Integrantes da Operação Lava Jato aguardam com expectativa a divulgação do vídeo da reunião ministerial em que, segundo o ex-ministro Sergio Moro, o presidente Jair Bolsonaro tentou interferir politicamente na Polícia Federal. Para eles, a gravação deve apenas confirmar uma certeza que sempre tiveram: a de que Bolsonaro nunca teve compromisso com o combate à corrupção e apenas surfou no assunto para tirar proveito político e eleitoral.
“Nunca acreditamos no compromisso de Bolsonaro com a causa anticorrupção, quer pela história, quer pelo que surgir sobre ele e sua família, quer pelas posturas no governo, como aquela sobre o pacote anticrime. Ele surfou na onda anticorrupção, mas nunca fez parte da onda anticorrupção”, disse ao Congresso em Foco um importante investigador da operação sob condição de anonimato.
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Segundo esse interlocutor, Bolsonaro só manifesta compromisso com o assunto por palavras, nunca por atos. A distribuição de cargos feita pelo presidente entre partidos do chamado Centrão (formado por partidos de centro e direita), quase todos atingidos pela Lava Jato, só reforça, no entendimento da força-tarefa, a política do “mais do mesmo”.
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“Preocupam muito os riscos de retrocessos: já houve retrocessos significativos no Congresso e no STF, que são o principal palco da luta anticorrupção, ao longo de 2019. A Presidência pode no âmbito da causa anticorrupção, basicamente, dar prioridade aos projetos anticorrupção na interlocução com Congresso, ampliar a lisura na relação com parlamento e não interferir nos órgãos de investigação como a PF, o Coaf, a Receita Federal e o DRCI [Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação]”, disse.
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A Lava Jato também vê com preocupação os ataques do presidente a instituições democráticas, com sua participação, por exemplo, em atos pró-intervenção militar e pelo fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal.
“Vemos agora retrocessos também no Executivo, nesses três aspectos. A aproximação com o Centrão mostra que virá mais do mesmo ao assumirem pastas com grandes orçamentos. Tão ruim quanto os retrocessos, se não pior, é o mau exemplo no tocante ao respeito à democracia, à imprensa e ao comportamento prossocial. Aí entra a solidariedade, e estudos mostram que a voz da autoridade tem grande influência sobre comportamento prossocial”, considera.
O coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, tem evitado dar entrevista sobre a saída de Moro, mas outro importante nome da operação, o procurador aposentado, Carlos Fernando dos Santos Lima, atacou o comportamento de Bolsonaro na queda de braço com o ex-juiz.
“Moro deve sair. Bolsonaro não é correto, não tem palavra, deixou o ministro sem qualquer apoio no Congresso tanto nas medidas contra a corrupção quanto durante o episódio criminoso da Intercept, e nunca foi um real apoiador do combate à corrupção”, escreveu Carlos Lima na véspera do pedido de demissão do ministro.
Nesta quinta-feira (14), o ex-procurador voltou ao Facebook para criticar a edição de uma medida provisória pelo presidente que livra autoridades de responsabilização por atos relacionados à pandemia.
“Bolsonaro está com medo. Por isso edita uma medida provisória se eximindo de ser responsabilizado. Além de completamente inconstitucional, ela nunca vai o eximir de seu negacionismo, de boicotar seus próprios ministros, de transformar um fato da natureza em um inimigo político, tentando jogar no colo de adversários políticos toda a responsabilidade pelo desastre econômico que viria inevitavelmente, mas que ele vai tornar pior. O comportamento de Bolsonaro, sintetizado no ‘e daí’ o número de mortos, ‘e daí’ que a cloroquina não funcione, enquadra-se no dolo, no ‘tanto faz’ que mais brasileiros morram por conta de minhas decisões. O importante é apenas a sua sobrevivência política”, publicou Carlos Fernando.
Eleição 2018
Bolsonaro se valeu dos desdobramentos da Lava Jato em sua eleição em 2018. A operação resultou na condenação do ex-presidente Lula, retirando um forte candidato à sucessão presidencial, desmoralizou o PT e reforçou o discurso anticorrupção, do qual o presidente se apropriou.
A operação sempre foi criticada por petistas e integrantes de outros partidos, que acusaram os investigadores e o ex-juiz Sergio Moro, que a conduzia de agirem politicamente – o que procuradores e o próprio Moro sempre negaram.
Em um de seus primeiros atos após a eleição, Bolsonaro chamou o então juiz para o Ministério da Justiça e Segurança Pública, prometendo dar a ele carta branca na pasta. Não foi o que ocorreu. O presidente desautorizou o auxiliar várias vezes, ressaltando que quem mandava era ele. No dia 22 de abril, Bolsonaro exigiu a troca do superintendente da PF no Rio, segundo Moro, pedindo a demissão do diretor-geral da instituição, Maurício Valeixo. O ministro deixou o governo acusando Bolsonaro de tentar interferir politicamente em investigações.
Na semana passada Bolsonaro nomeou o delegado Ronaldo de Souza como diretor-geral. Um de seus primeiros atos foi mudar o chefe da PF no Rio, chamando o titular, Carlos Henrique Oliveira, para ser diretor-executivo da instituição em Brasília.
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