Emanuel Alencar, do ((o))eco *
Com anos de trabalho em dinâmicas oceanográficas na foz do Amazonas, Nils Edvin Asp, oceanógrafo professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), é taxativo: a Petrobras errou na sua estratégia de tentar aprovar no Ibama a perfuração para a exploração de petróleo no bloco FZA-M-59, na chamada “nova fronteira de exploração e produção de petróleo no país”, a margem Equatorial. Para o pesquisador, pós-doutor em geomorfologia costeira pela Universidade de Washington, a empresa deveria ter feito novos estudos, e apresentado uma modelagem hidrodinâmica de qualidade. “Requentaram o estudo da BP [British Petroleum], de 2018, e incorporaram uma modelagem conveniente, ao invés de financiarem um novo estudo aplicado à exploração de óleo. É preciso que se faça um estudo de qualidade, mas não vejo como ser viável um prazo inferior a dois anos”, destaca o professor a ((o))eco.
Morador do Pará, Edvin Asp afirma que o Brasil precisa decidir se quer financiar a descarbonização de países riscos, ao explorar novas jazidas de óleo e gás, ou se vai caminhar com uma política firme que preconize a substituição dos combustíveis fósseis: “Existe uma pressão muito grande. Pressão dos governadores, dos políticos, senadores, deputados da região norte. Mas eles estão vendendo para a população como se fosse uma riqueza que vai brotar na terra imediatamente. Não é bem assim”.
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Com anos de trabalho em dinâmicas oceanográficas na foz do Amazonas, Nils Edvin Asp, oceanógrafo professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), é taxativo: a Petrobras errou na sua estratégia de tentar aprovar no Ibama a perfuração para a exploração de petróleo no bloco FZA-M-59, na chamada “nova fronteira de exploração e produção de petróleo no país”, a margem Equatorial. Para o pesquisador, pós-doutor em geomorfologia costeira pela Universidade de Washington, a empresa deveria ter feito novos estudos, e apresentado uma modelagem hidrodinâmica de qualidade. “Requentaram o estudo da BP [British Petroleum], de 2018, e incorporaram uma modelagem conveniente, ao invés de financiarem um novo estudo aplicado à exploração de óleo. É preciso que se faça um estudo de qualidade, mas não vejo como ser viável um prazo inferior a dois anos”, destaca o professor a ((o))eco.
Morador do Pará, Edvin Asp afirma que o Brasil precisa decidir se quer financiar a descarbonização de países riscos, ao explorar novas jazidas de óleo e gás, ou se vai caminhar com uma política firme que preconize a substituição dos combustíveis fósseis: “Existe uma pressão muito grande. Pressão dos governadores, dos políticos, senadores, deputados da região norte. Mas eles estão vendendo para a população como se fosse uma riqueza que vai brotar na terra imediatamente. Não é bem assim”.
((o))eco – Em 2018, cinco blocos já tinham sido negados pelo Ibama, na mesma região. Por que o senhor acha que dessa vez houve tanto gritaria, tanto alarido?
Nils Edvin Asp – Do ponto de vista técnico não deveria haver uma repercussão tão grande sobre essa negativa [do Ibama], porque boa parte dos problemas vistos quando o bloco era da Total e da BP continuaram agora. Não é de se admirar que houvesse a negativa. Por outro lado, havia uma expectativa de que a Petrobras apresentasse um estudo de mais qualidade. Por ser a Petrobras. Aquela região tem 95 perfurações já realizadas no passado. Existe na oferta permanente na Agência Nacional de Petróleo (ANP) mais de 200 blocos ofertados. O que for aceito nesse processo [da FZA-M-59] vai ser aplicado para outros blocos similares. Então existe sim, um rigor em relação a esse bloco.
PublicidadeO discurso do presidente Lula de que não haveria riscos, pois a exploração estaria a mais de 500 quilômetros da foz, faz sentido?
Do ponto de vista oceanográfico, hidrodinâmico, não faz sentido. A região da foz do Amazonas tem uma dinâmica muito complexa. O material que circula no mar pode chegar a centenas de quilômetros. E o bloco está a 179 quilômetros da costa, e isso quem é a favor não diz.
É possível conciliar, na foz do Amazonas, exploração de petróleo e desenvolvimento econômico, social e ambiental?
A questão não é tanto o impacto, mas a qualidade do estudo para avaliar o risco. Esse bloco não estava sob a gestão da Petrobras (que assumiu como operadora em outubro de 2020). De lá para cá a Petrobras não melhorou o estudo. O estudo que foi feito usa artifícios de modelagem numérica hidrodinâmica que matematicamente impede que o óleo seja empurrado em direção à costa. Por isso não existe um plano de ação para minimizar os impactos nos manguezais e os estuários. E isso se aplica a outros blocos. É preciso que se faça um estudo de qualidade, mas não vejo como ser viável um prazo inferior a dois anos.
A modelagem está errada?
Se eu fizer um boneco com peças de Lego, estou fazendo um modelo. Sempre será uma representação da realidade. Posso ter mais uma realidade mais ou menos precisa. O modelo que a Petrobras considera hoje usa 7km de tamanho de célula. Isso quer dizer que não consigo detalhar a costa, é como se fosse uma enorme parede. Eu acho que, por conta de uma questão estratégica da Petrobras, a meu ver equivocada, requentaram o estudo da BP, de 2018. Incorporaram uma modelagem conveniente ao invés de financiar um novo estudo de modelagem numérica aplicada à exploração de óleo. Mas não foi feita a chamada validação, a comparação qualitativa e visual. Isso afeta o grau de confiabilidade do dado em relação ao observado em campo. Se fosse um artigo científico aplicado em uma revista, teria sido recusado. Há baixa correlação do dado medido com o dado modelado.
“Incorporaram uma modelagem conveniente ao invés de financiar um novo estudo de modelagem numérica aplicada à exploração de óleo. Se fosse um artigo científico aplicado em uma revista, teria sido recusado”
E o que seria um estudo de qualidade?
Um estudo desse é bastante caro. Para modelagem ser considerada de qualidade algumas etapas são fundamentais. Preciso instalar equipamentos oceanográficos, medir dados durante meses para ter confiabilidade. Não havia na modelagem essa comparação com dados reais – calibração e validação. Na segunda etapa eles incluíram, mas ainda assim houve lacunas. Um estudo de qualidade envolve alguns milhões de reais. De R$ 5 a R$ 10 milhões. Dinheiro não seria o problema para a Petrobras. O navio-sonda que está esperando no Oiapoque custa US$ 500 mil dólar (R$ 2,5 milhões) por dia. Esse navio está há três meses. [A Petrobras] já pagou em aluguel mais do que umas dez vezes do que custaria uma modelagem de qualidade.
Quais riquezas na foz do Rio Amazonas devem ser preservadas?
A gente conhece pouco da biodiversidade marinha na foz do Amazonas. Isso gera um grau de incerteza nos processos de licenciamento. Em 2014, 2015, foi demandado pelo Ibama que as petroleiras fizessem um “Projeto de Caracterização Ambiental (Baseline)” amplo. Isso foi feito de maneira deficitária. Dentro do que se conhece, se sabe que há características ambientais únicas na área e existe uma fauna associada igualmente única. Essa biodiversidade não é só um patrimônio do ponto de vista ecológico. É uma fonte de atividade econômica importante na foz do Amazonas. Peixes rendem milhões de dólares por ano. Além dos corais, esponjas e algas calcárias garantem sustentabilidade a espécies como o pargo, a lagosta. A alta quantidade de peixes e crustáceos em parte está associado aos chamados recifes mesofóticos (do latim meso que significa neste contexto ‘reduzido’ e photico, que significa luz). Esses recifes funcionam como um corredor ecológico entre Atlântico Sul e o Caribe. Há ainda o professor (Fabiano Thompson) que tem feito importantes estudos sobre microbiologia e metagenômica da região. Ele tem estudado microrganismos que têm um alto potencial para biotecnologia. Vacinas, produtos que podem ser utilizados em diversas indústrias, são muitos os usos possíveis. Passamos anos no Brasil sem dinheiro para coleta de dados, agora que estamos retomando.
O risco de um derramamento de óleo chegar ao litoral pode ser desprezado?
Existe um projeto chamado Costa Norte (de 2015 a 2019) que foi uma modelagem contratada pela Enauta (à época Queiroz Galvão) sobre um bloco exploratório na foz do Amazonas e dois blocos na bacia do Pará-Maranhão. Eles fizeram uma modelagem melhor e chegaram à conclusão de 30% de probabilidade de chegar o óleo à costa do Pará. Tudo depende do tipo de modelo que eu considerar e como eu vou refinar esse modelo. Aparentemente, no caso de agora, o modelo da Petrobras não simulou a propagação de ondas nas superfícies, só de correntes. Então, se a gente considerar apenas as correntes, elas tendem mesmo a levar o óleo às Guianas e às Antilhas. Só que não se pode desconsiderar as ondas. Em 2019 a gente teve um acidente [de origem desconhecida] e meses depois tínhamos impacto em diversas praias do Brasil.
Qual a avaliação do senhor sobre o relatório técnico do Ibama, que negou a licença para o bloco FZA-M-59?
Achei tecnicamente bem embasado. E pelo parecer não vejo justificativa para uma grande discussão sobre o assunto. O termo de referência é de 2014. Foram dadas às empresas todas as oportunidades. Se em 2020 a Petrobras tivesse adotado uma nova modelagem, talvez não estivesse recebendo uma negativa. Acontece que virou uma discussão política e econômica.
Das regiões da margem Equatorial aquela é a mais complicada?
Não acredito. Os esforços se concentraram nessa área porque está no extremo norte. E justamente haveria mais chances de ser licenciado. Os blocos das bacias Pará-Maranhão e Barreirinhas (ao norte de São Luís) são ainda mais complexos.
Por que até hoje as empresas de energia não fazem a Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS), embora isso seja uma determinação antiga?
Tive uma reunião recentemente com Suely Araújo (ex-presidente do Ibama) sobre isso. Houve uma margem de não-obrigatoriedade e as empresas ficaram sem fazer. Inclusive a ANP só deveria ofertar de acordo com essa análise prévia. Essa discussão ficou muito complicada porque os blocos foram ofertados sem AAAS.
Do ponto de vista técnico, a decisão do Ibama parece estar bem embasada. E qual a avaliação do senhor sobre o ponto de vista estratégico? Vale a pena explorar novos blocos de petróleo num cenário de necessidade dramática de descarbonizarmos a economia?
Ainda que houvesse a perfuração, a produção não aconteceria antes de 2030. 2035 seria mais realista. Nesse contexto, se discute muito no cenário de mudanças climáticas se faz sentido uma nova fronteira exploratória. Isso entra em questões de macroeconomia que é difícil eu avaliar. Europa e Estados Unidos já estão pensando na transição energética e vamos ficar queimando óleo e financiando a transição energética dos países ricos? Existe uma pressão muito grande. Pressão dos governadores, dos políticos, senadores, deputados da região norte. Mas eles estão vendendo para a população como se fosse uma riqueza que vai brotar na terra imediatamente. Não é bem assim. Há décadas temos explorado diversos pontos do litoral brasileiro, como no Rio de Janeiro. E isso não impediu que o Rio falisse. Que tivesse dificuldades de pagar a folha do funcionalismo público. Áreas do Rio que recebem muitos royalties têm baixo índice de desenvolvimento humano. É bastante questionável se esse é o modelo de desenvolvimento adequado para a região amazônica.
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