O Congresso Nacional promulgou nessa quinta-feira (22) a PEC 9/2023, conhecida como PEC da Anistia Partidária, transformando-a oficialmente em emenda constitucional. Aprovada diante de constante protesto de organizações da sociedade civil, a nova lei caminha para uma nova etapa de sua discussão: o advogado e ex-juiz Márlon Reis, idealizador e articulador da Lei da Ficha Limpa, prepara uma ação para ingressar no Supremo Tribunal Federal (STF) para declarar a inconstitucionalidade do perdão às multas dos partidos.
A PEC da Anistia foi fruto de um acordo entre todos os grandes partidos com assentos no Parlamento, desde o PT, sigla do governo, ao PL, de oposição, para perdoar as multas impostas pela Justiça Eleitoral aos partidos que descumpriram as cotas orçamentárias de gênero e raça no pleito de 2022.
A emenda também abre a possibilidade de abatimento de multas com o Fundo Eleitoral, e estabelece o piso de 30% de uso dos recursos de campanha eleitoral para candidaturas negras e indígenas: medida da qual diversos especialistas temem se consolidar na forma de um teto, ao não estabelecer parâmetros de estímulo a aplicações superiores a este valor diante de uma população 56,1% negra, conforme o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Ao longo de toda a sua tramitação, apenas as bancadas da federação Psol-Rede e do Novo se opuseram à proposta, mas fora do Legislativo houve um amplo repúdio de organizações da sociedade civil: incluindo tanto movimentos de proteção aos direitos das mulheres, negros e indígenas, quanto entidades de defesa da transparência pública e da lisura do processo eleitoral.
Uma dessas organizações é a Educafro, que tem Márlon Reis como coordenador jurídico. “A PEC da Anistia é um atraso completo, e haverá o questionamento de todos os pontos da emenda no STF”, antecipou.
O jurista explica que a nova emenda contraria os acordos internacionais assinados pelo Brasil, cujos termos foram incorporados à Constituição. “O Brasil é signatário da Convenção Interamericana Contra o Racismo. Ela impede que haja a redução de políticas afirmativas até que o problema [do racismo] seja resolvido, e foi adotada como uma norma de natureza constitucional no país”.
PublicidadeAo anistiar as multas de descumprimento de uma ação afirmativa, Márlon Reis ressalta que o Congresso não está violando apenas seus compromissos externos. “Estão violando a Constituição, porque essas normas se tornaram internas. São pouquíssimos os instrumentos de proteção aos direitos humanos que foram incorporados dessa forma, e esse foi um deles. O Brasil não está acostumado a debater os efeitos dessa internalização constitucional de convenções internacionais”.
Em sua ação, o advogado também pretende apontar para a incompatibilidade entre a natureza da emenda e a da anistia enquanto estatuto. “A anistia deve ser um instrumento de defesa de direitos, reparar danos injustos provocados por poderosos contra pessoas vulneráveis. Esse é o espírito da anistia. Essa matéria, pelo contrário, visa agregar mais poder aos mais poderosos. Isso não existe na nossa Constituição”.
Mais do que definir se o conceito de anistia é ou não aplicável à situação, Reis espera que o julgamento possibilite a apresentação de uma definição final para o termo. “Esse é o grande espírito desta petição inicial: queremos que o Supremo finalmente diga o que é e o que não é anistia dentro da leitura constitucional, o que é um novo desafio”.
O último julgamento no STF a abordar diretamente a conceituação da anistia foi em maio de 2023, quando a Corte formou maioria pela anulação do indulto presidencial ao ex-deputado Daniel Silveira, do PTB (atual PRD), após este ter sido condenado por diversos crimes contra o Estado de Direito. A posição preponderante foi de que instrumentos como indulto, anistia e graça devem atender parâmetros de interesse público com base em demandas humanitárias, e não em interesses políticos pessoais ou eleitorais partidários.
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