por Luiz Henrique Antunes Alochio*
1. Trump x Anderson
Em 4 de março de 2024, a direita brasileira acordou toda animada, serelepe mesmo, cheia de elogios à Suprema Corte dos Estados Unidos. A razão: a decisão unânime em Trump vs. Anderson, ou seja, o julgamento do recurso do candidato Donald Trump, buscando reformar decisões estaduais que impediam a inserção do nome dele nas cédulas de votação da futura eleição presidencial. A Suprema Corte, unanimemente, decidiu que esse tipo de regramento caberia ao Congresso dos Estados Unidos, não às autoridades estaduais.
Não vou entrar no conteúdo da decisão, pois, como visto, fora tomada à unanimidade, até mesmo com o voto das juízas do campo mais progressista (Sotomayor, Kagan e Jackson). Nem farei referência às nuances dos votos das referidas juízas, que não aderiram integralmente ao voto da maioria, ou ao voto da juíza Barret, que discorda da extensão a ser dada ao caso.
Fico apenas com uma frase da juíza Barret, que, ao estilo da Suprema Corte, tenta sintetizar à moda “para-choque de caminhão”. Coloca uma frase-síntese, acessível à compreensão de todo o povo, em vez de apenas a uma minoria elitista. Eis a frase: [naquilo que importa] “todos os nove juízes concordam com o resultado deste caso. Essa é a mensagem que os americanos deveriam levar para casa.”
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Uma frase de pacificação, não de distensão radical.
2. A mão invisível da Federalist Society
É possível ver neste caso uma mão invisível. Uma mão que a direita brasileira não tem capacidade de compreender. A importância da manutenção de think tanks de produção intelectual conservadora, ou até mesmo de viés mais libertário.
PublicidadeTodos os nove atuais juízes da Suprema Corte americana foram nomeados após terem passado por instituições acadêmicas de alta formação.
Vou me limitar, entretanto, aos seis mais conservadores. Todos eles são egressos de universidades prestigiosas, com carreiras brilhantes, e sendo paulatinamente preparados para o múnus de servir perante os tribunais.
Todos esses juristas conservadores, invariavelmente, tiveram algum contato com uma instituição chamada Sociedade Federalista ou Federalist Society. Para os mais íntimos, FecSoc.
Se olharmos os próprios advogados que assinaram o recurso de Donald Trump, encontramos Scott E. Gessler, Harmeet K. Dhillon, David A. Warrington, Jonathan M. Shaw, Gary M. Lawkowski. Desses, apenas o penúltimo não tem uma referência imediata com a FedSoc, se jogarmos o nome no Google. Todos os demais, se pesquisados em motores de busca, logo aparecem referências à Federalist Society. Ou foram alunos em algum curso, ou foram membros das filiais da FedSoc nas Universidades, ou foram contribuintes com palestras, apresentações, vídeos ou publicações.
3. O que é a Federalist Society?
Mas o que é essa tal FedSoc?
O ano era 1982. Um grupo de advogados, magistrados, estudantes e professores de Direito (Yale, Harvard e Chicago) resolve fundar a Federalist Society, uma entidade para desafiar aquilo que acreditavam ser a ideologia “liberal” — no sentido empregado nos Estados Unidos, o que seria no Brasil um “progressista” — ganhando corpo nas Faculdades Americanas. O grupo realizou um encontro inaugural a respeito do Federalismo, seus efeitos jurídicos e políticos, como a separação de poderes, tendo como expositores Antonin Scalia, Robert Bork e outros. Passados 40 anos, a FedSoc é uma das mais fortes instituições de difusão de cultura jurídica conservadora nos Estados Unidos.
Nas palavras de Scalia, “achamos que estávamos plantando algumas flores em meio às ervas daninhas dos liberais, mas acabamos vendo crescer um forte carvalho”. O vice-presidente de longa data da FedSoc, Leonard Leo, é considerado um dos maiores responsáveis pelo planejamento e pela execução efetiva da retomada da maioria dos Ministros da Suprema Corte Americana (recapitulando: hoje, são 6 republicanos contra 3 democratas).
4. Seria possível algo similar no Brasil?
A chamada “direita brasileira” sai bradando aos quatro cantos que é “conservadora”. A maioria não sabe sequer o que é ser conservador ou o que seria o conservadorismo. Vemos muitos reacionários, saudosos de regimes de exceção, travestidos sob o slogan “patriota” e “conservador”.
No caso dos republicanos americanos (especialmente de 1982 até hoje), uma situação como a Federalist Society só tem sido possível em razão de doações de apoiadores, que financiam encontros nas universidades, pesquisas e publicações voltadas para uma doutrina mais tradicional, despida da invasão sociológica subvertedora da representação popular pelo voto — o ativismo, que substitui as decisões políticas pela vontade de agentes públicos sem um único voto. Muito recentemente, uma doação específica chocou os Estados Unidos: 1,6 bilhão de dólares. Isso mesmo: bilhão! Houve a constituição de um Fundo “para difusão dos ideais de liberdade, da Declaração de Independência e da Constituição americana”.
Eis a diferença: os conservadores ou libertários americanos, em vez de ficarem fazendo dancinha de TikTok, gritando em vídeos histriônicos de YouTube ou criando memes de Instagram, estão buscando retomar o espaço deles nas Universidades, na produção acadêmica e nos campos de convencimento político.
Nos Estados Unidos, os “conservadores” orgulham-se das doações que fazem a fundos de pesquisa ou para manutenção de instituições de ensino ou grupos de “advocacy” que defendam os ideais deles.
No Brasil, esperava-se que, pelo menos a partir da inclusão de empresários no chamado “Inquérito do fim do mundo”, o setor empresarial passasse a ver a relevância de criar fundos de apoio a pesquisas e publicações que sejam mais próximas dos ideais de defesa da liberdade individual e econômica. Pelo menos, esses fundos deveriam ser uma ferramenta auxiliar eficiente contribuindo com os ideais de quem os instituiu, ao lado da atuação nas redes sociais. Uma forma reforçando a outra. Que nada!
Infelizmente, o Brasil não é para amadores. Ou é para amadores. Os chamados conservadores brasileiros estão longe da produção acadêmica. Não reagem nesse campo. Talvez acreditem que apenas redes sociais sejam uma solução duradoura. A última eleição já demonstrou: não é.
Talvez Trump vs. Anderson tenha muito mais a alertar aos brasileiros.
* Luiz Henrique Antunes Alochio é advogado e doutor em direito pela Uerj.
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