Fernando Molina,
De La Paz, na Bolívia
Setores da oposição boliviana criticam o governo de Evo Morales pela situação em que se encontram as relações com o vizinho mais poderoso. Faz mais de dois meses que o Brasil não tem embaixador em La Paz, e a chegada do diplomata designado, Raymundo Santos, não será muito rápida, já que o presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado brasileiro suspendeu “sine die” a aprovação do seu nome.
Ferraço defendeu a necessidade de esclarecer primeiro a irregular saída do representante brasileiro anterior na Bolívia, Marcelo Biato, suspenso por seu governo em 30 de agosto, e os escandalosos eventos que levaram a essa suspensão. Mas a demora em concluir tal investigação é sugestiva, em especial porque Ferraço é um ativo crítico de Morales e teve um papel chave naquilo que ocorreu.
Ferraço é membro do PMDB, aliado do Partido dos Trabalhadores, embora crítico dos governos populistas sul-americanos. Foi ele a pessoa que ajudou o senador boliviano oposicionista Roger Pinto a conseguir asilo no Brasil e quem o esperou próximo à fronteira onde Pinto chegou clandestinamente em 24 de agosto, escapando de mais de um ano encerrado na embaixada brasileira em La Paz (pois Morales havia se negado a lhe conceder salvo-conduto).
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Para escapar, Pinto foi ajudado por Eduardo Saboia, principal colaborador do embaixador Biato. Saboia disse que atuou por conta própria, pela amizade que estabeleceu com o boliviano. Ambos são homens muito religiosos, ainda que pertençam a confissões diferentes.
Apesar do alegado pelo jovem diplomata, sua “ação humanitária” para tirar da Bolívia um Pinto “deprimido” – que violou ante os olhos do mundo a soberania do país andino –, ocasionou uma reviravolta no serviço exterior brasileiro. O ministro de Relações Exteriores, Antonio Patriota, teve de renunciar, dada a irritação da presidenta Dilma Rousseff com a gestão do Itamaraty, que, segundo alguns membros do Partido dos Trabalhadores, tem nas suas fileiras “direitistas” como Biato e Saboia, os quais neste caso teriam colocado sua ideologia acima do tato diplomático que deveriam demonstrar a Morales.
PublicidadeDurante os dois anos em que esteve na Bolívia, Biato fez uma forte representação perante as autoridades nacionais pelo cancelamento unilateral dos contratos que o país tinha firmado com empresas brasileiras; administrou como pôde a kafkiana detenção em Oruro de um grupo de torcedores do Corinthians após a morte de um menino, atingido por um rojão durante uma partida de futebol; criticou as políticas antidrogas; e, sobretudo, permitiu que Pinto se refugiasse em sua embaixada e de lá solicitasse asilo a Brasília.
Assim, Biato se tornou persona non grata para o governo boliviano, que pediu sua saída do cargo. Pouco antes do sucedido com Pinto, Biato havia sido designado pela presidenta Dilma para ser embaixador na Suécia. Mas, depois do escândalo, Dilma recuou. Agora, Biato e Saboia trabalham em Brasília, algo que no mundo diplomático equivale a uma sanção.
Antes da fuga de Pinto, as relações binacionais já eram extremamente complicadas: boa parte dos torcedores de que falamos permanecia na prisão embora outro corintiano presente na partida tivesse confessado, do Brasil, que ele que tinha lançado o rojão; os programas conjuntos de luta contra o narcotráfico mal começaram e as empresas brasileiras se queixavam de mau trato por parte das autoridades bolivianas, que, diferentemente das do resto da América do Sul, preferem trabalhar com companhias chinesas ou europeias do que com elas.
Já nesse momento houve rumores de que, dada a situação, o Brasil não substituiria Biato e deixaria a embaixada nas mãos de seu adido comercial, isto é, em um segundo nível.
É certo que pouco depois da confusão a presidenta Dilma teve de se desculpar com Evo Morales, realizando com ele uma reunião bilateral da qual tentava se esquivar até então. Também é certo que, segundo confessou ele mesmo posteriormente, Evo intercedeu pessoalmente junto à Justiça para que fossem liberados os torcedores dos Corinthians (e foi isso o que ocorreu).
Entretanto, as feridas são profundas e ainda não se fecharam, em especial porque a política externa brasileira não se acha exclusivamente nas mãos do governo, uma vez que é o resultado de disputas políticas internas, como ocorre em qualquer democracia com certa complexidade.
Por outro lado, a chegada de um embaixador a La Paz não implica segurança nenhuma para as facções políticas brasileiras de que os assuntos binacionais pendentes começarão a se resolver. De modo que ninguém em Brasília se angustia para voltar a ocupar uma embaixada que até poucos anos atrás era a mais importante da Bolívia (logo depois da estadunidense cair em desgraça).
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