por José Renato Nalini*
O Supremo Tribunal Federal brasileiro foi inspirado na Suprema Corte americana. Rui Barbosa era admirador do modelo e influenciou a sua adoção pela primeira Constituição republicana.
Os Estados Unidos sempre foram referência para a cultura tupiniquim. Já se ouviu dizer aqui que “o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”.
Não seria interessante se o nosso STF acompanhasse o padrão inspirador e também editasse um Código de Ética? Os justices ianques elaboraram um Código de Conduta, após pressão da sociedade, ante a revelação de presentes e viagens patrocinados por magnatas com interesse nas decisões.
Pode-se dizer que o nosso STF também se encontra sob pressão. O Parlamento acena com modificações que reduziriam a discricionariedade dos seus magistrados e propõe mandatos, em vez da estrita vitaliciedade. Já escrevi, em defesa do Supremo, que o seu protagonismo deriva da extensão minuciosa do texto fundante. O anseio nacional por redemocratização plena, produziu uma carta analítica, de conteúdo ambicioso e complexo. Todas as matérias nela contidas, embora formalmente constitucionais, não o são materialmente. Ou seja: não precisariam constar da Constituição. Deveriam ser abrigadas na lei infraconstitucional.
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A verdade é que, se todos os assuntos são constitucionais, isso acarreta um acúmulo de recursos, a sugerir aparente intromissão do STF em temas que não precisariam chegar à nossa 4ª instância judicial.
PublicidadeAo lado disso, parece que uma parcela da sociedade civil estranha a presença dos juízes do STF em congressos bancados por grupos empresariais submetidos à jurisdição do Tribunal.
Verdade que a produção do STF continua intensa, mercê do número de excelentes magistrados de primeiro grau convocados para redigir as minutas de votos. Só do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, consta haver cerca de trinta e nove juízes a serviço dos Tribunais Superiores.
Todavia, por que insistir em Código de Ética para o STF? O Brasil já dispõe de um Código de Ética para a Magistratura, editado pelo Conselho Nacional de Justiça em 2008. Não é obrigatório, constitui mera exortação para observância voluntária de parte dos juízes. Mas o STF é o único órgão do Poder Judiciário brasileiro imune à Corregedoria Nacional.
O texto aprovado pela Suprema Corte dos Estados Unidos enfatiza que “a ausência de um Código tem levado nos últimos anos ao entendimento equivocado de que os juízes desta Corte, ao contrário de todos os outros juristas neste país, consideram-se sem restrições em relação a qualquer norma de ética”.
Cabe recordar o óbvio: a magistratura é uma profissão cujo integrante, além de ser honesto, deve parecer honesto.
Seria um atestado de superioridade moral a adoção de um Código de Ética a que se submetessem também os membros da cúpula do Poder Judiciário e que seria por eles próprios redigido. Autocontenção é uma virtude negligenciada no Brasil.
Iniciativa como essa levaria os demais Tribunais Superiores e todos os outros – são mais de noventa no país – a considerarem a seriedade da ética, a matéria-prima de que o Brasil mais se ressente em nossos dias.
Ao STF, o constituinte cometeu a imprescindível missão de guarda precípua da Constituição. Significa o dever de de sinalizar à nacionalidade o que integra o ordenamento, pois compatível com a lei fundamental, ou o que dele não faz parte, por invencível incompatibilidade. O princípio da moralidade foi explicitado no texto constitucional. E o fundamento de toda a vida ética é a dignidade da pessoa humana.
Ser ético é um dever para todos os seres humanos. Todavia, para o juiz, esse dever é potencializado. Entrega-se à apreciação de cada um dos onze membros do STF, tudo o que interessa à humanidade: liberdade, patrimônio, honra, uma infinidade de assuntos que, judicializados, se condicionam à postura ética do julgador. “Negócios públicos ou privados, civis ou domésticos, ações particulares ou transações, nada em nossa vida escapa ao dever: observá-lo é honesto, negligenciá-lo, desonra”, já ensinava Cícero em “Os deveres”.
Subordinam-se os supremos julgadores à Constituição e à normatividade infraconstitucional por ela recepcionada.
Não desconhecem que a Lei de Introdução ao Direito Brasileiro enfatizou a necessidade de análise das consequências da decisão, do seu impacto no mundo real. É uma postura nitidamente ética, atentar para o resultado concreto do decisum.
No momento histórico em que a sociedade se metamorfoseia e em que a moral parece em frangalhos, a humilde aceitação de um protocolo ético funcionaria como elo de aproximação entre o STF e a sociedade. Parte desta enxerga seus juízes como arrogantes “donos da verdade”, com o direito de “errar por último”, imunes a qualquer responsabilidade.
Seria uma reinvenção do Supremo, uma resposta à corrosão dos ideais e valores obscurecidos, uma abdicação à ideia errônea – porém presente – de um senhorio prepotente e desvinculado das dores que o jurisdicionado enfrenta, ao iniciar a imprevisível jornada de um processo judicial nesta bizarra república.
* José Renato Nalini é mestre e doutor em Direito Constitucional pela USP e autor de “Ética Geral e Profissional” e “Rebelião da Toga”, entre outras obras. Ocupa a Cadeira nº 28 da Academia Paulista de Letras Jurídicas.
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