No entendimento comum, o coronelismo é frequentemente associado ao contexto da República Velha, uma época na qual indivíduos ostentavam títulos militares, muitas vezes comprados ou obtidos em troca de favores, e exerciam influência sobre os votos dos subalternos, garantindo-lhes apoio político. Esta prática era uma manifestação clara de coação e abuso de poder. No entanto, é essencial perceber que a dinâmica do voto naquela época era mais complexa do que simplesmente a imposição de vontades.
O sociólogo inglês James Scott propôs uma categorização dos votos em três etapas: o voto imposto, o negociado e o que expressa aprovação ou desaprovação de uma bandeira política ou líder. Assim, nem todos os votos da era do coronelismo eram impostos ou negociados. Alguns surgiram da adesão genuína dos eleitores, influenciados, em grande medida, pela “ideologia da titulação”, um fenômeno enraizado na cultura colonial brasileira.
Esta “ideologia da titulação” refere-se ao respeito e admiração que os títulos e honrarias anexados aos nomes poderiam evocar nos eleitores. A posição social elevada, demonstrada por títulos, muitas vezes garantia uma adesão suave dos eleitores. O fenômeno foi bem capturado pelo termo “filhotismo”, cunhado por Vítor Nunes Leal.
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Hoje, mais de um século depois, ainda vemos resquícios dessa cultura no cenário político brasileiro. É notável a presença de títulos como “generais”, “coronéis”, “tenentes”, “delegados” e “doutores” nas campanhas eleitorais, além dos líderes religiosos, como “bispos” e “pastores”. Estes títulos funcionam como senhas políticas, ligando eleitores a candidatos que parecem emanar autoridade, elevação moral e liderança, transmitindo ideias de proteção clientelista, consolo material e espiritual.
Contudo, a Justiça Eleitoral já proíbe o uso de siglas de órgãos da administração pública no nome de campanha. Ora, se a lógica é evitar confusões e imposições que possam influenciar o eleitor, não seria a utilização de títulos e honrarias no nome da urna uma inconstitucionalidade ainda mais exasperada?
Diante de tudo isso, a inclusão de títulos e honrarias em nomes de urna não só contraria os ideais de democracia e república como também constitui uma manifesta inconstitucionalidade. Tal prática poderia, e deveria, ser proibida pelo Tribunal Superior Eleitoral ou até mesmo pelo Supremo Tribunal Federal, ante o candente descumprimento de preceitos fundamentais, inexistindo a necessidade de qualquer reforma legislativa para esse fim. Fazer isso seria mais um importante passo para garantir que a herança política do Século XIX seja, um dia, superada. É hora de nos desvencilharmos dessa herança e abraçarmos uma democracia mais livre e justa, onde todos os candidatos são vistos e avaliados em pé de igualdade.
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