No final de janeiro, a Controladoria-Geral do Distrito Federal (CGDF) encaminhou ao Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) o seu Programa Operacional de Ações de Controle (Poac) para 2019.
Entre as auditorias e inspeções a serem efetivas pela Subcontroladoria de Controle Interno (unidade da CGDF) foi destacada a realização de inspeção referente às despesas sem cobertura contratual na área de saúde, com o intuito de conhecer o perfil dessas despesas, levantar causas, identificar potenciais pontos de melhoria e propor controles eficientes, considerando os procedimentos adotados e a estrutura existente para realização da aquisição de bens e serviços.
No texto “Programa de Ações de Controle da Controladoria-Geral do Distrito Federal”, datado de 10 de fevereiro de 2019, fiz as seguintes considerações: “As despesas sem cobertura contratual indicam um nível crescente de desorganização da Administração Pública no Distrito Federal que reclama enérgica atuação corretiva. O problema atinge os mais variados tipos de aquisição de bens e serviços (suprimentos e insumos médicos, locação de móveis e imóveis, internações, alimentação, tecnologia da informação, limpeza, vigilância, manutenção predial, etc). Os valores envolvidos são impressionantes, conforme levantamentos realizados pelo TCDF. Em 2015, foram contabilizados cerca de 320 milhões de reais pagos sem lastro em contrato. Em 2016, esse número subiu para 637 milhões de reais. Em 2017, a cifra alcançou 696 milhões de reais”.
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Esses números quando desdobrados pelas secretarias integrantes da Administração Pública do Distrito Federal mostram que as distorções estão quase que exclusivamente concentradas nas áreas de Saúde e Educação. Nesse nível, a evolução dos dados pode ser conferida na tabela abaixo apresentada.
Em milhões de R$ | 2015 | 2016 | 2018 |
Sec. de Saúde | 318,9 | 569,7 | 570,8 |
Sec. de Educação | 0,6 | 67,6 | 124,8 |
TOTAL | 319,6 | 637,9 | 696,8 |
Dados levantados pelo TCDF
O assunto despertou considerável atenção e justa preocupação na imprensa e em vários setores da administração pública do Distrito Federal, a começar pelo governador Ibaneis Rocha.
PublicidadeEm análise mais aprofundada da situação, constatou-se que existem até elementos específicos de despesas para contabilizar esses pagamentos. São 18 itens. Entre eles, merecem destaque pelo inusitado da “normalidade” de se atuar sem contratos para: a) serviços de limpeza (33909321); b) serviços de vigilância (33909322); c) telefonia fixa (33909324); d) locação de imóveis (33909325) e e) fornecimento de óleo combustível (33909327).
Também foram identificadas orientações jurídicas para tratamento dos pagamentos sem cobertura contratual. O Parecer n. 768/2016 da Procuradoria-Geral do Distrito Federal chegou a analisar um checklist de providências proposto pela Secretaria de Saúde do DF para, segundo essa Pasta, viabilizar “… uniformização, celeridade e segurança jurídica na análise dos procedimentos administrativos de pagamento de dívidas indenizatórias decorrentes de despesas sem cobertura contratual”.
O quadro retratado demonstra uma situação extremamente preocupante de desorganização da administração pública do Distrito Federal. Com efeito, a licitação é uma regra de atuação administrativa imposta pela Constituição (art. 37, inciso XXI). Mesmo nos casos de dispensa e inexigibilidade de licitação, que devem ser exceções, a contratação do fornecedor de bens e serviços é outro imperativo constitucional (arts. 22, inciso XXVII e 37, inciso XXI).
Nesse sentido, licitar e contratar, assim como observar as demais etapas de realização da despesa, são fatores de segurança e eficiência no trato da coisa pública. As dificuldades crescentes em adotar tais práticas constitucionais e legais revelam níveis alarmantes de degradação das funções básicas de gestão, notadamente planejamento, supervisão, coordenação, orientação e fiscalização dos processos e rotinas administrativos.
O quadro é tão grave que implicou sérios desdobramentos de natureza correicional. A Portaria n. 522, de 10 de outubro de 2017, publicada no DODF de 13 de outubro seguinte, instaurou a Sindicância n. 008/2017, no âmbito da Controladoria Setorial da Saúde, com a finalidade de apurar 119 casos de pagamento sem cobertura contratual. Relatório da unidade setorial de correição administrativa do órgão mencionado afirma: “Destaca-se que a referida Comissão de Sindicância realiza análises em uma quantidade superior a 980 volumes de processos, os quais retratam pagamentos que superam o valor de R$ 1.000.000.000,00 (um bilhão de reais)”.
Anote-se que o Tribunal de Contas do Distrito Federal reprova, com veemência, a prática aqui discutida. Nesse sentido, a Decisão n. 437/2011 é muito emblemática ao afirmar: “não poderá alegar boa-fé o particular que fornece bens, obras ou serviços sem respeitar disposição legal vigente, em especial o art. 60, parágrafo único, da Lei nº 8.666/93”. O referido dispositivo da Lei n. 8.666, de 1993, possui a seguinte redação: “É nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Administração, salvo o de pequenas compras de pronto pagamento, assim entendidas aquelas de valor não superior a 5% (cinco por cento) do limite estabelecido no art. 23, inciso II, alínea “a” desta Lei, feitas em regime de adiantamento”. Cumpre registrar que a Decisão TCDF n. 3.716/2016, ao tratar da glosa de lucros e ressarcimentos em certas hipóteses, não infirma a repulsa anterior.
O Tribunal de Contas da União (TCU) segue a mesma linha. No Acórdão n. 713/2009, o TCU consignou: “Abstenha-se de realizar pagamentos sem a devida cobertura contratual, em cumprimento ao disposto nos artigos. 60 e 62 da Lei nº 8.666/1993”. Também afirmou no Acórdão n. 1554/2009: “Se abstenha de celebrar contratos verbais, por contrariar o disposto no parágrafo único do art. 60 da Lei n.º 8.666, de 1993”.
Cabe, por fim, destacar as conclusões da Orientação Técnica n. 12/2016 da Controladoria-Geral do Estado do Mato Grosso: “Aprimore o planejamento de aquisições a fim de executar tempestivamente os procedimentos licitatórios de acordo com as demandas identificadas da Unidade Orçamentária; Abstenha-se de realizar despesas sem prévio empenho, ou sem prévia licitação, ou ainda sem cobertura contratual; Aprimore os controles com o objetivo de prevenir ocorrência de pagamentos a título de indenizações de qualquer natureza; Abstenha-se de realizar pagamentos a ‘título de indenização’ quando estes se referem à despesas sem prévio empenho, ou sem prévia licitação, ou ainda sem cobertura contratual; Instaure procedimentos de apuração de responsabilidades por danos ao erário, sempre que houver ocorrência de pagamentos por indenização de qualquer natureza; Instaure procedimentos de apuração de responsabilidades dos fatos que configurem como pagamentos ditos ‘por indenização’ quando estiverem relacionados com a realização de despesas públicas sem prévio empenho, sem o devido processo licitatório, ou sem amparo contratual”.
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