O agronegócio foi o setor que mais investiu na candidatura à reeleição de Jair Bolsonaro e o que mais demonstra dificuldade até o momento de desembarcar do atual governo, passadas mais de três semanas desde a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva. Empresários do setor têm sido identificados como financiadores de atos golpistas em rodovias e nos quarteis generais do Exército.
Mas o grupo escalado para fazer a transição para o novo governo trabalha para resgatar o apoio desse importante segmento do PIB nacional com a promessa de um agronegócio moderno, o “agro 4.0”, mais conectado digitalmente e baseado no equilíbrio entre produção, meio ambiente e sustentabilidade.
“Lula, que foi o ‘pai do Luz para Todos’, em todo os rincões do país, agora será o ‘pai da internet para todos’. A interconectividade no campo será fundamental para termos uma produção mais eficiente de alimentos e levar oportunidade aos filhos dos trabalhadores do campo”, diz ao Congresso em Foco o senador Carlos Fávaro (PSD-MT), integrante do grupo de trabalho (GT) da agropecuária e nome cotado para comandar o Ministério da Agricultura e Pecuária. Além dele, também é lembrado como possível ministro o coordenador do GT, o deputado Neri Geller (PP-MT).
Para Fávaro, a “parte racional” do agro já compreendeu que a eleição passou, tem consciência dos limites constitucionais e não financia atos golpistas. “As entidades de classe já estão pensando de forma objetiva. Lula é o presidente. Acabou. Eles também sabem que Lula foi o melhor presidente para o agronegócio na história do país”, afirma.
PublicidadeSustentabilidade ambiental
Segundo o senador, o agro não sentirá saudade de Bolsonaro, que, na avaliação do senador, pouco fez para o setor. “Queremos uma revolução com o agro 4.0, com sustentabilidade. Não dá para deixar de lado o pilar econômico, com a abertura de mercado. Mas não dá para desconectar o agro da sustentabilidade ambiental”, explica.
O senador considera que a presença de Lula na Conferência do Clima da ONU (COP27), no Egito, já representou uma abertura para o mercado brasileiro ao sinalizar os compromissos que o país assumirá com a agenda socioambiental, como a neutralização na emissão do carbono e a redução do desmatamento.
Para ele, o desafio maior do novo governo na área do agro será atuar de maneira transversal. “Os ministérios da Cidadania, do Meio Ambiente, da Agricultura e da Fazenda terão de atuar de maneira conjunta. Não podemos esquecer o pilar da sustentabilidade social. Não dá para o Brasil ser reconhecido como o grande produtor mundial de alimentos e ter 33 milhões de pessoas passando fome no país. Precisamos combater isso de forma transversal”, defende o senador.
Carlos Fávaro considera desproporcional o apoio dado pelo agronegócio a Bolsonaro. “O que fez Bolsonaro? Juros de 18% ao ano. Autorizou armas, autorizou fazer guerra no campo”, critica, antes de tentar explicar os motivos da atração pelo atual presidente. “Ele teve muito apoio do agro por causa da retórica. Resgataram essa coisa do início do PT de que iam taxar as exportações, tomar terras. Um discurso muito radical do início dos anos 80 do PT que não condiz com a realidade. Temos um lapso temporal grande. O Lula incentivou muito o setor”, acrescenta.
Fávaro entrou para a política após forte atuação no agronegócio em Mato Grosso. Foi vice-presidente da Associação dos Produtores de Soja do Brasil (Aprosoja Brasil) e presidente Aprosoja-MT. Também presidiu a Cooperativa Agroindustrial dos Produtores de Lucas do Rio Verde (Cooperbio Verde) antes de se filiar ao PP e se eleger vice-governador do estado em 2014 pelo PP, na chapa de Pedro Taques (PSDB).
O produtor rural chegou ao Senado em dezembro de 2020, após vencer eleição convocada após a cassação da senadora Selma Arruda (MT). Ele aponta os itens que considera mais positivos das duas gestões de Lula para o agronegócio. “Criou a CNTBio para regulamentar a produção e comercialização de transgênicos. Até Lula o Brasil plantava soja transgênica contrabandeada da Argentina. Ele repactuou dívidas de R$ 85 bilhões de agricultores com 20 anos para pagar, deu crédito com juro de 2% ao ano. Criou programa de biodiesel, etanol de milho, fez o Código Florestal para termos segurança jurídica. Investiu maciçamente em infraestrutura, rodovias e portos”, cita Carlos Fávaro.
Biocombustíveis
O grupo de Agricultura, Pecuária e Abastecimento pretende concluir seus trabalhos até 12 de dezembro. Nesta terça-feira (22) o GT fará sua primeira reunião com a Frente Parlamentar Mista do Biodiesel (FPBio) para debater os planos para os biocombustíveis e, mais especificamente, o biodiesel.
O encontro ocorrerá na Câmara. A bancada espera que os representantes da transição afirmem como ficará o teor de mistura do diesel a partir de janeiro.
O teor de mistura do biodiesel no diesel fóssil foi fixado em 10% em 2022, como justificativa para conter a alta dos preços dos combustíveis no país. A FPBio defende que o aumento gradual da mistura seja retomado no próximo ano, com o porcentual fixado em 14% até o fim de fevereiro e 15% a partir de março.
“Vamos ouvir os mais diversos setores. A primeira fase é do diagnóstico atual do ministério. Uma transição com tanta gente é bonita de se ver democraticamente. Mas não pode cada um chegar com ideias mirabolantes. Elas precisam ter conexão com o plano de governo aprovado pelas urnas. O desafio é transformar o plano de governo em medidas políticas”, afirma Carlos Fávaro.
Na semana passada o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, determinou ao Banco Central o bloqueio de contas bancárias de 43 pessoas físicas e jurídicas do agronegócio suspeitas de participar de atos em defesa da intervenção militar no país. Segundo Moraes, o bloqueio das contas é “necessário, adequado e urgente, diante da possibilidade de utilização de recursos para o financiamento de atos ilícitos e antidemocráticos”. Ele faz referência ao envio de mais de 100 caminhões para a sede do Exército em Brasília, onde milhares de bolsonaristas estão acampados, pedindo um golpe militar.
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