Aparentemente, a construção das condições de governabilidade no Congresso Nacional para o terceiro mandato do presidente Lula poderá ser mais difícil do que foi em 2003. Em seu primeiro mandato, o presidente assumiu com o apoio consistente na Câmara dos Deputados de 207 deputados, com o apoio condicionado/independente de 116 deputados e com 190 deputados na oposição, enquanto em 2023 contará com 140 deputados como apoio consistente, 159 na categoria de apoio condicionado e 214 na oposição.
Olhando os dados apenas em sua dimensão quantitativa, constata-se a que houve uma redução de apoio consistente, de 207 para 140, e a oposição cresceu de 190 para 214 na Câmara dos Deputados.
Porém, analisando em bases qualitativas a leitura pode ser diferente. Considerando que o apoio condicionado/independente aumentou de 116 para 159, o número central a ser examinado é da oposição, que, se atuar unida, representará um sério problema para o governo, já que disporá de número suficiente para impedir aprovação de proposta de emenda à Constituição (PEC) e para criar comissões parlamentares de inquérito (CPI). Acontece, entretanto, que em 2003 a oposição era formada por partidos ideológicos (principalmente o PSDB e o PFL) e que atuavam de forma intransigente, sempre pautada pela ética da convicção, ou seja, se a iniciativa fosse do governo votaria contra, enquanto a de 2023 será formada por partidos que foram base do governo Lula em seus dois mandatos anteriores e cuja composição está dividida entre dois terços de deputados pragmáticos e um terço ideológico ou de oposição radical/bolsonaristas.
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No Senado, a situação se apresenta um pouco mais complicada, porém os senadores podem mudar de partido sem perda de mandato, diferentemente da Câmara, cujo mandato pertence ao partido e não ao parlamentar. E a tendência é que haja troca-troca partidário, sobretudo para a base do governo, especialmente com vistas à eleição para a presidência da Casa. Na fotografia do momento, o presidente contaria com apoio consistente de 15 senadores – PT (9), PDT (3), PSB (1), Rede (1) e Pros (1) – com apoio condicionado/independente de 34 – PSD (11), MDB (10), União (10) e Cidadania (1) – e com a oposição de 34 – PL (14), PP (6), Podemos (6), PSDB (4), Republicanos (3) e PSC (1). Essa conformação, sem um rearranjo partidário, seja mediante mudança de partido, seja por meio da atração de partidos para a coalizão, dá à oposição condições de, sozinha, propor a criação de CPI, um problema para qualquer governo.
Porém, tal como na Câmara, os partidos que integram a oposição são agremiações (PP, PL e Republicanos) que no passado apoiaram os governos do PT, e nas quais também há divisão entre os ideológicos/bolsonaristas e pragmáticos, existindo a possibilidade concreta de pelo menos um terço desses 34 senadores de oposição (algo em torno de 11) agirem sem radicalismo ou pautado pela ética da responsabilidade. O partido com maior número de bolsonaristas são o PL e o Republicanos.
Os partidos que as urnas jogaram na oposição ao governo Lula – majoritariamente PL, PP e Republicanos – tanto na Câmara como no Senado, historicamente vivem de patronagem, ou seja, de favores do Estado, e, por conta dessa condição, sempre fizeram parte de todos os governos desde Sarney até Bolsonaro, passando pelos quatro mandatos do PT. Dificilmente, os bolsonaristas, sendo minoria no interior da oposição, teriam força política suficiente para levar as bancadas desses partidos para uma postura intransigente ou para a oposição radical.
A tendência é que os pragmáticos, que são maioria nesses partidos, especialmente na Câmara, liderem essas bancadas e as liberem em votações relevantes, aliás como fez o Centrão por ocasião da reforma da Previdência em 2019, quando o Centrão era oposição a Bolsonaro e mesmo assim apoiou uma reforma considerada impopular. Logo, existe a possibilidade real, senão desses partidos integrarem a base de sustentação do governo Lula, pelo menos de parte dos parlamentares serem liberados para votarem segundo a consciência de cada, o que os deslocariam da condição de oposição para a de apoio condicionado. Deste modo, ainda que por cisão da unidade política dos partidos de oposição, Lula poderia contar com parte desses parlamentares, seja para aprovar PEC, seja para evitar CPI.
Um argumento relevante a ser considerado é o de que esses partidos de oposição, especialmente os parlamentares do Centrão, passaram a contar com recursos do orçamento público, especialmente por meio dos fundos partidários e eleitoral, bem como das emendas impositivas e das emendas de relator, e que em razão disto dependeriam menos do governo central. Esse argumento é verdade em parte, porque as emendas de relator, se continuarem, serão em novas bases e não estarão sob o controle da oposição, e a influência do governo federal sobre as bases dos parlamentares, inclusive na negociação direta com os prefeitos e governadores, poderá forçar a mudança de estratégia deles, especialmente num governo com disposição para dialogar, inclusive em relação ao conteúdo de políticas públicas.
Porém, mesmo que a oposição não tenha força suficiente para inviabilizar o governo, o fato é que o presidente terá que dialogar muito com o mercado, com a sociedade e, principalmente, com o Congresso Nacional, buscando sempre se pautar pelo equilíbrio e pela calibragem ideológica, tanto na abordagem quanto no conteúdo das políticas públicas. O país saiu dividido das urnas, tendo o presidente eleito tido a menor diferença em todas as eleições do período pós-redemocratização. Assim, parece não restar dúvida de que se trata de um governo de transição, que terá a missão de pacificar o país, reconstruir o tecido social esgarçado, e promover a transição para 2026. A forma de fazê-lo é estancando o desmonte do Estado, revendo os marcos legais que representam retrocesso civilizatório, como a liberação sem controle de armas, e retomando os espaços de diálogo e participação social na construção das políticas públicas, como forma de evitar um terceiro turno da eleição presidencial.
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