As primeiras associações entre a família Brazão e o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, mortos a tiros em 2018, surgiram pouco tempo após o crime. Um relatório da Polícia Federal apontou Domingos, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, como principal suspeito de ser o mandante do homicídio. Em 2019, ele chegou a ser denunciado pela então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, por obstruir as investigações, mas a denúncia foi rejeitada pela Justiça do Rio de Janeiro. O nome do atual conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro voltou a ser notícia em fevereiro, com a divulgação de trechos da delação premiada de Ronnie Lessa publicados pelo site The Intercept. Domingos sempre negou envolvimento com o crime.
Ele, o irmão Chiquinho Brazão, que é deputado federal pelo União Brasil, e o ex-chefe da Polícia Civil do Rio Rivaldo Barbosa foram presos neste domingo na Operação Murder Inc., da Polícia Federal, suspeitos de terem mandado matar a vereadora carioca há seis anos. As prisões foram feitas com base na delação premiada do ex-policial Ronnie Lessa, relatada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Ronnie e Elcio Queiroz, outro ex-PM, estão presos desde 2018, como executores do crime.
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Líderes de uma família com forte influência política no estado do Rio de Janeiro, os dois irmãos fizeram as investigações chegarem a Brasília. A citação do nome do conselheiro do TCE-RJ levou o caso para o Superior Tribunal de Justiça (STJ, e a do deputado federal fez subir mais um grau, para o Supremo Tribunal Federal (STF), por causa dos respectivos foros. O principal reduto da família Brazão é a Zona Oeste do Rio, mais especificamente o bairro de Jacarepaguá, região historicamente dominada pela milícia. Chiquinho e Domingos têm um irmão na Assembleia Legislativa, Pedro Brazão (União), primeiro vice-presidente da Casa.
Chiquinho e Domingos já tiveram seus nomes associados a outras acusações de fraude, corrupção e até homicídio. O conselheiro teve seu nome citado no relatório da CPI das Milícias.
Saiba mais sobre eles:
Chiquinho, o deputado federal
Em seu segundo mandato de deputado federal, Chiquinho Brazão tem 62 anos. Filiado ao União Brasil, teve passagens pelo MDB, pelo qual chegou à Câmara, e pelo Avante. Chiquinho foi vereador entre 2005 e 2018. Foram quatro mandatos seguidos, no último foi colega de Marielle Franco. O deputado se licenciou da Câmara entre outubro de 2023 e fevereiro deste ano, período em que comandou a Secretaria Municipal de Ação Comunitária. Ele foi desligado pelo prefeito Eduardo Paes, uma semana após a divulgação do envolvimento do seu irmão Domingos no caso.
Na Câmara dos Deputados, o acusado de mandar matar Marielle é autor de projeto de lei (PL 146/2021), que prevê o uso de tornozeleira por homens que agredirem mulheres. De acordo com o Radar do Congresso, do Congresso em Foco, Chiquinho votou conforme a orientação do governo em 83% das vezes. Em 2022, no entanto, ele apoiou a reeleição de Jair Bolsonaro.
Domingos, o conselheiro
Atual conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, Domingos Brazão foi deputado estadual entre 1999 e 2015. Em 2011, chegou a ter o mandato cassado por compra de votos pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio (TRE-RJ). O crime, segundo a acusação, foi cometido por meio de desvios praticados pelo Centro de Ação Social Gente Solidária, organização social ligada ao parlamentar. Conseguiu se manter no cargo após vitória no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Antes de virar deputado estadual, foi vereador por dois anos.
Empresário do ramo de combustíveis, Domingos foi acusado de integrar uma máfia do setor em 2004. Em março de 2017, foi preso pela Polícia Federal na Operação Quinto do Ouro, desdobramento da Lava Jato. Na ocasião, ele e outros quatro membros do TCE-RJ foram acusados de participar de um esquema de desvio de verbas públicas. Afastado do cargo por causa das investigações, voltou pouco tempos depois à função.
Em 2014, a deputada estadual Cidinha Campos processou Domingos Brazão por ameaça. Em uma discussão pública, Domingos disse que “já matou vagabundo, mas vagabunda ainda não”, em alusão à deputada. O conselheiro do TCE-RJ diz que cometeu o homicídio quando era jovem e alega que foi absolvido porque a Justiça entendeu que ele agiu em legítima defesa. “Matei, sim, uma pessoa. Mas isso tem mais de 30 anos, quando eu tinha 22 anos. Foi um marginal que tinha ido a minha rua, em minha casa, no dia do meu aniversário, afrontar a mim e a minha família. A Justiça me deu razão”, contou Domingos Brazão ao jornal O Globo.
Ainda ao jornal carioca, em janeiro deste ano, Domingos disse que entrou para a política por “paixão” e que começou sua vida vendendo carros e motos. Depois constituiu uma rede de 18 postos de gasolina. Ele declarou que passou a atuar com compra de galpões em áreas de baixo valor com o objetivo de revendê-los a grandes empresas.
Na mesma entrevista, manifestou intenção de voltar à vida política. “Já passei por muita coisa nessa vida. Não acho que tenha inimigos. Acho que, se o Lessa inventar um mandante, só vai piorar a vida dele, porque está aumentando seus crimes. Uma delação com falhas não será homologada, será rejeitada. O STJ é criterioso nisso. Eu sei que estou dormindo bem. Meu sono é o sono dos justos. Não sou santo. Sou político. Tive meus pecados, mas nunca fora da lei”, disse Domingos no início do ano.
O crime
A então vereadora Marielle Franco e Anderson Gomes foram assassinados em um atentado em 2018. No ano seguinte, A Procuradoria Geral da República indicou que Domingos Brazão tentava obstruir as investigações sobre o caso. A denúncia, no entanto, foi rejeitada pela Justiça do Rio. Segundo o Intercept, a principal hipótese para a motivação para Domingos ter supostamente ordenado o assassinato de Marielle foi a ligação da vereadora com Marcelo Freixo, atual presidente da Embratur.
Filiada ao Psol, Marielle foi eleita como defensora de pautas ligadas à inclusão social, mas começou sua carreira política no enfrentamento às milícias. Ela foi assessora de gabinete de Freixo na época em que este assumia o cargo de deputado estadual no Rio de Janeiro. Como parlamentar, Freixo presidiu a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Milícias na Assembleia do Rio.
Domingos foi citado no relatório final da CPI.
A delação de Ronnie Lessa se seguiu a de Élcio de Queiroz, também preso por envolvimento na morte de Marielle. Em 2023, Élcio deu detalhes sobre o atentado e a preparação para o assassinato. Ronnie Lessa foi expulso da PM e condenado, em 2021, a quatro anos e meio de prisão pela ocultação das armas que teriam sido usadas no crime. Ex-sargento da PM, Elcio foi expulso da corporação em 2015. Em sua delação, ele admitiu que dirigia o carro que perseguiu o veículo onde estavam a vereadora e seu motorista, além da assessora Fernanda Chaves, que sobreviveu ao atentado. Ele apontou a participação do ex-bombeiro Maxwell Simões Correa, o Suel, nas mortes de Marielle e Anderson. O crime causou enorme repercussão nacional e internacional.