A atual política de repressão às drogas, além de não surtir efeito sobre a redução no número de usuários, fortalece a ação das facções criminosas. Essa é uma das principais conclusões da nova versão do Atlas da Violência, relatório anual do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vinculado ao Ministério do Planejamento, e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado na última terça-feira (18).
“O proibicionismo é um dos elementos que ajudou a impulsionar a criação de facções criminosas no Brasil – hoje em torno de 70 – não apenas via o encarceramento em massa, mas também por propiciar uma elevada renda econômica a grupos criminosos, que garantem assim as condições para investir em armas e em corrupção policial e de outros servidores do Estado, o que garante a sua sobrevivência”, alerta o relatório.
Os pesquisadores ressaltam que a atual política de proibição de drogas se desviou de seu objetivo original, de retirar narcóticos de circulação, e passou a visar a “retirada de pessoas ‘indesejáveis’ de circulação”. Os métodos para a prisão de pessoas por tráfico refletem o viés social e racial da criminalização, com adoção em massa de abordagens de policiamento ostensivo em via pública ou com entrada em residências sem prévio mandado judicial de busca e apreensão”.
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Além de considerar a criminalização de drogas como um fator de fortalecimento das facções, o estudo demonstrou um elevado custo socioeconômico e dano à saúde pública por consequência do proibicionismo. Apenas somando os estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, os custos com aparato policial e institucional voltado à guerra às drogas chegam a R$ 5,2 bilhões ao ano.
A guerra às drogas chegou a ser apontada como nociva ao próprio sistema educacional, principalmente em função da elevada incidência de tiroteios nos bairros mais pobres, comprometendo o acesso da população às escolas e motivando evasões escolares. O acesso à saúde também fica comprometido pelo mesmo motivo.
Na saúde, também se observa o aumento da pressão sobre os hospitais públicos exatamente em função da perda violenta de vidas humanas relacionada à guerra às drogas. “Um exemplo representativo dessa perspectiva é a nota do Sindicato dos Servidores da Polícia Civil do Estado de MG cujo título esclarece que ‘Tráfico de Drogas está ligado a quase 70% das mortes em MG . Caso fosse esse o percentual de mortes associadas ao tráfico no Brasil, em relação ao total de homicídios, estaríamos falando de cerca de 32 mil vidas perdidas apenas no ano de 2022”, destaca o relatório.
PublicidadeO cruzamento de dados realizado pelos institutos que elaboraram o relatório demonstra que o proibicionismo possui alvo específico: 53,9% dos réus condenados por tráfico de drogas em 2019 eram, simultaneamente, homens negros, com idade inferior a 30 anos. Também se observa que os critérios alegados pelos policiais nesses processos para abordagem não coincidem com as estatísticas: a maioria alega escolher os alvos de abordagem com base em comportamento suspeito e denúncias anônimas, mas estas raramente constam nos inquéritos policiais.
O Atlas da Violência também citou as consequências da falta de critérios em lei para distinguir usuários e traficantes, tema de julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) que foi retomado na última quinta (20). “A aplicação da lei penal de drogas acaba tomando como alvo os pequenos traficantes, que em boa parte dos casos se fundem ou se confundem com a figura do usuário. Trata-se de pessoas que vendem
drogas para financiar seu próprio uso ou, no limite, usuários que acabam sendo processados como traficantes, o que pode ser visto como decorrência das características dos processos pautados por prisões em flagrante em policiamento ostensivo, com reduzido esforço de investigação”.
Como soluções para os danos provocados pelo proibicionismo, os autores indicam primeiramente uma modulação da aplicação da Lei de Drogas, “impondo condições objetivas em termos da quantidade de drogas apreendidas para tipificar o crime de tráfico, juntamente a um maior rigor do judiciário na convalidação de entradas em domicílio sem prévio mandado judicial, assim como de circunstâncias que caracterizariam comportamento suspeito para abordagem policial em locais públicos”. Eles também sugerem o redirecionamento de recursos públicos, mirando ações policiais que comprometam os elos principais das facções criminosas ao invés de pequenos traficantes.
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