Durante o último final de semana, diversas comunidades indígenas em Douradina (MS) foram alvo de uma onda de violência promovida por lideranças ruralistas locais. O grupo tenta interferir na retomada das terras indígenas coordenada pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) na região. Em resposta, o Ministério da Justiça anunciou que aumentará a presença da Força Nacional de Segurança Nacional de Segurança no local.
O diretor-executivo do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Luis Ventura, alertou que apenas o aumento do contingente não é suficiente para lidar com a situação, que requer um plano de ação aprofundado. Ele também nega que a situação esteja sob controle, como anunciou o ministério.
Omissão da Força Nacional
O Conselho Indigenista Missionário (CIMI) acompanhou a escalada de ataques e destacou a omissão da Força Nacional de Segurança na garantia da proteção às aldeias.
No final da tarde de sábado (3), mais de 10 indígenas foram baleados após um ataque promovido por fazendeiros às áreas de retomada. Luis Ventura conta que a Força Nacional já sinalizava desde a manhã daquele dia o desinteresse em proteger tanto as comunidades quanto os servidores da Funai.
“Força Nacional levou uma informação à Funai, alegando que a comunidade tinha ultrapassado o limite combinado para a retomada, e que isso poderia resultar em um acirramento na região. A Funai enviou uma equipe para averiguar, e verificou que a informação não procedia. Pela tarde, a força retornou e disse aos indígenas que eles deveriam sair dali para evitar alguma violência, e avisou que eles estavam se retirando. Dito e feito: assim que a tropa saiu de lá, começou o ataque”, relatou.
Ventura avalia que a ausência da Força Nacional no local possibilitou o ataque dos ruralistas. No domingo (4), os ataques se repetiram e, novamente, a guarda estava ausente, interferindo apenas quando oito pessoas já estavam feridas. Em nota, o Ministério dos Povos Originários afirmou ter contactado o Ministério da Justiça e solicitado esclarecimentos sobre a ausência da força no local. Em resposta, a pasta disse que os policiais estavam em patrulhamento em outras terras indígenas que também sofriam ameaças de invasão.
PublicidadeVentura também chamou atenção para a falta de planejamento na ação dos policiais. “O que ficou demonstrado nos últimos dias foi que apenas o patrulhamento esporádico de viaturas e de pequenas equipes não evitou a sequência de ataques às comunidades indígenas: seja porque o contingente foi insuficiente, seja porque eles não agiram com a contundência necessária diante de um crime cometido em flagrante”, apontou.
Com isso, ele considera que não basta aumentar o efetivo da força, mas também traçar um plano que adote como prioridade a proteção à vida dos indígenas e de suas comunidades. O representante do Cimi ainda ressalta que a responsabilidade sobre a pacificação desses conflitos recai justamente sobre as forças federais. “Estamos falando de conflitos territoriais que envolvem direitos dos povos indígenas, essas questões são responsabilidade da esfera federal”, relembrou.
No Congresso Nacional, a deputada Célia Xakriabá (Psol-MG), coordenadora da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, solicitou informação ao Ministério da Justiça questionando as ações adotadas para conter a onda de violência contra indígenas nos estados do Centro-Sul. A pasta não respondeu os ofícios da deputada, requeridos desde o último dia 16. A parlamentar agora busca uma audiência emergencial com o ministro Ricardo Lewandowski para tratar da crise junto à delegação dos povos Guarani-Kaiowá.
Marco temporal
A violência contra indígenas, em especial em MS e PR, ganhou maior força nas três semanas que antecedem a primeira audiência de mediação no Supremo Tribunal Federal (STF) no processo que trata da inconstitucionalidade da lei que institui o ano de 1988 como marco temporal para a demarcação de terras indígenas, que acontece na tarde desta segunda-feira (5).
No entendimento de Ventura, essa intensificação é consequência direta da iminência da reunião. “Há o intuito, por parte de grupos ruralistas, de enviar uma mensagem ao STF e ao Estado como um todo de que eles vão agir com violência, como sempre agiram, caso seus interesses não sejam atendidos. Entendemos que o STF precisa considerar isso justamente para entender que não há a possibilidade de se mediar, de se negociar direitos que são indisponíveis, como os direitos territoriais dos povos indígenas”, declarou.
Resposta do governo
O Congresso em Foco questionou a assessoria de imprensa do Ministério da Justiça a respeito das alegações de negligência da Força Nacional de Segurança na proteção das comunidades indígenas. Segue a íntegra da resposta:
“O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) informa que a Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) está atuando com efetivo reforçado na região da Terra Indígena (TI) Lagoa Panambi, localizada em Douradina, Mato Grosso do Sul, onde foram registrados confrontos entre indígenas e fazendeiros durante o final de semana.
O efetivo mobilizado trabalha com foco na garantia da segurança dos indígenas, com respeito às culturas e evitando qualquer forma de violação dos direitos humanos, e será aumentado com agentes que serão deslocados de outros estados. Vale ressaltar que a FNSP tem intensificado a presença na região desde o início de julho.
Desde sábado (3), o foco de todo o efetivo da FNSP em Mato Grosso do Sul está em auxiliar o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e o Ministério Público Federal (MPF), que estão intermediando os conflitos.
As equipes da Força Nacional foram acionadas por volta das 10h de sábado (3), para conter os ânimos que estavam acirrados entre indígenas e agricultores que permanecem nas imediações do sítio do Cedro. A situação foi controlada e cada grupo permaneceu em seu acampamento.
Ainda no sábado (3), ocorreu um confronto no início da tarde, no momento em que as equipes da FNSP faziam o patrulhamento em outra área da mesma região.
Assim que acionadas, as equipes da FNSP chegaram no local e o confronto foi cessado, quando iniciaram-se diálogos com os dois grupos e foram acionados o MPI e MPF.
Na noite de sábado (3), equipes da Força Nacional fizeram o patrulhamento no trecho Panambi e Lagoa Rica, em Douradina (MS). Não houve ocorrências.
No fim da tarde de domingo (4), indígenas e agricultores entraram em conflito novamente, mesmo com a presença em tempo integral de representantes de MPI, MPF, PF, Polícia Rodoviária Federal, FNSP e Polícia Militar do MS.
Houve um incêndio, que foi contornado por tratores que fizeram um aceiro. A FNSP passou a utilizar gás lacrimogêneo. Em seguida, foram ouvidos quatro disparos de arma de fogo, cujo autor não pôde ser identificado. Isso levou à utilização de munição de efeito moral e de elastômero, o que foi determinante para que os dois grupos cessassem as hostilidades.
Vale ressaltar que a ação de controle de multidões foi necessária para evitar mal maior, já que ambos os grupos estavam exaltados, com algumas pessoas armadas
Pelo menos um agricultor ficou ferido por disparo de munição de borracha (elastômero) sem risco de morte.
Diante das ações da FNSP, foi possível resguardar a segurança dos integrantes dos dois grupos. Será elaborado um boletim de ocorrência na PF e Polícia Civil, que deve ser avaliado pelas autoridades de Polícia Judiciária.
Após esses eventos não houve mais ocorrências de conflito até o momento.
A FNSP permanece atuando de acordo com o planejamento dos órgãos apoiados, com a finalidade de garantir a segurança de forma ininterrupta.
O MJSP reforça que a FNSP atua de maneira subsidiária à Polícia Federal (PF), nos termos da Portaria MJSP nº 726/2024, nas atividades e nos serviços imprescindíveis à preservação da ordem pública e da segurança das pessoas e do patrimônio. A PF é responsável pela atuação na região do Cone Sul, no estado do Mato Grosso Sul, nas aldeias indígenas do território.”
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