Estamos às vésperas de duas importantes escolhas para o bom funcionamento de nossa democracia. Dois ministros do Supremo Tribunal Federal aposentam-se este ano. Uma vaga surgirá já em abril, a outra em outubro próximo.
A escolha é pessoal do presidente da República. Cabe a ele e só a ele escolher entre brasileiros que satisfaçam os requisitos constitucionais: notável saber jurídico, reputação ilibada, idade entre 35 e 70 anos. Ao Senado cabe o poder de referendar ou rejeitar a escolha do presidente da República.
Pelo andar da carruagem, segundo noticiam os principais veículos de comunicação, haveria três candidatos disputando a preferência do presidente da República neste momento. Todos muito bem preparados intelectualmente, experientes e bem sucedidos em sua trajetória profissional. Todos homens, para surpresa de ninguém em uma sociedade francamente machista.
Recém encerramos março, mês dedicado às discussões sobre igualdade de gênero, às lembranças dos extraordinários feitos realizados por mulheres, à conclamação para a construção de uma sociedade inclusiva e igualitária, em que homens e mulheres possam ser iguais em oportunidades e reconhecimento. As diferenças entre homens e mulheres no mercado de trabalho e no poder é reflexo da diferença que subsiste teimosamente na mentalidade prevalente de nossa sociedade. O machismo existe não só na mente de homens, como também na de numerosas mulheres. Ele se reproduz diariamente na doutrinação das crianças e jovens e nas armadilhas que a discriminação contra as mulheres espalha por todos os ambientes.
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Muitos advogam que as mudanças sociais são naturalmente graduais, que é preciso dar tempo ao tempo. A verdade é que o tempo não muda nada sozinho. Se não houver pessoas mobilizadas, clamando pela mudança, ela não ocorrerá por geração espontânea. No caso do machismo, por exemplo, os homens em posição de poder estão, na imensa maioria das vezes, cercados por outros homens, também em posições de poder, ou como seus colaboradores próximos. Suas escolhas para cargos e funções importantes recaem, por isso mesmo, com muito mais probabilidade, sobre homens, o que apenas reproduz a estrutura vigente. A escolha de uma mulher é altamente improvável e, quando ocorre, dá lugar a todo tipo de questionamento sobre o porquê dessa escolha, como se houvesse necessidade de uma razão especial para a escolha de uma mulher, não raro numa tentativa de desqualificar a escolhida.
No caso da disputa pela vaga no STF, dominada por nomes masculinos, escuta-se, aqui e ali, que, na vaga de outubro, que será aberta com a aposentadoria da ministra Rosa Weber, se uma mulher for escolhida para substituí-la, já terá sido uma grande vitória. Ora, claro que não! Terá sido um mero empate. Nenhum avanço terá ocorrido e uma grande oportunidade terá sido perdida.
PublicidadeEm um país em que mais da metade da população é do sexo feminino, em que 50,51% dos advogados inscritos na OAB são mulheres, que conformam também 38% dos integrantes da magistratura, o normal, o esperado, o que seria natural, não fosse o machismo reinante, seria ter ao menos cinco ministras do STF, podendo esse número chegar ocasionalmente a seis.
A metade e nada menos que a metade deveria ser a reivindicação da parte de nossa sociedade que deseja ver superado todo tipo de discriminação contra as mulheres. As mulheres estão terrivelmente sub-representadas na Suprema Corte brasileira. Se temos apenas duas mulheres na Suprema Corte, como infelizmente é o caso, então todas as próximas nomeações, incluída essa agora de abril, deveria ser reservada às mulheres. Enquanto não houver a igualdade substancial preconizada por nossa Constituição, estaremos vivendo um estado de coisas inconstitucional.
No Seminário Mais Mulheres na Política, realizado no Senado Federal, a ministra Carmem Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, registrou com acerto:
“A desigualdade é uma violência, mas nós não estamos mais no momento de buscar uma revolução eventual ou um movimento de mulheres. Nós somos mulheres em movimento histórico e inédito, sim, não é um ou outro movimento. Nós estamos em movimento permanente para que consigamos vencer essa etapa de barbárie contra a civilização, que é de tratar um ser humano como se fosse desigual do outro por ele ser o que ele é”. (grifou-se)
No mesmo evento, o presidente do Senado, Senador Rodrigo Pacheco, asseverou que:
“A sub-representação da mulher na política não é apenas injusta, é também prejudicial ao país. Isso tem que mudar. É uma sub-representação não apenas injusta, mas que tem consequências indesejáveis para o nosso país. Digo isso porque acredito que a maior participação das mulheres — além de fazer avançar as pautas femininas, evidentemente — traz um novo olhar para a política, muda o jeito de se fazer política.” (grifou-se)
Realmente, essa violência tem de acabar. Em todos os tribunais superiores, em todas as cortes de justiça, em todos os órgãos colegiados, metade das vagas devem ser destinadas às mulheres. Assim também no Congresso Nacional, nas assembleias legislativas e câmaras de vereadores. De nada adianta reservar cotas para mulheres nas listas de candidatos e testemunhar todo tipo de manobra para favorecer os candidatos homens de sempre. Precisamos de cota de 50% entre os eleitos, como fez recentemente o Chile. Se metade da população é feminina, assim também deve ser a representação dessa população. No Senado, uma das vagas de cada estado da federação deve ser reservada às mulheres, outra aos homens e a terceira deveria ser provida alternando entre homens e mulheres.
No campo dos direitos sociais, a licença paternidade e maternidade deveriam ser igualadas, cabendo ao casal indicar um de seus membros para uma licença longa, enquanto o outro ficaria com a licença curta. Isso contribuiria decisivamente para diminuir o preconceito contra as mulheres no mercado de trabalho.
Muitas dessas mudanças dependem de emendas constitucionais, mas a igualdade entre homens e mulheres no Supremo Tribunal Federal é algo que pode ser iniciado já na próxima nomeação. O presidente da República, se tratar desse tema como estadista, pensando em seu legado para a sociedade, e não como uma questão meramente pessoal, pode escolher já duas mulheres para as próximas duas vagas.
Por sua vez, o Senado da República pode exigir que assim seja, rejeitando nomes masculinos, até que as mulheres alcancem metade da composição do STF. Assim, teríamos um avanço real a ser celebrado, não apenas a tímida tentativa de manter duas mulheres em um universo de onze ministros. Embora essas duas vozes femininas tenham sido conquistadas com muita dificuldade, nada justifica que essa sub-representação continue e sua manutenção seja ainda celebrada.
O que a Constituição de 1988 quer é igualdade substancial, não apenas formal. Enquanto as mulheres estiverem sub-representadas nos órgãos colegiados que conformam nossas instituições, não estaremos cumprindo e honrando o que estabelece nossa Constituição ao declarar, logo no inciso I do artigo 5º, que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações.
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