Com evidente equívoco e patente iniquidade, tem o Supremo Tribunal Federal decretado a intempestividade de recursos extraordinários no processo penal, por entender aplicável o disposto no artigo 798, do CPP (Código de Processo Penal) — Todos os prazos correrão em cartório e serão contínuos e peremptórios, não se interrompendo por férias, domingo ou dia feriado —, sendo seguido pelo Superior Tribunal de Justiça em relação aos recursos especiais criminais.
É que, como sempre, sob o pretexto de maior produtividade e economia de tempo, preferem as Cortes Superiores adotar o caminho mais fácil, reafirmando precedentes mesmo quando não mais cabíveis diante da evolução legislativa a respeito.
Bater o martelo tal como posta convenientemente a questão sempre será sem dúvida o caminho mais rápido e cômodo. Mas certamente não será o mais jurídico e muito menos o mais justo.
Julgar como julgaram antes, sem perder tempo com novas trabalhosas análises. Pouco importa o esforço dos advogados em indicar peculiaridades de cada caso e suscitar novos fundamentos. Nem sustentações orais de advogados se admitem atualmente. Julgar sem o debate característico de colegiados. É o que fazem os tribunais nos dias de hoje.
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Ocorre que, antes da Lei 13.964/2019, que deu nova redação ao artigo 938, do CPP, o recurso extraordinário deveria ser processado na forma estabelecida pelo Regimento Interno do STF.
A partir daí, entretanto, o referido artigo 938, do CPP, ganhou outra redação, para determinar a aplicação do CPC (Código de Processo Civil) a respeito (O recurso extraordinário e o recurso especial serão processados e julgados no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça na forma estabelecida por leis especiais, pela lei processual civil e pelos respectivos regimentos internos).
PublicidadeNa verdade, quis o legislador, nesse ponto, reduzir o âmbito de incidência dos regimentos internos das referidas Cortes Superiores, ao exigir, primeiro, a aplicação de normas de leis especiais e, em seguida, as regras impostas pelo CPC acerca dos recursos constitucionais para, só depois, em último caso, permitir a observância de normas regimentais.
E é sabido que não há lei especial regulando os recursos extraordinário e especial na atualidade, até porque os artigos 26 a 29, da Lei especial nº8.038/90, sobre processamento de recursos nos tribunais superiores, foram revogados justamente pelo CPC (artigo 1.072, IV).
De outra parte, quando o já referido artigo 938, do CPP, utiliza a locução “serão processados”, deixa bem claro que todo o processamento (requisitos formais, interposição, prazos, incluindo à evidência a contagem de prazos, julgamento, publicidade) dos mencionados recursos constitucionais observará os preceitos do CPC.
Aliás, diante da revogação do artigo 26, da Lei 9.038/90, as Cortes Superiores, em relação ao prazo para a interposição dos recursos especial e extraordinário no processo-crime, tem observado, sem hesitação, o previsto no artigo 1.003, §5º, igualmente do CPC (O prazo para interposição de recurso conta-se da data em que os advogados, a sociedade de advogados, a Advocacia Pública, a Defensoria Pública ou o Ministério Público são intimados da decisão. … § 5º Excetuados os embargos de declaração, o prazo para interpor os recursos e para responder-lhes é de 15 (quinze) dias).
Ora, se o prazo do recurso é o da lei processual civil (CPC, art.1.003, §5º, por que negar a incidência do artigo 638, do CPP, somente em relação à contagem desse prazo a partir da regulação estabelecida no artigo 219, do CPC (Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis.)?
A propósito, já é antiga a preocupação do legislador em unificar as regras de processamento dos recursos extraordinário e especial tanto em matéria civil como em relação ao processo criminal e, ao mesmo tempo, reduzir nesse ponto a aplicação de regimentos internos dos tribunais.
Realmente, a Lei 3.396, de 2 de junho de 1958, por meio de seu artigo 6º, previu o cabimento do agravo em recurso extraordinário (o STJ e o recurso especial ainda não existiam à época) com prazo de cinco (5) dias para interposição, tanto na matéria criminal como na civil. Para isso, revogou, por seu artigo 8º, tanto os artigos 863 e 864, do CPC então vigente, como os artigos 632 a 636, do CPP.
Da mesma forma, a Lei 8.038, de 28 de maio de 1990, pelo artigo 44, revogou tanto os artigos 541 a 546, do CPC-73, como a já referida Lei 3.396/1958, que havia revogado os artigos 632 a 636, do CPP.
Não há dúvida, portanto, de que a Lei 13.964, 2019, ao dar a atual redação ao já mencionado artigo 638, do CPP, tinha o mesmo objetivo de unificar a regulação do processamento (cabimento, requisitos, interposição, prazos e sua contagem e julgamento) dos recursos especial e extraordinário em matéria civil e criminal.
Aliás, não se pode olvidar que o STF, ao tratar da publicação da pauta de julgamento virtual no recurso extraordinário, seja em matéria civil, seja na criminal, por exemplo, adaptou seu regimento à contagem de prazos somente em dias úteis (Resolução nº642, de 14 de junho de 2019 artigo 2º e §1º).
É necessário considerar também que o STJ, igualmente, a partir da vigência do CPC-2015, editou inúmeras Emendas Regimentais, como a 20, de 2 de dezembro de 2015, para alterar a redação do artigo 90, de seu Regimento Interno, adaptando-o à contagem de prazos em dias úteis; a 25, de 13 de dezembro de 2016 e 28, de 6 de dezembro de 2017, adaptando ao CPC a contagem de prazo em dias úteis no artigo 158, de seu Regimento; bem como, ainda, a 27, de 13 de dezembro de 2016, que criou o artigo 184-D, no Regimento Interno, adaptando-o ao artigo 219, do CPC, em relação à contagem do prazo em dias úteis.
Note-se que o artigo 90 encontra-se dentro do Capítulo III, que trata dos Atos e Formalidades do STJ, cuidando genericamente da matéria de Direito Privado e de Direito Público. O artigo 158 trata das Sessões, também incluindo matéria civil ou penal e o artigo 184-D, do julgamento virtual, incluindo os casos da área penal. E todos eles, como registrado, alterando a contagem de prazos para considerar apenas nos dias úteis. Ademais, a já mencionada Emenda Regimental 25, de 13 de dezembro de 2016, fez-se acompanhada de justificativa com menção expressa ao artigo 219, do CPC, que trata da contagem de prazos apenas em dias úteis.
Outro ponto relevante, ainda, para o exame da questão é o que aponta para o verdadeiro espírito da vigente redação dos artigos 638, do CPP, 219 e 220, do CPC.
Como é do conhecimento geral, antes da edição do CPC-2015, o sistema então vigente obrigava a OAB a se dirigir anualmente, “com o pires na mão”, aos diversos tribunais do país para conseguir, sem padrão, a suspensão de prazos no chamado recesso judiciário. Passou a pleitear, portanto, a instituição de um recesso judiciário padronizado no país, que coincidisse com as festas de final de ano e as férias do início do ano subsequente, de modo a, por tabela, conceder merecidas férias anuais aos advogados.
O certo é que a OAB conquistou a alteração legislativa, no CPC-2015, para a definitiva instituição do referido recesso padronizado, por meio do disposto no artigo 220, que suspendeu o curso dos prazos processuais do dia 20 de dezembro a 20 de janeiro (Suspende-se o curso do prazo processual nos dias compreendidos entre 20 de dezembro e 20 de janeiro, inclusive. … § 2º Durante a suspensão do prazo, não se realizarão audiências nem sessões de julgamento).
Entretanto, se os prazos processuais continuassem a ser contados de forma contínua e peremptória, todos os prazos que começassem a ser contados antes do referido recesso vencer-se-iam todos no primeiro dia do retorno, com um acúmulo de processos nos escritórios de advocacia, a ponto de transformar o já conturbado descanso anual do advogado em um tormento insuportável.
Daí a necessidade da contagem dos prazos processuais apenas em dias úteis, de modo que, não sendo contados durante o recesso, o vencimento dos prazos a serem cumpridos pelo escritório de advocacia ficariam distribuídos nos dias ou semanas subsequentes, de modo a não mais assoberbar exageradamente os trabalhos da advocacia.
Isso passou a ocorrer, de fato, na área civil, a partir de 2016, com a vigência do CPC-2015.
Como, todavia, a referida conquista beneficiou apenas os advogados atuantes na esfera do processo civil, havia necessidade de estendê-la aos advogados criminalistas. E, então, num primeiro passo, a Lei 13.964/2019 acabou dando nova redação ao artigo 638, justamente para, entre outras coisas, ao menos no âmbito dos recursos especial e extraordinário, unificar a regulação do processamento (cabimento, requisitos, interposição, prazos e contagem e julgamento).
Outro passo no mesmo caminho foi a criação do artigo 798-A, do CPP, pelo artigo 4º, da Lei 14.365, de 2 de junho de 2022, que alterou o Estatuto da OAB, impondo a suspensão de prazos processuais também no âmbito do processo penal entre os dias 20 de dezembro de 20 de janeiro (Suspende-se o curso do prazo processual nos dias compreendidos entre 20 de dezembro e 20 de janeiro, inclusive, salvo nos seguintes casos: …).
Esse direito do advogado criminalista, no entanto, cairá por terra, como demonstrado, se os prazos processuais no âmbito do processo penal não forem igualmente contados apenas nos dias úteis.
Simples assim.
Não há, pois, justificativa para que as Cortes Superiores continuem com sua mania de aproveitar antigos carimbos na defesa de tão inútil quando iníqua economia de tempo.
Ademais, o maior rigor na admissibilidade recursal no âmbito penal do que no civil, além de não atender ao princípio da isonomia (CF, art.5º), desconsidera igualmente o da eficiência dos atos dos Poderes Públicos (CF, art.37), mesmo porque, nada justifica, pois, que, enquanto para a interposição de um recurso constitucional no processo civil, questionando direito meramente patrimonial, conte o cidadão com maior prazo, o mesmo recurso interposto por outro cidadão no processo penal, para a obtenção do direito fundamental à liberdade, tenha o prazo mais reduzido.
Não custa acrescentar que, em nome do mais justo critério, para que todos os prazos previstos no CPP, indistintamente (não só em relação aos recursos especial e extraordinário), sejam contados também em dias úteis, já tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº1.821/2024, de autoria do Deputado Alexandre Guimarães, com esse objetivo, demonstrando ser esse o verdadeiro sentido da evolução legislativa a respeito.
Além disso, a interpretação de um dispositivo legal, sobretudo quando regula o processo penal, tem a ver diretamente com a segurança jurídica do cidadão, não tendo o menor cabimento o juiz aplicar a norma legal contra o seu fundamental e verdadeiro sentido.
A interpretação do artigo 638, do CPP, com a nova redação, não pode ser assim realizada, tão distante do princípio da garantia do mais eficaz exercício do direito de defesa no processo penal, sob pena de comprometimento da indispensável segurança jurídica que, à evidência, não pode continuar a ser veementemente defendida pelos tribunais tão somente quando se trata de assegurar bilionários dividendos a investidores internacionais.
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