerações do presentes e futuro, especialmente crianças e adolescentes.
* Daniela Silva é coordenadora-geral do projeto Aldeias no médio Xingu.
** JP Amaral é gerente de Clima e Meio Ambiente do Instituto Alana.
*** Letícia Carvalho é advogada e assessora internacional do Instituto Alana.
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