As acusações feitas pelo agora ex-ministro Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública) contra o presidente Jair Bolsonaro de tentar interferir politicamente na Polícia Federal deram novos argumentos aos defensores da abertura de um processo de impeachment. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), acumula sobre sua mesa quase 30 ações contra Bolsonaro, número que deve aumentar nos próximos dias. O líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (AP), anunciou que entrará, ainda nesta sexta-feira (24), com novo requerimento contra o presidente por causa da denúncia feita por Moro.
Para Randolfe, Bolsonaro cometeu pelo menos dois crimes: de advocacia administrativa e falsidade ideológica ao tentar interferir na autonomia da PF e de incluir a assinatura de Moro no ato de exoneração do ex-diretor-geral da instituição Maurício Valeixo. Ambos os casos foram relatados pelo ex-ministro ao justificar sua saída do governo. “Diante dessas gravíssimas acusações não nos resta outra alternativa, a não ser, ainda no dia de hoje, protocolar o pedido de afastamento, de impeachment, do senhor presidente da República”, disse. O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) e a deputada Joênia Wapichana (Rede-RR) também assinarão o documento.
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O tom adotado por parte da oposição em relação ao pronunciamento de Moro ainda é de certa cautela. O ex-ministro da Justiça é considerado pelo PT um de seus principais inimigos por ter condenado o ex-presidente Lula e conduzido a Operação Lava Jato, que provocou enormes estragos no partido. Os ataques de petistas foram direcionados nesta sexta tanto a Bolsonaro quanto a Moro.
O líder da oposição na Câmara, o pedetista André Figueiredo (CE), considera que o clima está ficando insustentável para o presidente. “A situação hoje é bem diferente de algumas semanas atrás. Aliás, o longo prazo neste atual governo não pode ser mais que 24 horas. O PDT, inclusive, protocolou pedido de impeachment na quarta-feira, antes mesmo dessas denúncias”, afirmou ao Congresso em Foco. Segundo ele, lideranças oposicionistas devem discutir de maneira mais aprofundada, ainda hoje, possíveis desdobramentos da nova crise política.
No domingo, André Figueiredo afirmou à reportagem que considerava arriscada a apresentação de um pedido abertura de processo contra o presidente. “Não vamos fazer o jogo dele”, ressaltou ao comentar a participação de Bolsonaro em ato pró-intervenção militar em frente ao Quartel General do Exército. O argumento usado por ele era de que o presidente ainda tem apoio popular para barrar um processo de impeachment e que, ao final do processo, poderia sair fortalecido. André admite que o cenário está mudando. “Vejo que a situação de Bolsonaro está ficando insustentável”, disse hoje.
Lula também tem subido o tom das críticas ao presidente. “É preciso começar o ‘Fora, Bolsonaro’”, disse ontem o petista em entrevista à CBN de Fortaleza. O líder do PT na Câmara, Ênio Verri (PR), admitiu que as acusações feitas por Moro contra Bolsonaro, de interferência na autonomia da PF, são graves, mas também cobrou investigação do ex-ministro. “Moro confessou de um crime, que foi o de aceitar o cargo de ministro de Estado mediante a garantia de uma pensão. Nesse sentido, Moro se equivale a Bolsonaro, a quem acusa de desvirtuar as funções públicas para proteger os filhos. Esse fato deve ser investigado”, defendeu.
PublicidadeDesde a posse do presidente da República, Maia negou sumariamente apenas um pedido – o primeiro – de impeachment de Bolsonaro, ainda em fevereiro de 2019, por considerá-lo apócrifo. O arquivamento ocorreu no mesmo dia da apresentação do documento. O procedimento dali em diante foi diverso. Os demais aparecem em análise nos registros da Câmara. Até o último dia 8, 23 estavam nessa situação. Outros, no entanto, engrossaram a lista de lá para cá. A Secretaria-Geral da Mesa informou hoje que ainda está compilando o novo número.
Por causa dessa indefinição, o ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal (STF), deu prazo de dez dias para que o presidente da Câmara se manifeste a respeito do pedido feito pelos advogados José Rossini Campos do Couto Corrêa e Thiago Santos Aguiar de Pádua. Maia ainda não se manifestou sobre as declarações feitas por Moro ao entregar o cargo. Bolsonaro anunciou que vai “restabelecer a verdade” em pronunciamento marcado para as 17 horas desta sexta.
A dupla pediu ao Supremo que, em caráter liminar, obrigue Maia a considerar o pedido, além de cobrar que parte dos poderes de Bolsonaro sejam transferidos para o vice-presidente, Hamilton Mourão. Cobra ainda a divulgação do exame de covid-19 feito por Bolsonaro.
Celso de Mello, que se aposentará em novembro, quando completará 75 anos, é crítico de Bolsonaro. Já acusou o presidente de transgredir a separação entre os poderes, de minimizar a Constituição e de não agira “à altura do altíssimo cargo que exerce”.
Nessa ação, os advogados acusam Bolsonaro de quebra de decoro por ataques feitos contra jornalistas, descumprimento às orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS) e apoio aos atos que pede o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF).
As violações às orientações da OMS estão entre os motivos mais recorrentes de impeachment contra Bolsonaro. Mas há também pedidos relacionados à disseminação de fake news, durante e após a eleição, e até à publicação no Twitter de um vídeo em que um homem urina sobre o outro durante uma apresentação de Carnaval em São Paulo, em fevereiro do ano passado.
“Não tem nenhuma possibilidade de impeachment. Pode ter uma CPI, abrir para ficar investigando, para deixar o Bolsonaro na parede, mas nada além disso”, disse, sob condição de anonimato, um líder próximo a Maia.
Tão logo foi anunciada a demissão de Moro, a oposição começou a articular a criação de uma comissão parlamentar de inquérito para apurar as acusações de interferência de Bolsonaro na PF .
Um deputado ligado ao Palácio do Planalto acredita que não há clima para instauração de um processo de impeachment. Segundo ele, isso “seria a política carioca afetando o Brasil”. A fala foi uma referência ao fato de, tanto Maia quanto Bolsonaro, terem suas bases eleitorais no estado do Rio de Janeiro e serem de grupos políticos diferentes.
O líder do DEM na Câmara, Efraim Filho (PB), afirmou que a pauta da Câmara não deverá ser afetada pela nova crise, e os projetos da pauta econômicas e de combate ao coronavírus deverão continuar a ser prioridade do Legislativo.
“Não haverá retaliação nem revanchismo. Congresso continua preocupado com crise de saúde e da economia. Crise política será tratada em paralelo”, disse.
O deputado Ricardo Barros (PP-PR), um dos vice-líderes do governo no Congresso, afirmou que não deve haver mudança nas pautas da Câmara em função da saída de Moro. “A pauta da Câmara nunca esteve atrelada ao Executivo. Vida que segue”.
Para o professor de direito público Antonio Rodrigo Machado, o discurso do agora ex-ministro Sergio Moro é “gravíssimo” e oferece argumentos jurídicos para um impeachment do presidente Jair Bolsonaro. Na avaliação de Machado, há fortes indícios de que o presidente praticou crime de responsabilidade e crimes comuns, o que exige investigação. É preciso, ressalta, avaliar as condições políticas para que pedidos de afastamento avancem ou não dentro do Congresso.
“Moro deixou nas entrelinhas que houve tentativa de interferência do presidente nas investigações da Polícia Federal. Isso já vinha sendo noticiado pela imprensa e pode ter enquadramento de crime de responsabilidade, por improbidade administrativa”, explicou o jurista. “É o momento mais difícil do bolsonarismo. Isso também oferece argumento político para eventual abertura de um processo de impeachment”, acrescentou.
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