Assista à cerimônia na íntegra e leia o discurso mais abaixo:
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) realizou na noite desta segunda-feira (3) a cerimônia de posse da ministra Cármen Lúcia como presidente da corte. Os presidentes Lula, Arthur Lira (Câmara), Rodrigo Pacheco (Senado) e Luis Roberto Barroso (Supremo Tribunal Federal) compareceram à cerimônia. A solenidade marcou as seguintes mudanças na corte eleitoral:
- Cármen Lúcia assume como presidente do TSE, no lugar de Alexandre de Moraes. Torna-se primeira mulher a ocupar a função duas vezes. A primeira foi em 2012.
- O ministro Nunes Marques toma posse como vice, posição que até agora era de Cármen Lúcia.
- Alexandre de Moraes deixa o seu mandato no TSE. Em seu lugar assume o ministro André Mendonça.
Cármen foi eleita para um mandato de dois anos, até 2026. Será responsável por conduzir as eleições municipais de 2024 à frente do TSE. Em seu discurso de posse (veja a íntegra mais abaixo), Cármen disse que a “mentira espalhada pelo poderoso ecossistema das plataformas” é um “desaforo tirânico contra a integridade da democracia”.
Leia também
“A mentira é um insulto à dignidade do ser humano, um obstáculo para o exercício pleno das liberdades. Um dos desafios contemporâneos, e que ocupa parte da ação da Justiça Eleitoral para que não prospere a mentira espalhada pelo poderoso ecossistema digital das plataformas, é um desaforo tirânico contra a integridade das democracias”, declarou.
A nova presidente do TSE ressaltou que a mentira das plataformas é um instrumento de “covardes e egoístas” e que é preciso combater o “algoritmo do ódio” nas redes sociais. A ministra sinalizou que via responsabilizar as big techs pela disseminação de desinformações no debate político. Segundo ela, as fake news são como um vírus que “contamina escolhas” e “adoece relações” na sociedade. “O dono do vírus produz o próprio ganho político, econômico, financeiro, social e eleitoral. O algoritmo do ódio, invisível e presente, senta-se à mesa de todos”, afirmou.
PublicidadeVeja a íntegra do discurso de Cármen Lúcia:
“Cumprimento os cidadãos e as cidadãs do meu país; cumprimento o excelentíssimo senhor presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, a quem, mais uma vez, agradeço em uma solenidade não apenas por estar aqui hoje, mas por ter sido quem me nomeou há 18 anos atrás para que fosse juíza do Supremo Tribunal Federal e, nessa condição, me proporcionou a possibilidade de estar aqui mais uma vez; cumprimento o excelentíssimo sr. presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, meu amigo ministro Roberto Barroso, na pessoa de quem cumprimento todos os colegas do Supremo Tribunal Federal, todos os membros do Poder Judiciário brasileiro, em especial os integrantes desta Casa, o Tribunal Superior Eleitoral; o excelentíssimo sr. presidente do Senado Federal, senador Rodrigo Pacheco, na pessoa de quem cumprimento todos os senadores da República, em especial aqueles que estejam presentes, e, por igual, cumprimento o excelentíssimo presidente da Câmara dos Deputados, deputado federal Arthur Lira, em nome de quem cumprimento os deputados federais; cumprimento o procurador-geral da República, doutor Paulo Gonet Branco, em nome de quem também cumprimento todos os que integram o Ministério Público Brasileiro, e, na pessoa do advogado doutor Beto Simonetti, cumprimento todos os advogados brasileiros; apresento também os meus cumprimentos aos senhores governadores de Estado aqui presentes na figura do governador Romeu Zema, da minha amada Minas Gerais; quero que o cumprimento seja considerado individualmente a cada qual dos governadores e, de uma forma especial, a meus concidadãos mineiros, especialmente aqueles que se deslocaram para estar aqui hoje comigo.
Eu tinha pedido até que houvesse manifestações muito breves, tinha dito isso ao presidente da República, e vou fazer exatamente o pronunciamento breve, considerando e agradecendo aqueles que foram feitos antes da minha fala.
“OBRIGADA, MINISTRO ALEXADRE, COMO CIDADÃ E COMO JUÍZA! “Porém, eu queria, inicialmente, cumprimentar com carinho muito especial o ministro Alexandre, até agora presidindo a Justiça Eleitoral Brasileira, que deu continuidade aos trabalhos de todos os que nos antecederam nesses 92 anos de existência da Justiça Eleitoral, este ramo do Poder Judiciário que tanto tem desempenhado papel determinante em favor da democracia Brasileira, especialmente em 2022.
A atuação deste grande ministro Alexandre de Moraes foi determinante para a realização de eleições seguras, sérias e transparentes no momento de grande perturbação provocada pela ação de antidemocratas, que buscaram quebrantar os pilares das conquistas republicanas dos últimos 40 anos.
Não ter tido êxito aquela empreitada criminosa foi tarefa de muitos, especialmente do Supremo Tribunal Federal e deste Tribunal Superior Eleitoral, com destaque que ficará para sempre creditado à ação firme e rigorosa do ministro Alexandre de Moraes. Por isso, ministro, com muito mais que ainda a fazer, porque a democracia é um afazer permanente, pelas instituições democráticas brasileiras, muito obrigada como cidadã e como juíza!
Neste Tribunal Superior Eleitoral, eu quero dedicar um cumprimento especial também ao ministro Nunes Marques, que assume o cargo de vice-presidente da Casa, porque compartilhar responsabilidades próprias na Justiça Eleitoral é um encargo que demanda aliança, sem a qual a caminhada seria muito mais difícil. E um cumprimento muitíssimo especial e carinhoso aos servidores da Justiça Eleitoral Brasileira, um modelo de profissionais dedicados e comprometidos. São diretamente responsáveis por assegurar que os mais de 150 milhões de eleitores brasileiros compareçam a seus locais de votação no dia das eleições, e tudo pareça fácil, e não é, para que, novamente seja assegurado aquele espaço de sacralidade democrática no qual o cidadão encontra a urna e nela deposita, com o seu voto, a escolha de seu destino cívico. Temos no Brasil 96.204 locais de votação, mais de 570 mil urnas eletrônicas disponibilizadas com a mesma segurança que essa Justiça dá a cada eleitora e a cada eleitor brasileiro.
Essa cerimônia repete-se porque a República o exige, a Constituição a determina e a democracia a impõe. Alternam-se as pessoas no cargo para não haver mudança nos objetivos republicanos, base da Constituição Brasileira. Mais uma vez, é ano de eleições livres e democráticas no Brasil. De eleições, no plural. São quase seis mil eleições. Esse é o número de municípios. Esse é um tempo de pergunta e resposta da cidadã e do cidadão a si mesmo: “Que cidade quero e em quem confio pra se chegar ao que aspiro e ao que preciso?” A pergunta é de todos. A resposta é pessoal, livre e, segundo a vontade de cada qual, pode ser secreta, como o voto.
O que distingue esse momento da história de todos os outros é o ódio e a violência, agora utilizados como instrumentos por antidemocratas para garrotear as liberdades, contaminar escolhas e aproveitar-se do medo como vírus a adoecer, pela desconfiança, as relações de cidadãs e cidadãos.
Assim, o dono do vírus produz o próprio ganho político, econômico, financeiro e social e, agora, quer também o eleitoral. O algoritmo do ódio invisível e presente senta-se à mesa de todos. É preciso ter em mente que ódio e violência não são gratuitos. Instigados por mentiras e vilanias, reproduzem-se, e esses ódios parecem intransponíveis. Não são! Contra o vírus da mentira, há o remédio eficaz da liberdade de informação séria e responsável.
A raiva desumana que se dissemina, produzindo guerras entre pessoas e entre nações, tem preço, e o preço pago por ceder ao medo e aos ódios é a nossa liberdade mesma. O fermento do ódio ao outro é o medo. Propaga-se a inaceitação da diferença. que pode enriquecer a vida, mas que se divulga como se fosse uma afronta ser diferente. Prega-se falsa unanimidade em bolhas, como se fosse igualdade. Não é. As mentiras que nas redes sociais se maquinam, alimentando indústria e enricando seus donos, não substitui a vida, mas dificulta a ação responsável das pessoas. A mentira é um insulto à dignidade do ser humano, um obstáculo para o exercício pleno das liberdades.
Um dos desafios contemporâneos, e que ocupa parte da ação da Justiça em geral e da Justiça Eleitoral no Brasil especificamente, para que não prospere, a mentira espalhada pelo poderoso ecossistema digital das plataformas é um desaforo tirânico à integridade das democracias. É um instrumento de covardes e de egoístas. Por essas mentiras, se busca contaminar a dignidade civilizatória conquistada até o presente pela garantia dos direitos humanos.
A mentira digital, multiplicada em extensão planetária, não vira verdade, não desfaz fatos, não engole a liberdade, mas é fabricada para destruir as liberdades. Instrumentos espúrio, a mentira digital maquia-se como lantejoulas brilhosas nas telas, a seduzir o olhar e a cegar o raciocínio sobre o que é mostrado. A mentira amolece a humanidade porque planta o medo para colher a ditadura individual ou política. Por isso é que, sem ser fácil desvendar mentiras, não se há de com ela compadecer nem deixar de a ela se contrapor. Melhor se prevenir contra elas, que são ágeis para brotar em telas, em comprometer a confiança, em facilitar malquerenças.
As plataformas se podem ler em dados que o intelecto humano é capaz de criar. Mas, até aqui, não descobriram o algoritmo da alma humana. O ser humano não foi ainda capaz de criar duas coisas, não podendo, então, incluí-las em suas telinhas mágicas, embora possa arremedar: não se criou ainda nenhuma fórmula de incluir e de ser inventada outra que não a liberdade humana, que é uma emoção, quase um sentimento. E o afeto em toda a multiplicidade dos sentimentos. Isso nos faz humanos e insubstituíveis por máquinas.
“Repito: nas máquinas, se podem criar arremedos de sensações, gostos e desgostos, mas as máquinas e as telas não dispõem da multiplicidade humana do sentir livre. Máquinas e telas são apenas coisas, poderosas algumas é certo. É preciso que elas sejam usadas para o bem das pessoas e podem ser usadas. O que não se pode é aceitar o mau uso, o abuso das máquinas falseadoras, que nos tornem cativos do medo, com suas mensagens falsas. Porque, se não rompermos o cativeiro digital, chegará o dia em que as próprias mentiras nos matarão. E, seguindo o vaticínio poético drummondiano, então morreremos de medo.
E é pelas liberdades como antídoto contra os medos, contra as mentiras e falsidades que enganam a vida e desvirtuam as relações. que fomentam o ódio e produzem violências, impedindo as liberdades de escolha e a integridade dos procedimentos, que a democracia há de ser buscada, fortalecida e garantida. Eleições democráticas são imprescindíveis para isto: para reaprumar condição humana livre no centro do seu próprio destino. Sozinho, na cabine de votação, o ser humano sabe o que é o autor de sua história.
Memo sendo difícil, porque é certo que é, a democracia é imprescindível para impedir que prosperem as mentiras e os medos e possam vicejar, então, os afetos e as liberdades. O temor industriado que dorme a corda, transformando sonhos em pesadelos e que faz ceder a liberdade à tirania dos espertos enganosos, mutila a confiança. E é essa, a confiança, a base da democracia, fundamento de atuação no presente para assegurar o futuro;
E note-se: futuro não é desculpa para não se comprometer com o presente e responsabilizar se pelos direitos que herdamos e os que podemos deixar como legados para os que vierem depois de nós. Estamos todos mais vulneráveis hoje do que em outros momentos da história. mas também hoje dispomos de muito mais instrumentos de ação para superar nossas vulnerabilidades. E o único caminho para ultrapassarmos o estado de desconfiança forjado, estimulada por telas e seus impiedosos donos, é nos responsabilizarmos pelos nossos direitos tão duramente conquistados.
A Justiça Eleitoral confia na eleitora e no eleitor brasileiros e no seu compromisso com eleições democráticas, refugadas as mentiras que contra elas podem conspirar. Para a cidadania livre é que foi essa Justiça especializada criada há mais de 90 anos. Pelas eleitoras e pelos eleitores é que trabalhamos. E continuaremos com empenho, engajamento e transparência. A Constituição e as leis da República estão sendo e continuarão a ser cumpridas com rigor e imparcialidade. Eleições com tranquilidade, segurança e integridade ocorrerão neste ano, como em anos próximos passados. A mentira continuará a ser duramente combatida. O ilícito será investigado e, se provado, será punido na forma da legislação vigente.
O medo não tem assento em alguma casa da Justiça. Até porque, como lembrava Rui Barbosa, não há salvação para juiz covarde. Ademais, geraizeira que sou, legatária de Hipólita Jacita, conjurada que lutou pelas liberdades afetuosas da República de Vila Rica, aprendi sua lição de que quem não pode com as coisas não se meta nelas porque mais vale morrer com honra do que viver com desonra.
O Poder Judiciário hoje e sempre, o Tribunal Superior Eleitoral em especial, atua para honrar cada eleitora e cada eleitor, mantendo a confiança na cidadania brasileira plena, reconquistada nesses últimos 40 anos. Seguimos nós, serventes a essa confiança, afetuosa e republicana, sabedores como somos de que é só pela confiança no outro ser humano que se constrói uma pátria democrática.
Muito obrigada!”
Deixe um comentário