A quadra atual da vida das brasileiras e brasileiros é das mais tristes e delicadas. De um lado, cresce significativamente a pobreza. Cenas absurdas de disputas por restos de alimentos são veiculadas pelos grandes órgãos de imprensa. De outro lado, o Chefe do Poder Executivo Federal afronta as bases do Estado Democrático de Direito e não perde a oportunidade de ameaçar o regular funcionamento de indispensáveis instituições estatais, como o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional.
Na seara da advocacia, as advogadas já superam os advogados entre os inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Entretanto, nenhuma mulher foi eleita para o cargo de presidente das seccionais estaduais e distrital da OAB no atual triênio de gestão. Os dados da precarização da situação socioeconômica da maioria das advogadas e advogados são alarmantes. Com efeito, 44% dos integrantes da advocacia contam com renda mensal inferior a R$ 2,5 mil e 67% são autônomas e autônomos, segundo pesquisa do Datafolha.
Nesse triste contexto, com os traços destacados e outros tantos não abordados, a OAB percorre uma trajetória de contínua perda de legitimidade. As mais importantes lutas democráticas e por direitos sociais praticamente não contam com presença ativa da OAB. Percebe-se um lamentável sentimento de abandono no seio da sociedade civil, saudosa de outros tempos de protagonismo da Ordem. No seio da advocacia não é diferente. A integração à OAB é encarada como uma mera obrigação, um verdadeiro estorvo. Não existe um sentimento de pertencimento a uma instituição forte e capaz de proteger seus membros e garantir seus direitos e prerrogativas.
Leia também
A pista, mais do que segura, para responder a pergunta posta no título deste escrito é um olhar cuidadoso sobre as campanhas eleitorais nas seccionais da OAB. Aliás, a OAB tem uma forte tradição de combate aos abusos e desvios eleitorais. Foi o Conselho Federal da OAB o autor da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) que implicou no afastamento, por decisão do STF, do financiamento bilionário de campanhas eleitorais por empresas.
Ocorre que as campanhas eleitorais para ocupação dos órgãos diretivos da OAB, realizadas em todas as unidades da Federação nos meses de outubro e novembro de 2021, são marcadas, com honrosas exceções, por uma sucessão estarrecedora de eventos e festas onde ocorre farta distribuição gratuita de bebidas e comidas. Além desses itens, completam os gastos de milhões de reais, comitês espaçosos, amplas estruturas de propaganda e marketing, incluídas numerosas pesquisas. No Distrito Federal, uma das “grandes” chapas na disputa, entre dezenas de encontros, convidou advogadas e advogados para um “café da manhã com espumante e festa”. Um escárnio, repita-se, um escárnio, diante da realidade da maioria das brasileiras, brasileiros, advogadas e advogados.
Esse é o retrato de uma instituição que foi paulatinamente se distanciando de suas missões e se transformando preponderantemente num clube de grandes escritórios e grandes advogadas e advogados. São esses atores os responsáveis pelo sequestro da OAB. Um mecanismo de busca na internet revela onde atuam profissionalmente os advogados ocupantes dos postos mais relevantes nas chapas milionárias nas disputas de norte a sul do Brasil.
PublicidadeEsse sequestro tem os dias contados. Existem opções políticas e eleitorais para retomada da OAB para a imensa maioria das advogadas e advogados em praticamente todas as unidades da Federação. A crescente consciência da advocacia definirá um fim a esse estado de coisas. Afinal, “pode-se enganar a todos por algum tempo; pode-se enganar alguns por todo o tempo; mas não se pode enganar a todos todo o tempo” (frase atribuída a Abraham Lincoln).
A advocacia, advogadas e advogados conscientes de suas responsabilidades e de suas relevantes funções sociais, resgatará a OAB para o integral, efetivo e salutar cumprimento do art. 44 do seu Estatuto. Lá está escrito, com todas as letras:
“A Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade:
I – defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas;
II – promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil”.
> Outros artigos do mesmo autor
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.
Deixe um comentário