Rafael Gontijo *
No encerramento da 15ª cúpula do Brics, em Joanesburgo, na África do Sul, o presidente Lula afirmou que, com sua expansão (Argentina, Arábia Saudita, Irã, Emirados Árabes Unidos, Egito e Etiópia ingressarão a partir de 1° de janeiro de 2024), os países que compõem essa parceria multilateral responderão por 36% do PIB e 46% da população em escala global. De fato, são números expressivos, mas cabe lançar um olhar atento para o grupo, a fim de se entender o que essa plataforma desprovida de estatuto (o Brics não se constitui em bloco econômico ou mesmo em organização internacional formal) pode representar para o Brasil.
No complexo tabuleiro das relações internacionais, sabe-se que a definição dos objetivos deve, necessariamente, preceder o movimento. Dito isso, um questionamento elementar vem à tona: quais foram os resultados pretendidos pelo Brasil ao ratificar a expansão do Brics? A despeito de possuir um corpo diplomático de excelência, o país ainda carece do provimento de uma resposta estratégica satisfatória.
Até recentemente, o movimento de expansão do Brics contava com a oposição brasileira, o que fazia sentido, sob a lógica da representatividade do país no grupo. À medida que o grupo se expande, o Brasil, sabidamente uma potência agroambiental, porém com capacidade de influência direta restrita à sua região, tende a ter diluído o seu poder decisório perante os demais membros.
O acrônimo Bric (Brazil, Russia, India, and China) foi veiculado pela primeira vez em 2001, através de um relatório assinado pelo economista-chefe do banco de investimento Goldman Sachs, Jim O’Neill, com o intuito de designar quatro economias emergentes detentoras de expressivo potencial de crescimento.
Em 2009, em Ecaterimburgo, na Rússia, os chefes de Estado dos países mencionados no parágrafo anterior se reuniram na primeira cúpula do BRIC, com o intuito de traçar estratégias multilaterais de cooperação que pudessem alterar a dinâmica do sistema financeiro internacional, impulsionando países em desenvolvimento.
PublicidadeAté o ano de 2010, ano em que a África do Sul (South Africa), então a maior economia do continente africano, se integrou ao grupo, alterando a composição do acrônimo Bric para Brics, o Brasil detinha 1/4 dos votos, se fazendo acompanhar por China, Índia e Rússia. Respectivamente, em escala global, a segunda maior potência em PIB, a nação mais populosa e a nação que detém o mais extenso território. Cabe ressaltar que, exceto o Brasil, todos os países da formação original do grupo são potências nucleares.
Em 2014, durante a sexta cúpula do Brics, realizada na cidade brasileira de Fortaleza, foi oficializada a criação do banco de fomento do grupo, o Novo Banco de Desenvolvimento (New Development Bank – NDB), responsável pelo financiamento de projetos nos países do grupo, sobretudo nas áreas de energia e infraestrutura. A referida instituição, atualmente presidida pela ex-presidente Dilma Rousseff, foi concebida como fonte alternativa de recursos ao Fundo Monetário Internacional e ao Banco Mundial, frequentemente incapazes de atender às demandas dos países do Brics.
Acreditar que o Brics possa em algum momento ter uma agenda homogênea entre seus membros é uma absoluta ingenuidade. A relação bilateral entre Índia e China, por exemplo, é permeada por tensões históricas. A Arábia Saudita (sunita) e o Irã (xiita), que se tornarão membros a partir do início de 2024, retomaram suas relações diplomáticas há apenas cinco meses, após sete anos de rompimento, com a decisiva mediação chinesa. É plausível, no entanto, perceber o grupo como uma interessante plataforma de cooperação pontual entre países em desenvolvimento.
O Brics é, por óbvio, uma parceria multilateral entre desiguais. No contexto do grupo, a decisão de expandir o quadro de membros explicitou a ascendência chinesa sobre os demais países, haja vista que, sob a ótica da estratégia geopolítica de Pequim, a ideia faz todo sentido. Interessa à China estabelecer um grupo com o maior número possível de países gravitando em sua órbita, em um evidente contraponto à influência global dos EUA.
A questão da relevância do Brics também veio à baila. O país que atualmente detém a maior economia africana, a Nigéria, sequer apresentou candidatura formal para ingressar no grupo. Recentemente, em entrevista ao Estadão, o criador do acrônimo Bric afirmou “estar quase ao ponto de dizer que o Brics acabou”. É indubitável que o fundamento que originou o Brics, a expectativa de crescimento robusto e sustentável de certos países em desenvolvimento, não foi determinante para o movimento de expansão da parceria multilateral. Resta claro, portanto, que a composição do Brics carece de critérios objetivos.
Ao Brasil, cabe adotar uma posição pragmática, pela qual a vinculação ao grupo não seja interpretada como antagonismo ao G7, por exemplo. Espera-se que o Brics se consolide como plataforma multilateral de cooperação, através da qual relevantes projetos energéticos e de infraestrutura continuem a ser financiados. A outra alternativa, se tornar caixa de ressonância ideológica contra o ocidente, não atende aos verdadeiros interesses nacionais. Após a 15ª cúpula, urge indagar: qual é a estratégia brasileira para o Brics?
* Rafael Gontijo é advogado e consultor sênior em relações internacionais.
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