Depois da lamentável e frustrada tentativa de golpe no dia 8 de janeiro, os grupos de whatsapp da extrema-direita passaram a produzir massivas postagens tentando construir a narrativa de que a depredação bárbara dos três principais prédios da República foi obra de “infiltrados”. Já comentamos por aqui as dificuldades que existem para fazer colar tal narrativa. Mas, à medida que as investigações sobre o golpe avançam, o que vai ficando claro é o contrário: a infiltração realmente existe, mas no sentido contrário.
Enquanto não há até agora nas investigações qualquer evidência de infiltração de extrema-esquerda nos atos, o que aparece de forma bem clara é o risco da infiltração da extrema-direita no governo depois dos quatro anos de governo Jair Bolsonaro. Especialmente nas áreas ligadas à defesa e à segurança. E é esse hoje o maior desafio.
Já no dia 8, ficou claro o tamanho da conivência policial que apenas assistiu à quebradeira enquanto tomava água de coco. Foi essa cena que fez o presidente Lula decidir-se por decretar intervenção federal na segurança do Distrito Federal. Se a coisa tivesse parado aí, teríamos a seguinte situação: Bolsonaro contaminou a Polícia Militar, especialmente, e conseguiu dela a simpatia para suas ideias golpistas. Obteve a simpatia do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, que aceitou recolocar na sua Secretaria de Segurança o ex-ministro da Justiça Anderson Torres. Que ajudou na arquitetura do golpe e foi assistir à confusão de longe, nos Estados Unidos.
O que vai ficando claro, porém, é que a Polícia Militar não foi a única instituição da área de defesa e segurança a ajudar. O curso da apuração vai mostrando de forma perigosa a colaboração também de pessoas – ainda que não seja uma ajuda institucional – no nível federal. Nas Forças Armadas e na Polícia Federal.
A presença do ex-presidente do Sindicato dos Policiais Federais do Distrito Federal (Sindipol-DF) Fernando Honorato no meio da quebradeira no Supremo Tribunal Federal (STF), revelada pelo Congresso em Foco, é uma evidência do grau de infiltração na Polícia Federal. Honorato já está aposentado, mas ainda exerce, como ex-presidente do sindicato da categoria, liderança e influência. E, nesse sentido, vale lembrar que Anderson Torres é também delegado da Polícia Federal. Fonte da corporação chegou a contar das dificuldades que houve para formar as equipes que participaram das oitivas dos presos no domingo. Era preciso encontrar policiais que de fato fizessem os interrogatórios, e não os sabotassem.
Agora, cada vez mais novos indícios vão apontando para a participação militar também. E da área de inteligência do governo. O próprio presidente Lula chegou a dizer, no café da manhã com os jornalistas na semana passada, das evidências de que militares teriam ajudado os golpistas a invadir o Palácio do Planalto. Chama a atenção a inação do Batalhão da Guarda Presidencial (BGP), que não agiu no Planalto da forma como, agora se sabe, por exemplo agiu a Polícia Legislativa no Congresso.
PublicidadeInvestiga-se agora, por exemplo, se os golpistas teriam tido acesso a mapas dos prédios. Um exemplo é a invasão da sala onde o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) guarda armas. Essa sala não fica no mesmo lugar onde trabalha o ministro. Fica no subsolo. Os golpistas foram até ali por acaso, ou sabiam o que ali encontrariam?
E há o complicado episódio do posicionamento de dois blindados na entrada do QG do Exército, onde os golpistas estavam acampados há mais de dois meses. A maior parte dos golpistas saiu de lá para invadir e depredar os palácios. E voltou para lá depois. A polícia pretendia ir lá prendê-los. Mas o que fez o Exército? Postou tropas e dois blindados na entrada para impedir o acesso da polícia, sob o pretexto de que queria evitar a prisão de “inocentes”. O Exército não confia no discernimento da polícia? Ou talvez estivesse, ao contrário, querendo evitar a prisão de determinados culpados?
Ao contrário da outra, que por enquanto é somente mais um conto da carochinha das redes sociais, sobre essa infiltração pululam as evidências. E o que torna tudo muito perigoso é que o novo governo precisa o mais rápido possível identificar essa infiltração para conviver o menor tempo que puder com ela.