[bs-quote quote=”“Não se pode aprender uma ciência sem saber do que se trata”.” style=”default” align=”left” author_name=”Aldous Huxley ” author_job=”Admirável Mundo Novo” author_avatar=”//static.congressoemfoco.uol.com.br/2018/08/audus.jpg”][/bs-quote]
Em 2015 realizamos uma pesquisa inédita chamada “O Perfil do Profissional de Relações Governamentais” com mais de 160 executivos, que levantou importantes dados sobre capacitação, cargos, experiência e remuneração para compreendermos e pensarmos a atividade e seu agente principal. As descobertas levantadas pela pesquisa serviram ainda de base para outras análises, tendo sido usadas como referência no estudo Lobbying no Brasil: profissionalização, estratégias e influência (Ipea), e na reportagem Lobby, crime ou negócio (IstoÉ Dinheiro).
Para este ano, realizamos uma nova edição da pesquisa, revisada, ampliada e dividida em três fases. Na primeira etapa, abordaremos quantos são, onde estão distribuídos e como estão concentrados os profissionais de Relações Governamentais no Brasil. A segunda fase analisará as competências mais demandadas desses profissionais e a terceira trará um amplo “raio x”, cruzando dados para revelar nuances do “lobista brasileiro”.
Importância da pesquisa
Compreender o universo de Relações Governamentais ainda é um desafio no Brasil. Um dos esforços mais importantes nesse processo é o de dimensionar o universo sobre o qual estamos tratando. Muito se conjectura, mas ainda são poucas as reflexões baseadas em evidências, principalmente pela escassez de dados que nos levem a um maior entendimento e um debate mais qualificado.
Em tempos de discussão de governo participativo, relações colaborativas e transparentes para discussão de políticas públicas e regulamentação do lobby, é muito importante entendermos todos os elementos envolvidos nessa relação. O profissional de Relações Governamentais, ou lobista, como é coloquialmente chamado, é corriqueiramente taxado de uma pecha da qual não é merecedor.
PublicidadeTrazer um olhar acurado e imparcial, despido de conceitos pré concebidos e verdades de prateleira, é fundamental para afastarmos folclores e trazermos uma compreensão baseada em fatos sobre esse profissional, que é agente e objeto de políticas públicas.
Desafios
Um grande desafio desse dimensionamento é o vasto rol de nomenclaturas utilizadas. Entre as variações estão assuntos governamentais, assessoria parlamentar, public affairs, government affairs, etc. De fato algumas nomenclaturas podem dizer respeito a uma atuação específica relativa a um Poder (assuntos legislativos, por exemplo) ou relativa a uma fase do processo decisório (assuntos regulatórios, idem).
Outra dificuldade inerente à pesquisa é que, apesar de alguns profissionais efetivamente exercerem a atividade de defesa de interesses em políticas públicas, o simples nome do cargo não é suficiente para identificar esse profissional. Por exemplo, alguns são chamados de diretor de assuntos estratégicos ou diretor de relações externas, etc. Durante o processo percebemos que “lobista” é uma nomenclatura em desuso formalmente.
Outro grande desafio refere-se à escassez de bases de dados que forneçam informações consistentes e específicas. Apesar de existir uma classificação específica para a ocupação na na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), a inclusão na lista ocorreu apenas neste ano. Sendo recente, não há, ainda, dados capazes de fornecer um retrato atual. Da mesma forma, o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) também não dispõe de números específicos para a categoria.
Essas bases não são (ainda) suficientes para tratar os dados como universo. A falta de conhecimento das empresas e do próprio profissional, falta de interesse em alterar o registro pela não obrigatoriedade de atualização no sistema Rais/Caged penalizam as análises estatísticas socioeconômicas.
O esforço realizado neste trabalho foi o de extrair os dados disponíveis e combinar resultados, de forma a traçar um quadro capaz de se aproximar tanto quanto possível da realidade. Em vez de preencher espaços faltantes, preferimos reduzir o volume achado do que construir novas informações. Isso nos leva a um resultado conservador, mas consistente.
Por isso, fazemos a ressalva de esse processo ser como escavar um fóssil: embora faltem partes impossíveis de serem apuradas, o achado nos permite ter uma melhor visão sobre nosso objeto de pesquisa.
Premissas
Para isso partimos de algumas premissas. A primeira delas é de natureza conceitual: consideramos profissional de Relações Governamentais aquele cujas competências estão descritas na atual redação do Projeto de Lei 1202 de 2007, com o qual já publicamos as razões de convergência com a definição, na Classificação Brasileira de Ocupações do Ministério do Trabalho e na literatura de referência.
Numa síntese, consideramos aqueles que atuam, de maneira remunerada ou não, no relacionamento com os poderes públicos para defesa de interesses em políticas públicas, seja para análise, sugestão, formulação ou fiscalização.
A segunda premissa é que consideramos, por força de disposição constitucional, as associações de classe e as entidades sindicais como organizações de defesa de interesses. Esse conceito também já está estabelecido na literatura especializada.
Metodologia
No primeiro passo da pesquisa, estimamos a quantidade de profissionais que atuam, mesmo não tendo o registro em CLT, em Relações Governamentais. Devido ao fato de o Ministério do Trabalho não efetivar o registro em sua Classificação Brasileira de Ocupações, a mensuração desse profissional acaba se tornando uma tarefa difícil.
Para identificarmos a quantidade de profissionais nessa atividade, foram utilizados dois critérios de mensuração. Primeiro identificamos o universo de entidades por meio da compilação dos dados da Rais/Caged, na qual toda empresa é obrigada a declarar sua atividade por meio da Classificação Nacional de Atividade Econômica (Cnae).
O segundo passo foi identificar um padrão médio da quantidade de pessoas que atuam com Relações Governamentais nessas entidades. Para isso foi realizada uma pesquisa primária (survey) com 270 profissionais, questionando o tipo de organização onde o profissional atua e a quantidade de profissionais que atuam na área.
A quantidade de entidades de classe e entidades sindicais foi obtida por meio do somatório das seguintes atividades: 1) atividades de organizações sindicais; 2) atividades de associações de defesa de direitos sociais; e 3) atividades de organizações associativas patronais e empresariais. Esse resultado representa o universo de entidades relacionadas às atividades acima discriminadas.
O universo estimado de profissionais é o resultado médio dos profissionais em cada porte de empresa, coletados por meio da pesquisa primária. Para cada porte, foi utilizada a metodologia do Ministério do Trabalho e exportado para o universo da quantidade das empresas de cada porte, utilizando o universo da quantidade de empresas coletadas pelo próprio Ministério do Trabalho. Assim, foi possível chegar ao um resultado estimado do universo de profissionais dessa área.
Utilizando a mesma metodologia, foi possível separar as entidades por porte e pelas unidades da federação.
Os números são conservadores, pois deixam de considerar profissionais de empresas, ONGs, consultorias e organismos internacionais. Mapeamos apenas os profissionais ligados a associações de classe e entidades do sistema sindical, pois são as organizações para as quais existem, hoje, dados consistentes.
Ainda que seja possível discutir possíveis limitações das amostras utilizadas, foram utilizados metodologia consagrada e os melhores dados disponíveis. O resultado nos leva a uma notável evolução na compreensão do universo das Relações Governamentais.
Resultados
A primeira evidência apurada é em relação ao número de profissionais que atuam na atividade. Com base nos dados do CAGED e na pesquisa survey foi possível estimar que no Brasil existem 96 mil profissionais que atuam na atividade de Relações Governamentais.
O resultado obtido por meio da média de quantidades de pessoas atuando com Relações Governamentais por porte a nível Brasil, foi o seguinte:
Uma observação curiosa e que merece registro é que, por meio de pesquisa realizada na base de dados do Linkedin, rede social profissional, foram encontrados 8.056 profissionais que se autodeclaram profissional de Relações Governamentais, seja com este nome ou com variações de nomenclatura que se encaixam no conceito, conforme falamos acima.
Outro resultado interessante é o da quantidade de profissionais por unidade federativa. São Paulo é o estado com maior número de profissionais, ~2,5 vezes mais que o segundo colocado, Minas Gerais. O DF aparece em 8º na lista.
O resultado geral obtido foi o seguinte:
Em seguida verificamos onde estão distribuídos os profissionais de Relações Governamentais, o percentual por unidade federativa. São Paulo tem quase um terço de todos os profissionais de Relações Governamentais do país. Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas, Rondônia, Amazonas, Sergipe, Piauí, Tocantins, Acre, Amapá e Roraima possuem, cada, menos de 1% do total.
Por último, nessa primeira fase da pesquisa, identificamos onde estão concentrados os lobistas, a concentração de profissionais por unidade federativa. Santa Catarina, Distrito Federal e São Paulo lideram a lista, nessa ordem. Em Santa Catarina e no DF para cada 10 mil habitantes há cerca de 10 profissionais de Relações Governamentais.
Os resultados surpreendem ao mesmo tempo em que trazem outras reflexões e questionamentos. O universo de entidades sindicais está em atual mutação por conta do fim da contribuição sindical. Isso certamente trará reflexos no futuro próximo em decorrência do resultado da reação das entidades: algumas se fundirão, outras se aglutinarão, outras irão desaparecer. Em poucos anos teremos uma fotografia diferente.
A crescente oferta de novas vagas e o constante aumento da profissionalização desses agentes são ainda indicativos do crescimento do mercado de RelGov, o que também trará uma nova realidade em poucos anos.
Esses dados, e as respectivas bases, ainda serão considerados para as outras fases da pesquisa, que serão publicadas ainda esse ano.
* Eduardo Ribeiro Galvão, executivo e professor de Relações Governamentais (Ibmec e UniCeub) e fundador do Pensar RelGov.
* Mauricio Oliveira Medeiros: Formado em Ciências Econômicas e Pós Graduado em Gestão Tributária (Uninove e FECAP)
1. HONAKER, James. KING, GarY. What to Do about Missing Values in Time-Series Cross-Section Data. American Journal of Political Science. Vol. 54, No. 2, Abril de 2010, pp. 561-581.
2. SENADO FEDERAL. Painel ILB – Legislativo, Democracia e Relações Governamentais. 12 de fevereiro de 2016. Disponível em https://www.youtube.com/watch?
3. GALVÃO, Eduardo Ribeiro. Fundamentos de Relações Governamentais. Brasília: Clube de autores, 2016.
4. MANCUSO, Wagner Pralon. GOZETTO, Andréa Cristina Oliveira. Lobby e políticas públicas. São Paulo: Editora FGV, 2018.
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