O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), conseguiu na Justiça de Pernambuco ordem de reintegração de posse de uma área rural que ele diz ser sua, mas que nunca constou da relação de bens entregue por ele à Justiça eleitoral. De acordo com o site De Olho nos Ruralistas, Lira é proprietário de quatro imóveis no pequeno município de Quipapá (PE), localizado a 180 quilômetros de Recife.
Em agosto, o deputado conseguiu por meio da Justiça retirar um casal que ocupava há 50 anos uma área de cinco hectares em uma dessas fazendas, a Engenho Proteção. Cícero Paulo da Silva e sua esposa, Maria José de Oliveira Silva, foram obrigados a sair do sítio, localizado a pouco mais de um quilômetro da zona urbana de Quipapá.
A disputa pela terra foi revelada pela Folha de S.Paulo em 2022. Há três meses o Congresso em Foco mostrou que o presidente da Câmara omitiu da Justiça eleitoral uma série de propriedades rurais que constavam em seu nome, conforme registros em cartório. Entre elas, as propriedades em Quipapá.
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Nesse caso, porém, para comprovar a propriedade e conseguir a expulsão do casal, Lira protocolou na Justiça um contrato de “compromisso de compra e venda”, datado de 2008, no qual afirma que adquiriu uma área de 182 hectares por R$ 350 mil (o equivalente a R$ 821 mil em valores atualizados pela inflação do período).
Desde 2008, o deputado disputou quatro eleições e nunca incluiu essa fazenda ou esses direitos de propriedade em sua lista de bens. Lira afirma que todo seu patrimônio se encontra “devidamente registrado” junto à Receita Federal. Na declaração de bens entregue à Justiça eleitoral no ano passado, ele informou possuir R$ 6 milhões em propriedades. Próspero na criação de gado, o deputado não incluiu em sua relação patrimonial os animais de raça que possui.
A família de posseiros pediu o usucapião (direito sobre a propriedade devido à permanência prolongada). Segundo a Folha de S.Paulo, Lira havia entrado com ação de reintegração ainda em 2022. Sem definição em primeira instância, ele recorreu ao Tribunal de Justiça pernambucano, que decidiu em julgamento por conceder a liminar em junho.
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A área pertencia a uma antiga usina de cana que faliu na década de 1990. O contrato firmado por Lira envolvia os direitos de herança e meação do antigo proprietário, que havia adquirido parte das terras da antiga usina.
Os posseiros disseram à Justiça que estavam na área de maneira mansa e não violenta, plantando e criando animais no local, “exercendo assim a função social da terra”. A defesa do casal alegou ainda que, conforme o Código Civil, a aquisição da fazenda por Lira deveria ter sido feita por meio de escritura pública, sem a qual a negociação seria nula.
A saída dos ocupantes do local ocorreu de maneira pacífica em 25 de agosto, após intimação de oficial de Justiça. Arthur Lira disse à Folha que não lhe caberia emitir qualquer juízo de valor sobre o mérito de medidas judiciais, “mesmo no caso dessa decisão unânime do Tribunal de Justiça do estado de Pernambuco”.
No processo, Lira alega que cria no local gado puro de origem, principalmente nelore, “utilizando de tecnologia genética e nutricional” e que a área é produtiva. De acordo com os advogados do deputado, a fazenda não havia sido transferida em definitivo porque estava pendente na Justiça a formalização da partilha dos herdeiros do dono anterior.
Omissão de bens
A legislação eleitoral exige desde 1997 que todo candidato apresente a declaração de bens e valores que compõem o seu patrimônio para concorrer a um mandato. Em tese, a exigência legal torna o processo mais transparente e coíbe o enriquecimento ilícito. Na prática, porém, a realidade é outra: muitos candidatos omitem da Justiça eleitoral imóveis e outras propriedades, impedindo o eleitor de fiscalizar sua evolução patrimonial e abrindo margem para eventuais questionamentos sobre a origem desses recursos.
Considerado atualmente um dos homens mais poderosos da República, Arthur Lira era um deputado estadual quando pagou, entre 2004 e 2006, quase R$ 5 milhões (valor da época, ou cerca de R$ 16 milhões, em valor atual, conforme correção pelo IGP-M) por quatro fazendas em Pernambuco. Essas propriedades não constam da declaração de bens entregue por ele à Justiça eleitoral em 2006. Os bens declarados por Lira, na ocasião, somavam R$ 695.901,55 (valor da época).
Documentos revelam fazendas de Lira não declaradas à Justiça
Dossiê publicado na última segunda-feira (13) pela ONG De Olho nos Ruralistas, que monitora as atividades da bancada ruralista na Congresso, identificou que familiares do presidente da Câmara contabilizam a propriedade de 115 fazendas, em Alagoas e Pernambuco, dedicadas à pecuária. Dessas, seis são sobrepostas à Terra Indígena Kariri-Xocó, e outra, pertencente ao próprio deputado, é vizinha de um povoado indígena do mesmo grupo étnico.
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