O jornalista, sociólogo e escritor Jayme Brener lança nesta quinta-feira (12), na Livraria Sebinho, em Brasília, a partir das 18h30, seu primeiro romance histórico, Os cinco dedos de Tikal – Comunistas, judeus, putas e índios às vésperas da Segunda Guerra, publicado pela editora Ex-Libris. O lançamento coincide com o mês em que se completam 80 anos do início desse grande fato da história da humanidade.
>Nazismo, fascismo, racismo/LGBTIfobia e seu enfrentamento
Prêmio Jabuti de Melhor Livro Didático em 1999, com Jornal do Século XX , junto com Gilberto Maringoni, Brener constrói desta vez uma trama intercontinental que tem como pano de fundo a realização dos Jogos Olímpicos de Berlim, em 1936. Realizado às vésperas da Guerra Civil Espanhola e poucos anos antes do início da Segunda Guerra Mundial, em setembro de 1939, o grande evento esportivo foi usado como propaganda da estética nazista.
Tudo começa com quatro personagens, todos judeus, um professor homossexual de História da América na Universidade de Dresden; um operário comunista polonês e um casal de cafetões da Zwi Migdal, uma organização criminosa judaica, estabelecido no Rio de Janeiro. Fugindo de perseguições por diferentes motivos, eles se cruzam na Guatemala, na América Central.
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O país vive uma ditadura simpática ao fascismo e a comunidade alemã na região é fortíssima. Os personagens, então, são contatados por uma organização secreta maia, o povo que desapareceu mas ainda está por todos os cantos. Eles os convencem a se envolver em uma tentativa de matar Adolf Hitler durante os Jogos Olímpicos de Berlim.
Depois de Brasília, será a vez de Curitiba, no próximo dia 17, receber o lançamento de Os cinco dedos de Tikal, na Livraria da Vila. No Rio o evento está marcado para o dia 25, na Livraria Travessa Botafogo. O livro foi lançado no fim de agosto em São Paulo.
PublicidadeLeia trecho inédito da nova obra de Jayme Brener, liberado com exclusividade para o Congresso em Foco:
“Eram quase quatro horas quando chegou a caravana de Mercedes Benz reluzentemente negros, capotas arriadas, trazendo Hitler e seu habitual e interminável séquito, após atravessar um Portão de Brandemburgo coberto por enormes bandeiras nazistas, para o júbilo de milhares de fãs.
O führer, metido em um uniforme militar, desceu lépido a enorme escadaria de entrada e entrou no campo, onde foi saudado por uma garotinha – loira e de olhos azuis, como não poderia deixar de ser. ‘Heil, mein Führer’, disse ela ao entregar um buquê de flores para Hitler e, então, esticar a barra do vestido branco, em uma mesura. O chefe agradeceu com um tapinha carinhoso no rosto da menina e seguiu para o palanque, enquanto o estádio de pedra tremia aos acordes do Hino Olímpico, de Richard Strauss (6). A multidão saudava o ditador em pé, braços estendidos.
Hitler e seu grupo subiram ao palanque. “Ele não estará sozinho no palanque; isso é um problema”. Ix reconheceu, das fotos nos jornais devorados nos dias anteriores, Goering, Goebels e Rudolf Hess (7), além de outros homens, provavelmente dirigentes esportivos. E enquanto pensava em como manter Hitler em uma mira perfeita, ele deu-se conta de outro imprevisto: no palanque em que o ditador falaria haviam sido instalados quatro grandes microfones. De metal. Eles estariam à frente de Hitler; não resistiriam ao tiro, mas poderiam alterar a trajetória. “Doñita, meu amor, você tem que fazer sua parte e mandar sua filha, a bala, derechito para a cabeça do homem, sobre os microfones”, pensou, alisando a coronha da carabina, ainda na sacola.
As delegações olímpicas começaram a entrar no estádio, sempre sob os acordes da orquestra. Primeiro a da Grécia, país de origem dos jogos, tendo a frente Spyridion Loues, o carregador de água que vencera a maratona de 1896, na primeira Olimpíada moderna. (8) Depois, os atletas de outros países, em ordem alfabética.
Argentina, Bélgica, Brasil, Chile… da Espanha só veio o time de hóquei. Todos os outros atletas aderiram ao boicote internacional. Quatro e dez…
– Eu poderia estar lá agora, levando a bandeira da Guatemala – lamentava-se Benjamin Ix.
‘Nunca vi uma organização tão perfeita. Precisamos aprender com os alemães – pensava um jovem nadador, integrante da delegação brasileira.’ (9)
O estádio quase veio abaixo com os gritos de alegria quando a delegação da França passou diante de um Adolf Hitler de pé, todos os atletas com os braços direitos estendidos. Sim, a França da Frente Popular e de Léon Blum. Podia ser um simples gesto olímpico, mas todos enxergaram a saudação nazista. Quatro e quinze.
O público esfriou quando os britânicos desfilaram com um fleugmático ‘olhar à direita’ e explodiu em assobios no instante em que os atletas dos Estados Unidos tiraram seus elegantes chapéus de palha, apertando-os contra o coração.
E então, encerrando o desfile, entrou a equipe olímpica alemã. À frente não ia a antiga bandeira nacional com listras em amarelo, preto e vermelho. Mas o estandarte vermelho tendo a suástica no centro. Soaram as badaladas do enorme sino olímpico, que trazia gravada a águia alemã e a inscrição Ich rufe der Jugend der Welt, ‘eu convoco a juventude do mundo’.
Quatro e vinte. Mais de cem mil pessoas ergueram-se então, eufóricas, para cantar o hino alemão, com seu verso Deutschland über alles (10), seguido pelo hino nazista, o Horst Wessel Lied (11). Em seu canto, Borba tremeu – a música o fazia lembrar dos velhos tempos de sonhos de uma vida melhor, no início da jornada nazista. Benjamin Ix, assustado, escondeu sua estatura de índio atrás dos grandalhões que o protegiam.
Diante dos atletas de seu país, um Hitler já sem o quepe militar perdeu pela primeira vez a fleuma e, fechando o punho, trouxe o braço direito estendido para o coração.
Com as delegações no campo, em seus lugares, um senhor de idade, alto e vestindo fraque, foi ao púlpito para o primeiro discurso. Era Theodor Lewald, secretário-geral do Comitê Olímpico Internacional (12). Foi rápido. Quatro e meia… O próximo a falar seria Hitler.
– A ação começa agora! – Borba tirou da sacola o tripé da metralhadora, armando-a sobre as caixas, sob a proteção da grande bandeja cheia de maços de cigarro e caramelos. E do homem que a sustentava.
Benjamín Ix também apanhou o tripé e montou a K98, quase acariciando cada peça de sua Doñita. O homem à sua frente deslocou-se discretamente no momento em que Hitler chegou ao púlpito. Ninguém percebeu. Todo o estádio se voltava para o palanque e para os atletas distribuídos geometricamente no campo.
Benjamín Ix já havia encontrado o melhor ângulo para o tiro, que passaria sobre os microfones de metal. O caminho estava livre. Ele prendeu a respiração para baixar o ritmo do coração, um passo importante quando se trata de alcançar o equilíbrio necessário ao tiro perfeito.
Lewald cumprimentou Hitler, que deu dois passos à frente até o microfone.
A cem metros, um índio maia, com Hitler na alça da mira telescópica, moveu o dedo indicador grudado ao gatilho, como em um último carinho.”
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