Os líderes da oposição na Câmara, Alessandro Molon (RJ), e no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vão entrar com representação contra o presidente Jair Bolsonaro, na próxima segunda-feira (4), por obstrução de Justiça. O mesmo procedimento será tomado pelo Psol, partido da ex-vereadora Marielle Franco. O anúncio foi feito no início desta noite (2) em resposta à afirmação de Bolsonaro de que pegou as gravações das conversas de seu condomínio “antes que fossem adulteradas”. A declaração dele também foi criticada pelo líder petista, Paulo Pimenta (RS), e pela presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PR).
“Não cabe ao presidente se apropriar ilegalmente de provas essenciais para a resolução de um crime. São mais de 600 dias sem resposta sobre Marielle. Esperamos a determinação da devolução das provas e que ele responda perante a Justiça por esse ato”, condenou Molon. “Bolsonaro confessou ter se apropriado de provas relacionadas às investigações de um crime. Queremos a devolução desse material e uma nova perícia, sem interferências”, prosseguiu o líder oposicionista da Câmara.
Leia também
Para Gleisi Hoffmann, o presidente deve novas satisfações ao povo brasileiro. “A tentativa de se distanciar do caso Marielle está dando errado. Primeiro a perícia veloz nas gravações do condomínio e agora admite que pegou provas das investigações. Vai ficando cada vez mais difícil explicar o que aconteceu”, disse a presidente do PT.
O líder do partido na Câmara considera que Bolsonaro confessou um crime ao dizer, neste sábado, que acessou gravações do condomínio onde tem residência no Rio. “Preparem-se: de hoje pra amanhã algum dos milicianos vai falar alguma coisa muito surreal para tentar desviar a pauta do debate público. Não adianta: Bolsonaro confessou que cometeu crime de obstrução da Justiça no inquérito que investiga o assassinato de Marielle Franco”, declarou Paulo Pimenta.
“Pegamos antes”
Em entrevista a jornalistas Bolsonaro não especificou quando retirou os arquivos da portaria. “Agora, eu estava em Brasília, está comprovado. Várias passagens minhas pelo painel eletrônico da Câmara, com registro de presença, na quarta-feira geralmente parlamentar está aqui. Eu estava aqui, não estava lá, e outra, nós pegamos antes que fosse adulterado, pegamos lá toda a memória da secretária eletrônica, que é guardada há mais de anos, a voz não é minha. Não é o seu Jair. Agora, que eu desconfio, que o porteiro leu sem assinar ou induziram ele a assinar aquilo. Induziram entre aspas, né? Induziram a assinar aquilo”, declarou a jornalistas durante visita a uma concessionária na capital federal, onde comprou uma motocicleta.
Segundo um porteiro ouvido nas investigações do caso Marielle, um dos suspeitos do crime, Elcio Queiroz, foi autorizado a entrar no Condomínio Varandas da Barra por um morador da casa 58 (de Bolsonaro) que se identificou como “seu Jair”, horas antes do duplo homicídio. Mas ele se dirigiu para a residência de outro suspeito e morador do bairro, Ronnie Lessa. Bolsonaro era deputado em março de 2018 e estava em Brasília naquele dia e horário.
Witzel
O presidente também voltou a acusar o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, desta vez de “manipular” o caso para que seu nome fosse incluído no processo. Ele se referiu a Witzel ao ser questionado sobre o afastamento da promotora Carmen Eliza Carvalho, que fez campanha eleitoral para ele nas redes sociais, do caso. Carmen também divulgou foto em que aparece ao lado do deputado estadual que quebrou placa em homenagem à ex-vereadora. Condutas consideradas graves pelo jurista Antonio Rodrigo Machado, ouvido pelo Congresso em Foco.
“Olha só, deve ter no meio de vocês gente que votou em mim, deve ter, com toda a certeza. Agora, a promotora resolveu sair, está certo? (…) Agora, quem está por trás disso? Eu não tenho dúvida, governador Witzel, que só se elegeu graças ao meu filho, Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), que colou nele o tempo todo, chegando, um mês depois, virou nosso inimigo. Começou a usar a máquina do estado para perseguir o Flávio, o Carlos agora também, o Hélio Negão, tudo quanto é amigo meu estão sendo investigados agora lá no Rio de Janeiro”, acusou o presidente.
Bolsonaro conta que foi alertado por Witzel, em 9 de outubro, que o inquérito do caso tinha sido enviado para Brasília devido à citação de seu nome em um depoimento.
Perícia apressada
O presidente da Associação dos Peritos Criminais Federais (APCF), Marcos Camargo, criticou a pressa com que foi divulgado o resultado da perícia nas gravações da portaria do condomínio onde Bolsonaro mora no Rio.
“Aparentemente, do que se extraiu da imprensa, foi uma análise muito superficial, não contemplou todos os vestígios disponíveis e foi feito de uma forma muito célere. Talvez fosse necessário um aprofundamento maior, colher outros tipos de vestígios, sejam eles vestígios físicos, que estavam na guarita, como o computador, circuito interno de TV, uma cadeia de custódia para que se tenha uma conclusão aprofundada dos fatos”, disse Camargo.
O padrão de uma perícia, em média, é de 30 dias para se anunciar o resultado. Nesse caso, tudo ocorreu em poucas horas. “Um exame desses é bem mais prolongando, bem mais longo. Fazer um parecer, uma análise técnica superficial, preliminar, é possível fazer. Mas para um laudo pericial, com a profundidade científica que se exige para o processo penal, é um tempo rápido para se ter uma conclusão como essa”, afirmou.
Carmen e outras duas promotoras que participam das investigações do caso Marielle concederam uma coletiva no dia seguinte após a divulgação da reportagem do Jornal Nacional que fazia referência à inclusão do nome de Bolsonaro. Segundo elas, o porteiro ao dizer que tinha liberado o suspeito Elcio Queiroz após receber autorização do “senhor Jair”. Naquela data, Bolsonaro estava em Brasília. O procurador-geral da República, Augusto Aras, recém-nomeado pelo presidente, disse que a citação do nome de Bolsonaro era apenas um “factoide”.