Passado o período de acirramento eleitoral e com a vitória de um governo pautado pelos valores democráticos e humanos, estamos acompanhando a chamada transição da gestão federal e assistindo a criação de grupos temáticos voltados para a consolidação de ideias, o mapeamento de projetos e a sugestão de novas práticas para uma esperançosa governança que nos coloque de volta nos trilhos do avanço civilizatório.
Com tantas lideranças envolvidas, imprimindo representatividade, lugar de fala e sobretudo, escuta, para desafiadoras propostas que façam nosso país prosperar, cabe perguntar ao presidente eleito e sua equipe se já temos um plano pedagógico de gerenciamento da máquina pública que “ensine” gestores e gestoras a liderarem sem qualquer traço de racismo, misoginia, lgbtfobia, preconceitos de todo tipo e ordem e assédios morais e sexuais?
Sim, estou a perguntar, ou sugerir, se nessa “transição” estamos pensando para além dos números orçamentários apresentados ou para as promessas feitas durante a campanha, e nos preocupando também com a mudança de postura nas estruturas das relações de trabalho dentro de toda a máquina pública federal. Carece pensarmos nisso com relativa urgência pois assistimos por quatro anos a passagem do governo mais assediador e infrator de normas básicas trabalhistas e de civilidade que temos notícia, onde denúncias eram diárias e se tornaram rotineiras tamanha a normalização de condutas absolutamente inadequadas, vexatórias, humilhantes e preconceituosas sofridas pelos servidores e servidoras públicas em toda a Esplanada dos Ministérios, passando por bancos federais (vide a demissão do presidente da Caixa), autarquias, agências reguladoras, do Planalto à Planície como costumamos dizer na Capital Federal.
É sim “para ontem” e com a rapidez necessária ensinarmos aos novos gestores e gestoras que chegarão e assumirão seus postos que determinadas expressões, gestos, ações – sejam elas proferidas “de ofício” ou “de boca” – não cabem mais, não são aceitas, não podem ser toleradas se ensejam assédio moral ou sexual, racismo, misoginia, lgbtfobia, palavras capacitistas e toda a espécie de linguagem inadequada que fere e coloca o “comandado” em situação de opressão, diminuindo sua importância no ecossistema de construção de um novo Brasil gestado por um governo que se pretende inclusivo, responsivo e focado numa gestão que acolhe diferenças e se alegra com a diversidade de um país de dimensões continentais como o Brasil.
Portanto, é fundamental que esta gestão federal comece por “dar o exemplo”, que ofereça treinamento a seus gestores e gestoras através de cursos, palestras, manuais, leituras, oficinas onde a linguagem inclusiva seja “espraiada”, aplicada desde os ofícios internos até as entrevistas públicas de prestação de contas do órgão, onde seja possível identificar conquistas mínimas que evidenciem por exemplo, igualdade de gênero e combate e eliminação ao racismo estrutural. Não é mais compreensível que tenhamos de ler ou ouvir de um gestor ou gestora pública que o assédio sexual ou moral “denigre” a administração pública, que determinada função tem “características masculinas”, que é preciso “deixar de mimimi” e trabalhar “sem frescuras”, “chiliques” ou “viadagem”. É acintoso ter de se defender deste tipo de linguagem e é cansativo ensinar quem deveria nos “ensinar” o óbvio num ambiente de trabalho gerido com recursos públicos.
É preciso que a equipe de transição do novo governo arregace as mangas e que essa “proposta sugestão” para uma gestão federal inclusiva e livre de assédios seja pautada como prioridade. Que não percamos a oportunidade de implantar um governo não só de direito, mas de fato administrativamente igualitário, humano, aprendiz e professor do processo evolutivo individual intransferível e também coletivo para o nascimento de um novo Brasil, um novo tempo e quiçá: um novo mundo!
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