A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por três votos a dois, afastar o crime de estupro de vulnerável em julgamento nessa terça-feira (12) a respeito de uma menina de 12 anos que engravidou em um caso com um homem de 20. O relator do caso, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, justificou o afastamento de crime com base na proteção do bem-estar da criança gerada neste relacionamento.
Na relação, o adulto buscava a moça de 12 anos na escola. Por conta disso, ela passou a abandonar as aulas. Quando descobriram a gravidez, a menina passou a morar com seu companheiro.
O caso foi inicialmente divulgado pelo blog Migalhas. Em primeira instância, após denúncia da mãe, o homem foi condenado à pena de 11 anos e três meses à luz do Código Penal, cujo artigo 217 estabelece o crime como “conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14 anos”.
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“O acusado, na única oportunidade em que foi ouvido, afirmou ter conhecimento da idade da vítima, bem como demonstrou o contexto amoroso da relação de ambos. A própria mãe da vítima tinha conhecimento da relação afetiva, sendo possível concluir que todos acreditavam estar diante de um relacionamento lícito, ainda que não desejado pela genitora”, diz a decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG).
Devido à justificativa do adulto de que acreditava estar em um relacionamento lícito, o Tribunal entendeu como “erro de proibição”, quando o acusado não têm ciência de que sua prática é um crime, e o absolveu da acusação inicial.
Para Ariel de Castro Alves, membro da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB de São Paulo, a tese do erro de proibição acolhida pela Justiça de Minas Gerais “é muito difícil de se sustentar”. Ex-secretário nacional dos Direitos da Criança, Ariel justifica a dificuldade com base na expansão de informações e das campanhas contra o abuso e exploração sexual na atualidade.
Com o mesmo entendimento, o Ministério Público de Minas Gerais (MP-MG) apresentou agravo regimental ao STJ para restaurar a condenação. A Corte, porém, negou provimento à ação, reafirmando a jurisprudência consolidada pela Súmula 593. Em decisão de 2021, a 5ª Turma do STJ também afastou a presunção de ocorrência do estupro em um caso semelhante.
O casal em questão, apesar de ter tido o filho quando a mãe era menor de 14 anos, decidiu morar junto. O adolescente e pai da criança trabalhava para sustentar a família. Na visão de Reynaldo Soares da Fonseca, que também foi relator do caso anterior, a aplicação da norma penal não seria justa e tampouco necessária, uma vez que incidiria diretamente em deixar mãe e filho desamparados.
Como votaram os ministros
O ministro Reynaldo Soares da Fonseca, relator do caso, reafirmou a jurisprudência do STJ ao votar contra o agravo do MP, afastando, portanto, a condenação de estupro de vulnerável. Em seu voto, o magistrado reforçou a defesa dos Direitos da Criança: “Criança menor de 14 anos não foi feita para namorar, foi feita para brincar, para ir para escola”. Depois, porém, justificou: “A vida é maior do que o direito. A antecipação da adolescência, da fase adulta, não pode acarretar prejuízo maior para aqueles que estão envolvidos e, mais ainda, para uma criança, que é a prioridade absoluta do Estado brasileiro”.
Acompanharam o relator os ministros Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik. O primeiro magistrado, inclusive, reforçou que “não há solução fácil” neste caso. “Ela [decisão de reconhecer o estupro] tem uma mensagem complicada: nós vamos permitir o encarceramento por um longo tempo de uma pessoa por uma situação que não é redutível a uma coisa fácil”.
Ariel de Castro Alves, do Conselho da Criança e do Adolescente da OAB de SP, reconhece a complexidade do caso e que a decisão do STJ “pode abrir um precedente perigoso”. No entanto, o advogado ainda aponta que a lei atual só possui agravantes aos casos de estupro e não há atenuantes, para casos em que o réu pode vir a ser o mantenedor da mãe e criança. “Deveriam existir atenuantes na lei para evitar a prisão do condenado num caso desse tipo, já que ele preso não vai poder sustentar o filho advindo da relação”.
A ministra Daniela Teixeira e o ministro Messod Azulay se opuseram a este entendimento. De acordo com a magistrada, a tese do erro de proibição é pouco crível e o caso não se trata de proteção à criança, e sim violência. “Não temos, no presente caso, uma família a ser protegida pelo Judiciário. Quando uma criança é submetida a situação de conjunção carnal, temos um âmbito de violência, e não de família.”
“O que vai acontecer é que os coronéis desse país vão misteriosamente se apaixonar pelas meninas de 12 anos. Essa será a principal excludente de ilicitude em todos os casos de estupro de vulnerável”, apontou a ministra justificando os riscos de o Judiciário transigir o artigo 217 do Código Penal no julgamento do agravo.
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