O Centrão é um dos personagens centrais da política brasileira nas últimas décadas. O termo “Centrão” foi utilizado para denominar um grupo suprapartidário de parlamentares, com claro viés de direita, criado no final do primeiro ano da Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988. O agrupamento político em questão assegurou ao então presidente da República José Sarney a manutenção do sistema presidencialista e o mandato de cinco anos.
Um dos líderes do antigo Centrão cunhou a famosa máxima “é dando que se recebe”. Em outras palavras, como identificou a imprensa na ocasião, o “dando” significava apoio parlamentar e o “recebe” envolvia indicações para cargos no Executivo e o controle de verbas orçamentárias. Considerações acerca das diretrizes de governo, formatação das políticas públicas e caminhos para aumentar a eficiência dos serviços públicos nunca foram “preocupações” do Centrão.
O antigo Centrão aparentemente deixou de existir com o final do governo Sarney. No entanto, um novo Centrão, operando nas mesmas bases do anterior, foi formado e ganhou espaço continuamente. Tudo indica que no Governo Lula 3 atingiu o auge de sua força política. “A aprovação de um valor recorde de emendas parlamentares para o ano que vem [2024] consolida um fenômeno iniciado em 2015: desde então, o bloco do centrão se apodera cada vez mais do dinheiro do orçamento diretamente, a ponto de criar um calendá
rio para 2024 estabelecendo quando o presidente deve liberar os recursos. Enquanto a Presidência perdeu poder de barganha, os deputados passaram a dispor do triplo do valor das emendas em comparação com o montante de 2015” (fonte:
noticias.uol.com.br).
O presidente da República vetou o referido calendá
rio de liberação (ou execução) de emendas parlamentares (fonte:
g1.globo.com). “O relator da LDO, Danilo Forte, afirmou que a decisão do planalto afeta a previsibilidade e a transparência de execução do orçamento e avisou que vai trabalhar para derrubar o veto” (fonte:
band.uol.com.br). A “derrubada” desse veto pelo Congresso Nacional (ou pelo Centrão) parece algo “líquido e certo” para boa parte dos analistas políticos.
O Centrão possui características bem singulares. Trata-se de um bloco suprapartidário informal que jamais deixou de ser governo. Esteve com Sarney, Collor, Itamar, Fernando Henrique, Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro. A coloração político-ideológica do governante é irrelevante para o Centrão. A governabilidade será patrioticamente ofertada ao governo de plantão em troca de cargos, verbas, favores e toda sorte de vantagens que possam ser transformadas em recursos pecuniários e votos do eleitor.
É possível afirmar, embora o sistema de governo seja formalmente presidencialista, que o Centrão governa. A força política do Centrão pode ser vista, sem maiores dificuldades, nos cortes e alocações de recursos no orçamento da União, no crescente espaço das emendas parlamentares, na ocupação de postos de Ministros de Estado e cargos estratégicos na Administração Pública, especialmente em estatais com orçamentos bilionários. Sintomaticamente, o termo “semipresidencialismo” é ouvido e lido com frequência crescente.
Ademais, a pauta no Congresso, notadamente na Câmara dos Deputados, só avança como e quando o Centrão “deseja”. Além de fisiológico e clientelista, o agrupamento é essencialmente conservador. Assim, só deixa “passar” o que está em certa consonância com a manutenção do perverso status quo vivenciado na sociedade brasileira.
O Centrão funciona como claro instrumento limitador para o governo de plantão. Existem assuntos, medidas, políticas e escolhas que não podem ser efetivadas. Nesse sentido, o Centrão é um eficiente “cão de guarda” na preservação de uma sociedade profundamente desigual e marcada por toda sorte de discriminações e opressões.
Para um governo como o atual, o Centrão é uma “mão na roda”. Como efetivamente não pretende nenhuma transformação significativa na realidade socioeconômica pode convenientemente atribuir ao Centrão as famosas “travas de governabilidade”.
O Centrão, como hábil operador da tal governabilidade, mostra seu poder de tempos em tempos. As votações de questões acessórias no Parlamento são momentos ideais para demonstrações inequívocas de força política com um mínimo de danos relevantes.
Recentemente, o Centrão revelou a sua “cara”. E o fez de modo especialmente singular. Votando com a oposição ao atual governo federal, o Centrão aprovou uma inusitada emenda ao projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias. A proposta do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) proíbe que o orçamento da União de 2024 destine recursos para ações relacionadas com a invasões de terras, cirurgias em crianças para mudança de sexo e hipóteses de abortos não previstos em lei.
A proposição é uma pérola da atividade parlamentar. Afinal, veda a destinação de verbas para iniciativas claramente proibidas na ordem jurídica brasileira. Entretanto, o que concretamente chamou a atenção foi o quadro de votos observado na Câmara dos Deputados. 305 parlamentares aprovaram a emenda e 141 deputados rejeitaram a presepada legislativa.
Não é preciso muita intimidade com os meandros do mundo político para identificar o que a votação da proposta em questão representou, para além das aparências e formas. Em uma afirmação simples e direta, a votação da referida emenda à LDO revelou, em números, a força do Centrão.
A aritmética elementar apontou que a soma de votos do Centrão e da oposição deixa o governo em posição extremamente delicada. Sequer os 172 votos necessários para evitar a abertura de um processo de impeachment restaram nas hostes governistas.
A fala do deputado federal Lindbergh Farias (PT-RJ) resume com clareza e precisão o quadro político operado pelo Centrão: “A votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias mostrou que, de fato, não temos votos sequer para barrar o processo de impeachment. Estamos brincando com fogo. O centrão está engessando o Orçamento da União. Na hora que o presidente Lula tentar se libertar, pode ser que não tenhamos mais como resistir” (fonte:
noticias.uol.com.br).
Como o fisiologismo e o clientelismo dos integrantes do Centrão foram sufragados com milhões de votos populares, temos uma inequívoca demonstração do gigantesco déficit de educação política da maioria dos eleitores brasileiros. Repito, à exaustão, que este país somente construirá soluções populares consistentes e duradouras com fortes doses de cidadania ativa, nas vertentes da conscientização, organização e mobilização dos interesses dos segmentos majoritários e oprimidos da sociedade.
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