Corregedor nacional de Justiça, o ministro Humberto Martins decidiu arquivar nesta segunda-feira (10) o “pedido de providências” aberto contra o ex-juiz federal Sérgio Moro depois de uma queda de braço travada entre autoridades do Judiciário em razão de um dos pedidos de soltura do ex-presidente Lula. Em 8 de julho, Moro se insurgiu contra a ordem de soltura expedida em favor do petista pelo desembargador do Rogério Favreto, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), e conseguiu evitar a libertação do ex-presidente.
O vai-e-vem de liminares envolveu três desembargadores daquele Tribunal. Naquele dia, Moro estava de férias e entrou em campo para evitar a soltura, em linha direta com o comando da Polícia Federal e a cúpula do TRF-4. Por isso, foi acusado de violar leis da magistratura e praticar desvio de conduta. Favreto também foi acusado de extrapolar suas funções e virou alvo do processo.
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Além de Moro e Favreto, foram beneficiados com o arquivamento os desembargadores do TRF4 João Pedro Gebran Neto e Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, presidente da Corte. Além da expedição do habeas corpus, foram analisadas a batalha jurídica que a ela se seguiu, em pleno domingo de plantão judiciário, e as manifestações públicas que culminaram na manutenção da prisão.
O desembargador Humberto Martins diz não ter detectado indícios de desvio de conduta por qualquer dos magistrados investigados. Ele aplicou o artigo 68 do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça para levar ao arquivo os demais processos instaurados para apurar os mesmos fatos.
Duelo
Humberto Martins entendeu que Rogério Favreto atuou dentro dos limites de seu livre convencimento, respaldado pelos princípios da independência e da imunidade funcionais. “Não compete à Corregedoria Nacional de Justiça adentrar no mérito da decisão liminar proferida pelo desembargador federal Rogério Favreto e sobre ele fazer juízo de valor, por força inclusive de independência funcional preconizada pela Loman, em seu artigo 41”, frisou o corregedor, mencionando a Lei Orgânica da Magistratura.
Já sobre Sérgio Moro, Humberto Martins considerou que Moro expediu “despacho-consulta” para o relator dos recursos em segunda instância apresentados por Lula, Gebran Neto. Ao fazê-lo, alega o corregedor, Moro, responsável pela condenação do petista em primeira instância, buscou orientação acerca da legalidade da soltura do ex-presidente.
O livre convencimento do magistrado com base nos princípios funcionais também está configurado no caso de Moro, diz o despacho de arquivamento. “Não há indícios de que a atuação do investigado Sérgio Moro tenha sido motivada por má-fé e ou vontade de afrontar a decisão proferida pelo desembargador federal Rogério Favreto, estando evidenciado que o seu atuar buscava a melhor condução do feito, segundo o seu entendimento jurídico e percepção de responsabilidade social, enquanto magistrado responsável pela instrução e julgamento da ação penal condenatória e juiz posteriormente apontado como autoridade coatora”, acrescentou Humberto Martins.
Cúpula
Humberto Martins disse também não haver razão para reprovar a atuação de Gebran Neto, uma vez que ele se cercou de fundamentos jurídicos para expedir a liminar que impediu que Lula fosse solto, anulando decisão reiterada da Favreto. O corregedor diz entender que Gebran, presidente da 8ª Turma do TRF-4, atuou dentro dos limites de sua função jurisdicional e, assim, não pode responder a processo disciplinar no CNJ.
“Está evidenciado que o investigado desembargador federal João Pedro Gebran Neto, ao ser provocado por ‘despacho em forma de consulta’ proferido nos autos do processo original pelo então juiz federal Sérgio Moro, acerca da comunicação da decisão determinando a soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e também pelo MPF, atuou em decorrência de provocação e nos limites do seu livre convencimento motivado, amparado pelos princípios da independência e da imunidade funcionais, não havendo indícios de desvio funcional em sua atuação no caso em apreço”, alegou Humberto Martins.
Já a respeito da atuação do presidente do TRF4, Thompson Flores, que pôs fim ao duelo jurídico naquele domingo de julho, Humberto Martins argumenta que ele reagiu, investido de suas atribuições, a provocação do Ministério Público Federal (MPF) no sentido de manter Lula preso. Coube a Thompson
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Domingo na Corte
A decisão de Rogério Favreto tirou os ares de normalidade do domingo pós-eliminação do Brasil na Copa do Mundo da Rússia. De férias, tanto Sérgio Moro quanto Gebran Neto entraram em campo para manter Lula preso. A assessoria de comunicação da Justiça Federal no Paraná explicou que, “por ser citado como autoridade coatora no habeas corpus, ele [Moro] entendeu possível despachar no processo”.
Tão logo soube da decisão, Moro emitiu despacho para negar a soltura, sob a alegação de que o desembargador Favreto não tem competência para soltar Lula. O juiz federal encaminhou sua manifestação para Gebran Neto – relator do caso do tríplex do Guarujá, que resultou na condenação de Lula, na 8ª Turma do TRF-4 – em caráter de urgência. Nesse meio tempo, Rogério Favreto despachou uma segunda decisão reiterando a determinação de soltura em caráter imediato, sob pena de responsabilização criminal pelo descumprimento. No meio do fogo cruzado, a Polícia Federal descumpriu a ordem de tirar Lula da cadeia.
Com a devida provocação de Moro, Gebran Neto interrompeu seu recesso e expediu a ordem contra a execução de soltura. Para o desembargador Gebran, a decisão do plantonista é descabida e afronta o princípio da colegialidade, uma vez que o próprio TRF-4 já negou habeas corpus pedido pela defesa de Lula em outras ocasiões. Como Favreto expediu uma segunda liminar para soltar Lula, o que levou Thompson Flores a entrar em campo e barrar liminar do colega pela segunda vez.
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