Em vez de apagar, o Brasil está jogando gasolina na fogueira da crise da Venezuela e pode trazer para seu próprio território derramamento de sangue ao insistir no envio de doações de mantimentos ao país vizinho. Essa é a avaliação do senador Telmário Mota (Pros), de Roraima, estado que mais sofre as consequências dos problemas políticos e econômicos venezuelanos.
Telmário vai pedir amanhã à assessoria do Palácio do Planalto que o presidente Jair Bolsonaro receba os senadores, deputados federais e estaduais e o governador Antônio Denarium (PSL) para discutir uma saída que afete menos a vida dos roraimenses. De acordo com ele, também deve ser criada nesta segunda uma comissão externa formada por representantes da Câmara e do Senado para visitar a região e buscar diálogo com interlocutores do presidente Nicolás Maduro e do líder oposicionista Juan Guaidó, que se autodeclarou presidente em 23 de janeiro.
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“Sou a favor de uma ajuda humanitária, mas sem cores partidárias e ideológicas que estão sendo usadas. Brasil e Colômbia são fantoches nas mãos dos Estados Unidos. A única saída que vejo é a realização de nova eleição presidencial na Venezuela”, defende Telmário. “O Brasil não tem nada a ver com a política geopolítica dos Estados Unidos”, acrescenta.
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Falsa promessa
Para o senador, as doações deveriam ser encaminhadas por meio de organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Cruz Vermelha, e o Brasil deveria se portar apenas como mediador no conflito.
PublicidadeNa avaliação dele, o governo brasileiro fez jogo de cena ao enviar nesse sábado dois caminhões, dirigidos por motoristas venezuelanos, até a fronteira em Pacaraima (RR). “Mandaram dois caminhõezinhos três quartos, abastecidos pela metade com arroz e leite em pó, para atender uma população que é de 30 milhões de pessoas. Isso é uma palhaçada, uma falsa promessa. Que ajuda humanitária é essa?”, questiona.
O senador considera que as autoridades brasileiras não têm atentado para os efeitos do acirramento do conflito sobre a população de Roraima. “O hospital de Pacaraima não tem antibiótico nem gaze. Estão me ligando pedindo pra enviar alguma coisa para os hospitais de lá. Pacientes em estado grave estão sendo retirados para atender os venezuelanos feridos”, relata.
Crise em Roraima
Telmário avalia que o governo estadual está inerte tanto pela falta de experiência do governador Denarium, que é do partido de Bolsonaro e exerce seu primeiro mandato político, quanto pela falta de recursos públicos.
“Temos uma dívida pública de R$ 6 bilhões em um estado que tem orçamento de R$ 3,5 bilhões. Temos hoje, proporcionalmente, os piores índices de pobreza, violência e desemprego do país. As aulas ainda não voltaram por falta de transporte escolar. Os terceirizados estão há sete meses sem receber”, conta. “Vivemos uma situação quase tão grave quanto a da própria Venezuela”, reforça. O estado foi alvo de intervenção federal no fim do ano passado por causa da calamidade nas contas públicas e ameaça de rebelião das forças de segurança.
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As condições na região, segundo o senador, podem piorar conforme for o resultado do encontro do chamado Grupo de Lima, que reúne 13 países, inclusive o Brasil, que não reconhecem Maduro como presidente e, sim, Guaidó. Representarão o governo brasileiro na reunião de amanhã, em Bogotá, o vice-presidente Hamilton Mourão e o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.
“Guaidó diz que respeita a Constituição. Então, ele errou ontem. Devia ter convocado nova eleição por ter completado 30 dias que se autodeclarou presidente. É isso que prevê o texto constitucional da Venezuela”, afirma o parlamentar.
Grupo de Lima
Para Telmário, se o Grupo de Lima optar por uma guerra para destituir Maduro do poder, poderá haver um banho de sangue. “Podem até derrubá-lo. Mas e se a China e a Rússia resolverem apoiar o Maduro? Pode ser uma guerra mais duradoura. Vamos virar um Oriente Médio? As dissidências no Exército venezuelano até agora foram apenas de baixa patente, soldados, sargentos. Os generais continuam com o Maduro”, diz.
O senador entende que a interferência do Brasil na disputa política da Venezuela compromete a relação entre os dois países e implica prejuízos imediatos para Roraima. “Nossa relação sempre foi harmônica, temos uma troca comercial e cultural muito forte. O calcário, a energia, o ferro e a gasolina que consumimos vêm da Venezuela. Temos muitos universitários lá”, explica.
Manifestantes e militares venezuelanos entraram novamente em confronto na fronteira entre Brasil e Venezuela neste domingo. Do lado brasileiro, venezuelanos arremessaram pedras contra integrantes da Guarda Nacional Bolivariana, que reagiram com bombas que chegaram a território brasileiro. “Eles atiram de volta porque tanto bala de borracha quanto bala de verdade não têm freio. Precisamos refletir imediatamente para que essa situação não se agrave”, defende o senador.
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Até o momento cinco mortes foram registradas desde que o presidente Nicolás Maduro ordenou o fechamento da fronteira com o Brasil na noite da última quinta-feira para que alimentos, remédios e outros itens de primeira necessidade, solicitados por Guaidó, não entrem no país.
Itamaraty sobe o tom
O governo brasileiro divulgou nota neste domingo em que endurece as críticas a Maduro, a quem chama de “ditador”, e conclama a comunidade internacional a reconhecer o líder oposicionista como novo presidente.
De acordo com o Itamaraty, os conflitos nas fronteiras da Venezuela com o Brasil e a Colômbia são um “brutal atentado aos direitos humanos”. “O governo do Brasil expressa sua condenação mais veemente aos atos de violência perpetrados pelo regime ilegítimo do ditador Nicolás Maduro, no dia 23 de fevereiro, nas fronteiras da Venezuela com o Brasil e com a Colômbia, que causaram várias vítimas fatais e dezenas de feridos”, diz o texto.
Em discurso de quase uma hora dirigida a uma multidão em Caracas, nesse sábado, Maduro anunciou o rompimento diplomático com a Venezuela e criticou as doações enviadas pelo Brasil. “É o que digo a esse país, por exemplo. Mandei uma mensagem. Estamos dispostos, como sempre estivemos, a comprar todo arroz, todo leite em pó, toda a carne. Mas pagando. Não somos mau pagadores. Nem mendigos. Somos gente honrada que trabalha”, afirmou.
“Trazer caminhões com leite em pó? Compro agora e pago agora. Querem trazer carne? Que venham para os mercados populares”, emendou em discurso para uma multidão em Caracas, no qual prometeu defender a Venezuela de intervenções estrangeiras.