por Eumano Silva* e Raquel Madeira**
A eleição legislativa na França confirmou a tendência de crescimento da extrema direita na União Europeia, fenômeno antes observado com nitidez em países como Alemanha e Itália. Embora tenha ficado em terceiro lugar nas urnas, o Reunião Nacional (RN), partido liderado pela ultradireitista Marine Le Pen, aumentou de 88 para 143 o número de representantes na Assembleia Nacional. O avanço desses segmentos altera a correlação de forças políticas e alavanca posições protecionistas na região.
Do ponto de vista do Brasil, a nova realidade na Europa indica mais obstáculos para os exportadores, sobretudo para o setor rural. As bandeiras nacionalistas da direita radical favorecem os agricultores locais e dificultam a entrada de produtos estrangeiros. Assim, as prioridades internas atrapalham o livre comércio entre países e continentes. Abordamos este tema no e-book “Impactos do Xadrez Eleitoral na Europa”.
Pode-se dizer, então, que a ascensão da extrema direita na União Europeia (UE) prejudica os interesses do agronegócio do Brasil. Por essa razão, eventuais afinidades ou divergências ideológicas internacionais devem ser relativizadas diante das conveniências das economias locais.
Vale destacar que a vitória na França da Nova Frente Popular aconteceu três dias depois que os trabalhistas impuseram uma derrota histórica sobre os conservadores e voltaram ao poder no Reino Unido – que não faz parte da UE – depois de 14 anos na oposição. Nos dois lados do Canal da Mancha, a população demonstrou preocupação com a expansão do campo direitista.
No contexto geral, são reduzidas as chances de conclusão do acordo entre a União Europeia e o Mercosul. Sem o entendimento multilateral, ficam adiadas as mudanças de regras que barram exportações brasileiras. Em discurso feito na segunda-feira (8/7) em Assunção para chefes de Estado do Mercosul, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, disse que o acordo não foi fechado porque os europeus “ainda não conseguiram resolver suas divergências”. Na ocasião, o chefe do Executivo brasileiro disse que “nacionalismo arcaico e isolacionista” não faz sentido no mundo globalizado.
PublicidadeNa direção contrária aos objetivos de Lula, as diferenças políticas explicitadas nas eleições para o Parlamento Europeu, ocorridas em junho, ampliaram a participação no colegiado da extrema direita de 16,7% para 18,1%, percentual obtido pelas correntes políticas lideradas por Marine Le Pen e pela primeira-ministra da Itália, Georgia Meloni. Embora o crescimento não pareça expressivo, é suficiente para dar mais legitimidade aos grupos radicais na defesa de causas xenófobas.
A condução política do Parlamento Europeu deve continuar com a aliança entre o Partido Popular Europeu (PPE), conservador, e a Aliança Progressista do Socialistas e Democratas (S&D), social-democrata, donos das maiores bancadas. Esses grupos são responsáveis pela implementação da agenda de contenção das mudanças climáticas, o Pacto Verde Europeu, com foco na descarbonização da economia, entrave para importações que não atendam às exigências ambientais.
Um dos maiores obstáculos para o setor agrícola brasileiro é a lei antidesmatamento, conjunto de normas que entra em vigor a partir de janeiro do ano que vem. Aprovadas em 2019, as regras definidas pelo Parlamento Europeu dentro da pauta da descarbonização do Planeta proíbem a importação de produtos provenientes de áreas desmatadas, legalmente ou não, a partir de 2020. Também coíbem o comércio com empresas que desrespeitem os direitos humanos ou utilizem mão de obra análoga à escravidão.
Exigências como essas atingem as exportações brasileiras de produtos florestais – como madeira, papel e celulose –, e também gado bovino, café, cacau óleo de soja, borracha, couro, móveis e chocolate. Cálculos do governo indicam que, como está, a lei causa um impacto de mais de 30% nas exportações brasileiras para a UE.
O cenário externo, portanto, configura um quadro em que os exportadores brasileiros perdem em duas frentes: no crescimento da extrema direita e na continuidade da aliança que dirige o Parlamento Europeu, promotora da pauta da economia verde.
* Eumano Silva é jornalista e especialista em inteligência política da área de Public Affairs da Oficina Consultoria
** Raquel Madeira é Head de Public Affairs da Oficina Consultoria
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