Miguel Novaes e Angelo Ferraro *
Antes de mais nada, um alerta ao leitor: não iremos neste texto falar sobre os participantes dos ataques às instituições no dia 8 de janeiro de 2023, apesar de compreendermos que os julgamentos destes réus representam uma página importante na história do Brasil, como forma de reencontro da Justiça brasileira com a defesa eficaz da democracia.
Iremos tratar de um outro julgamento, do Inquérito 4342, que se encerrou no último dia 20 no plenário virtual do Supremo Tribunal Federal (STF). Este julgamento analisou a denúncia apresentada pela então lavajatista Procuradoria-Geral da República (PGR) contra diversos agentes do Partido dos Trabalhadores (PT), em razão do acordo de leniência firmado entre a empresa Odebrecht e o Ministério Público Federal.
É sabido por todos nós que as experiências autoritárias se utilizam da lei como instrumento para impor a sua ordem, com o objetivo de conferir ares de legalidade e legitimidade ao regime. Entretanto, a história nos conta como direitos e garantias fundamentais eram ignorados e desrespeitados, onde se imperava a força e a violência contra seus opositores.
A ditadura civil-militar brasileira, iniciada em 1964, nos dá grandes exemplos dessas práticas. Logo após o golpe, há a edição do Ato Instituição nº 1, que visava “institucionalizar” o novo regime, que prometia ser mera transição. Não suficiente, foram editadas diversas outras normas e até mesmo constituições, buscando recrudescer a perseguição aos opositores e garantir a perpetuação dos militares no poder.
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Enquanto isso, os porões da ditadura vitimavam milhares de brasileiros e brasileiras, sem que fossem respeitados seus direitos humanos básicos; cabendo-nos lembrar do rogo de Sobral Pinto para que ao menos a lei de defesa aos animais fosse aplicada aos presos políticos.
PublicidadeO Brasil, a duras penas, consegue superar esse momento sombrio de sua história e, com a Constituição de 1988, instaura uma nova fase na vida política brasileira, com a previsão de ser um Estado Democrático de Direito, contendo um amplo rol de direitos e garantias fundamentais, além de instituições que possuem como função respeitar e preservar à democracia.
Contudo, temos observado recentemente que as democracias nunca estão livres de ataque. Os tempos mudam, mas a receita antidemocrática não. Ainda há quem acredite ser possível utilizar do Estado, de suas prerrogativas e funções, para poder perseguir aqueles que discordam e, com isso, tentar silenciar seus opositores políticos.
É aqui que resgatamos o julgamento concluído pelo STF no último dia 20 de novembro que, ao rejeitar a denúncia apresentada pela PGR contra a presidenta do Partido dos Trabalhadores, deputada Gleisi Hoffmann, em razão de supostos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, deu mais um passo para a retomada democrática no Brasil, como iremos explicar melhor a seguir.
A Operação Lava Jato surgiu, ao menos para o grande público, como uma grande investigação encabeçada por servidores públicos contra grandes corruptos e corruptores, e tinha como objetivo mudar o país. Após diversos episódios dessa grande “novela”, a história foi se alterando paulatinamente. Aqueles que se diziam “apolíticos”, lançaram-se como candidatos nas eleições subsequentes, sustentando plataforma política contrária àqueles que perseguiram.
Conversas reveladoras foram trazidas à tona, onde demonstravam que o objetivo desses personagens jamais foi o de prezar pela legalidade, mas o de perseguir privilégios e derrotar aqueles que defendiam bandeiras políticas diferentes das suas. E, ao fim, demonstrou-se como o poder estatal, ostentado por essas autoridades, subjugou direitos e garantias fundamentais de investigados para conseguir alcançar os seus objetivos.
Essa constatação levou ao ministro Dias Toffoli reconhecer, ao declarar a imprestabilidade do acordo de leniência firmado pela empresa Odebrecht e o MPF, que as técnicas utilizadas pelo órgão acusador se revelaram como um “pau-de-arara do século 21”, em alusão às torturas antes praticadas por agentes estatais contra presos políticos no Brasil para obter informações sobre os seus alvos de perseguição.
É evidente que a tortura não tem espaço na democracia. É certo que as táticas utilizadas pelo Ministério Público nestas investigações ignoravam o norte democrático que deve pautar a atuação do órgão acusador, para impor flagrante desrespeito aos direitos constitucionais de todos os envolvidos, sendo importante para o fortalecimento da retomada da democracia brasileira que o Poder Judiciário atue no sentido de rejeitar as medidas tomadas por aqueles que agiram em desconformidade com os preceitos legais para buscar atacar seus adversários.
Essa decisão da Suprema Corte certamente é mais um passo para a interrupção do processo de erosão democrática que o Brasil vivenciou nos últimos anos, utilizando-se da trincheira do direito penal como um dos fronts a ser enfrentado nessa batalha.
Apesar de a decisão do ministro Dias Toffoli comentada acima ter impacto direto no deslinde da causa, o que foi manifestado até mesmo pela PGR no processo, a abertura do processo penal foi rejeitada pelo ministro Edson Fachin (relator) com fundamento da ausência de justa causa na denúncia apresentada, independentemente dos fatos supervenientes. O voto do ministro Fachin foi acompanhado por maioria e reconhecido, conforme demonstrado exaustivamente pela defesa, que não havia justa causa para o recebimento da denúncia, sendo um processo frágil e sem provas, que não tinha outro desfecho possível que senão o seu arquivamento.
* Miguel Novaes é sócio do escritório Ferraro, Rocha e Novaes advogados. Formado pela Universidade de Brasília (UNB), é pós-graduado em Direito Penal Econômico pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG). Especialista em Direito Constitucional, atua em diversas ações no Supremo Tribunal Federal. Tem ampla experiência em Direito Eleitoral representando o Partido dos Trabalhadores nas campanhas presidenciais de 2020 e 2018.
* Angelo Ferraro é sócio do escritório Ferraro, Rocha e Novaes advogados. Mestrando em Direito Público pelo Instituto de Direito Público (IDP). Especializado em Direito Constitucional e Empresarial, atua em Tribunais Superiores, Tribunais de Contas e Agências Reguladoras.
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