A aprovação da PEC dos Precatórios e da resolução do Congresso Nacional que permite a continuidade das emendas de relator evidencia uma situação que, na verdade, vem se desdobrando desde o início do mandato de Jair Bolsonaro: a oposição vive fora da realidade e aparenta ter outras prioridades.
No caso da resolução, sua aprovação, que descumpre decisão do Supremo Tribunal Federal ao abrir caminho para a continuidade de pagamento das emendas de relator (que alimentam o orçamento secreto), só foi possível pela margem de um voto no Senado Federal. Esse voto, inconsequente, veio de um senador do PT.
Já a aprovação da PEC dos Precatórios, que dá calote no pagamento de dívidas da União e estoura o teto de gastos, gerando mais instabilidade econômica, viabilizando um programa populista mal feito, e alimentando o próprio orçamento secreto, só foi possível porque, em votação em primeiro turno na Câmara dos Deputados, boa parte das bancadas do PDT, do PSB e do PSDB votaram favoravelmente à proposta de Bolsonaro e Paulo Guedes.
A deliberação desses dois projetos, que se reproduz em diversas outras votações na Câmara e Senado, escancara o fato de que alguns partidos e parlamentares da oposição perderam a noção da realidade. Esses parecem preferir priorizar interesses pessoais e/ou partidários, ao desafio que é derrotar Bolsonaro em 2022. Com discursos irresponsáveis e contraditórios, ao dar chance de aprovação à PEC dos Precatórios e permitir a continuidade do orçamento secreto, oposicionistas abrem caminho para a irresponsabilidade fiscal, políticas populistas e emendas de relator usadas pelo governo para a compra de sua base. Isso na iminência de um ano eleitoral.
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No centro da confusão formada pelos parlamentares de oposição durante as votações desses projetos, pré-candidatos à Presidência da República se veem envolvidos em incoerências nas bancadas de seus próprios partidos. O ex-ministro Ciro Gomes anunciou via Twitter que estava suspendendo sua pré-campanha ao Planalto pelo PDT e que o partido não podia “compactuar com a farsa e os erros bolsonaristas”. O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), viajou recentemente a Brasília com o objetivo de posicionar a bancada tucana na Câmara no espectro da oposição, posição oficial do partido. A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann, fiadora da pré-candidatura do ex-presidente Lula, condenou o voto do senador petista responsável pela continuidade do orçamento secreto.
Algumas hipóteses surgem nesse cenário, todas desesperadoras para aqueles que se propõem a recuperar o Brasil. A primeira é que as principais pré-candidaturas ao Planalto não conseguem dialogar com as bancadas dos próprios partidos. Como seria a formação de uma base parlamentar? A segunda é que os dirigentes partidários referendam uma posição institucional em suas legendas, que é divergente das posições adotadas pelos seus agentes públicos eleitos. Quem de fato é oposição? E a terceira, por fim, aponta para a total falta de conexão dos partidos, pré-candidaturas e bancadas parlamentares entre si e também com a sociedade. Fato é que as candidaturas adversárias ao atual ocupante do Planalto (com exceção de Lula, que detém forte recall eleitoral) mal ultrapassam dois dígitos nas intenções de votos para 2022.
PublicidadeOra, se a política é um exercício coletivo, está claro que os atuais parlamentares, de partidos da esquerda à direita, estão priorizando jogos individuais, como as suas próprias reeleições e até mesmo a liberação de mais emendas, sejam elas do orçamento secreto ou não. O mesmo se aplica aos dirigentes das legendas. Essa, em minha opinião, é uma das principais razões pelas quais não se viabiliza uma frente ampla pela terceira via, e também pela qual o PT de Lula é indigesto para outras legendas. Em meio a sua hipocrisia e esnobismo, o PT foi responsável por viabilizar R$ 20 bilhões em emendas para a base do governo. E na falta de alinhamento e propósito, PDT, PSB, PSDB e Podemos colocaram R$ 106 bilhões em investimentos na mão de Bolsonaro em ano eleitoral.
Toda esta movimentação deixa claro que todo mundo diz trabalhar em favor da frente ampla, todos querem derrotar Bolsonaro mas, de fato, tal discurso só emplaca “desde que a via alternativa seja eu”. A realidade é que, com raríssimas exceções, ninguém está disposto a abrir mão do projeto pessoal e/ou político-partidário por um projeto conjunto de reconstrução do país. E, nesse cenário, temos dezenas de pré-candidaturas presidenciais, que fragmentam os votos e nos lançam, novamente, para uma polarização já conhecida por este país.
Se hoje Bolsonaro tem mais chances de reeleição, é porque parte da oposição assim escolheu na atuação política e partidária. Desde as primeiras crises bolsonaristas em 2019, até os mais recentes ataques às nossas instituições, será que se tivéssemos uma oposição mais unida e com atuação estratégica, o impeachment não teria saído? Ou ao menos mais derrotas teriam sido impostas ao governo no Congresso, impedindo o desmonte das políticas ambientais, sociais e econômicas?
Resta, agora, torcer para que os que se dispõem a derrotar Bolsonaro percebam o caminho que estão trilhando e mudem a rota que vem sendo seguida para 2022. Não podemos subestimar Bolsonaro e nem o bolsonarismo.
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