“O governo Bolsonaro chega ao fim do mandato em meio a uma ameaça real de colapso dos serviços públicos”. A frase é uma síntese do que descreve o relatório final do Gabinete de Transição Presidencial, apresentado na manhã desta quinta-feira (22) pela equipe de transição no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). De acordo com o texto, o diagnóstico da situação deixada pelo governo Jair Bolsonaro é o passo inicial do “processo de reconstrução” que o novo governo presidido por Luiz Inácio Lula da Silva propõe.
“Os livros didáticos que deverão serão usados no ano letivo de 2023 ainda não começaram a ser editados; faltam remédios no Farmácia Popular; não há estoques de vacinas para o enfrentamento das novas variantes da covid-19; faltam
recursos para a compra de merenda escolar; as universidades corriam o risco de não concluir o ano letivo; não existem recursos para a Defesa Civil e a prevenção de acidentes e desastres. Quem está pagando a conta deste apagão é o povo brasileiro”, diz o texto do relatório.
Em 73 páginas, em seções divididas por cada um dos 32 grupos temáticos da transição, que analisaram as informações obtidas junto ao atual governo e também coletadas por instituições que atuam no acompanhamento de cada área, apresentam um diagnóstico da situação herdada e que terá de ser enfrentada a partir do próximo ano.
Veja abaixo a íntegra do relatório apresentado:
Em vídeo, Lula fala sobre o relatório entregue. Veja abaixo:
Radiografia do desmonte
O primeiro capítulo do relatório tem como título “Radiografia do desmonte do Estado e das políticas públicas” e apresenta dados gerais da situação encontrada.
“A herança do governo Bolsonaro é a desorganização do Estado e o desmonte dos serviços públicos essenciais. Esses processos foram contínuos, abrangentes e sistemáticos, sendo parte do seu projeto político-ideológico de redução e enfraquecimento institucional do Estado. O desmonte respondeu a uma lógica de menos direitos para a maioria, e mais privilégios para uma minoria”, diagnostica o relatório.
Segundo o relatório, houve um “processo de enrijecimento dos gastos reais primários, no que diz respeito ao desfinanciamento das políticas públicas de saúde, previdência e assistência social, dentre outras”. Mas ressalva: “No entanto, para atender suas necessidades de sustentação política, em quatro anos o atual governo furou o teto de gastos por cinco vezes, gerando gastos no valor de cerca de R$ 800 bilhões”.
Mapa da fome
“O legado dos quatro anos do governo Bolsonaro é perverso. Ele deixa para a população o reingresso do Brasil no mapa da fome: hoje são 33,1 milhões de brasileiros que passam fome e 125,2 milhões de pessoas, mais da metade da população do país, vive com algum grau de insegurança alimentar”, descreve.
O relatório descreve a situação nas áreas. “Os cortes no orçamento da saúde para 2023 são da casa de R$ 10,47 bilhões, o que inviabiliza programas e ações estratégicas do SUS [Sistema Único de Saúde], tais como: farmácia popular, saúde
indígena, e o programa HIV/AIDS”, enumera. Ainda na área de saúde, ressalta o problema da fila de atendimentos especalizados, como cirurgias eletivas, que cresceu “de forma vertiginosa” durante a pandemia.
“Na educação, o governo Bolsonaro mostrou seu descompromisso com o futuro”,prossegue. “Cortou deliberadamente recursos, não contratou a impressão de livros didáticos [informação que já havia sido antecipada pelo Congresso em Foco], colocando em risco a qualidade do ano letivo em 2023. E contribuindo para ampliar a evasão escolar que cresceu com a pandemia, o governo Bolsonaro congelou durante quatro anos em R$ 0,36 centavos por aluno a parte da União para a merenda escolar”.
“Sob o governo Bolsonaro, o Brasil bateu recordes de feminicídios, as políticas de igualdade racial sofreram severos retrocessos, produziu-se um desmonte das políticas de juventude e os direitos indígenas nunca foram tão ultrajados na história recente do país”, diz o texto.
“A dimensão da participação social em âmbito governamental sofreu paralisações e retrocessos institucionais. Em praticamente todas as três grandes áreas de políticas públicas para o desenvolvimento nacional – Desenvolvimento Social e Garantia de Direitos, Desenvolvimento Econômico e Sustentabilidade Socioambiental e Climática, e Defesa
da Democracia e Reconstrução do Estado e da Soberania –, houve claro retrocesso participativo e o desmonte dos principais instrumentos e mecanismos de relacionamento Estado/Sociedade”.
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Meio ambiente
“Quanto ao legado do governo Bolsonaro no âmbito das políticas ambientais e climáticas, é notório o rebaixamento organizacional e a falta de compromissos com os acordos internacionais”, segue o texto. “A destruição ambiental nos dois últimos anos foi a maior em 15 anos. Em quatro anos, o governo Bolsonaro destruiu 45 mil km² com desmatamento
só na Amazônia”.
O relatório critica ainda o programa de desestatização feito por Bolsonaro, que teria se caracterizado por “decisões erráticas que implicaram em: desnacionalização patrimonial e perda de soberania nacional; desarticulação dos investimentos públicos indutores e multiplicadores dos investimentos privados e do próprio crescimento econômico”. O relatório exemplifica com o setor de energia. “Os consumidores de energia elétrica poderão pagar uma conta que pode chegar a R$ 500 bilhões nos próximos anos, em razão de uma série de ações tomadas pelo governo Bolsonaro no setor elétrico”.
“No tocante às relações federativas, o governo Bolsonaro foi responsável pela maior crise do sistema federativo desde a redemocratização. A União provocou desunião. Observou-se o enfraquecimento dos elos federativos em torno das principais políticas setoriais da área de Desenvolvimento Social e Garantia de Direitos. O exemplo maior foi o papel desarticulador do Governo Federal no enfrentamento da pandemia da COVID-19”, prossegue o texto.
Enfrentamento aos demais poderes
“No que diz respeito à relação entre os três poderes e o respeito aos preceitos constitucionais, a Presidência da República adotou atitude de enfrentamento aos demais Poderes, bem como ação contínua de afronta aos marcos legais do regime democrático”, critica o relatório, acentuando os problemas que aconteceram especialmente na relação de Bolsonaro com o poder Judiciário e alguns ministros, principalmente o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes.
“No tocante à Política Externa Brasileira, o governo isolou o país de seus vizinhos e dos âmbitos multilaterais, e não pagou cotas a organismos internacionais, deixando o país sem voto nestes fóruns”, observa. “Sob a égide de Bolsonaro, constata-se um profundo rebaixamento e desprestígio internacional do Brasil no concerto das nações”.